Capítulo 4. Conhecer

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13h53 - Casa Maria Luiza Albuquerque.
Cheguei a pouco tempo em casa, logo almocei e deitei no sofá com o Caju, ele tá naquela posição entre minhas pernas que não me permite um movimento sequer da cintura para baixo, só porquê nesse exato momento eu queria um chocolate que está na cozinha, o chocolate que o Sam me deu, que na verdade eu nem queria ter aceitado, já que eu e toda a escola sabemos que ele está afim de mim e digamos que assim, eu não tenho o mesmo tipo de interesse que ele, isso é constrangedor, eu não sei muito como dar um fora em um garoto, já que garotos nunca foram meu foco, desde sempre eles tiveram lá nas últimas posições de prioridades da minha vida, daqui a algum tempo eu faço 18 anos e digo que durante todos esses anos, garotos nunca foram de grande interesse para mim, talvez eu me interesse mais por garotas, mas também nunca foi meu foco, o que é ótimo, graças a isso sempre tive tempo integral para mim, meus amigos e minha família.
Hoje na escola foi na verdade como os últimos dias, de alguma forma eu fui sendo introduzida no grupo dos populares, e eu nem entendo muito como isso aconteceu, eu não me identifiquei completamente com eles, são pessoas legais, divertidas, mas que tem papos normais demais para mim, eu sou do tipo de pessoa que gosta de conversar sobre como seria se não tivéssemos determinadas invenções, gosto de conversar sobre como será depois da morte, ou como a gente pode fazer para conseguir separar razão de emoção, gosto de falar o que penso sobre o mundo, sobre as pessoas, e gosto de ouvir o que os outros pensam, e eles, eles não gostam muito disso, preferem fofocar sobre o novo namorado da menina do vôlei, ou sobre o professor de física que provavelmente é gay, mas eu por algum motivo estou com eles, e espero que seja um motivo útil.
Fomos ao Kafé da Ká, ficamos pouco por lá, mas foi legal, provei o café e a rosquinha de canela, que inclusive é perfeita, e tirei foto do cardápio, para que eu consiga fazer um planejamento para provar todo ele, eu gosto de fazer isso, quando me interesso por um lugar, eu vou constantemente lá até que eu prove tudo e observe e conheça todo o lugar, e farei isso com o Kafé da Ká, que mesmo eu tendo visitado só uma vez, me provou que minha intuição sobre bons lugares, nunca falha, na próxima ida ao café, segundo meu planejamento, vou provar cappuccino e pão de queijo, estou ansiosa, já que o lugar além de lindo, tem um atendimento incrível, de uma garota chamada Ana, que parece ser tão legal quanto o lugar que ela trabalha, mas é claro, lugares legais, empregam pessoas legais.
15h30 - Escola de Idiomas.
Muito diferente da minha antiga cidade, Mamãe precisava dirigir por 30 minutos para que eu chegasse a escola de francês, e aqui em Santa Helena, a Escola de Idiomas fica a poucos minutos da minha casa, eu vim de bicicleta, e foi ótimo, eu não usava minha bicicleta azul com borboletas a um bom tempo, cheguei no horário, e já estou na minha sala, esperando, tem 8 pessoas aqui também, indetifiquei pelo menos 5 da minha escola, mas ninguém que eu conheça, espera, até agora...
- Oi, Malu!
- Oi, Marcos, que legal que você também faz Francês!
- Eu faço sim, estou perto do fim, você também né?
- Estou sim, então vamos terminar juntos, isso é legal!
- É legal, mas o nosso professor, não é nada legal, aí vem ele.
- Uau, a cara dele diz muito sobre ele.
- A cara dele diz, silêncio total em 3, 2, 1.
17h - Escola de Idiomas.
O que Marcos disse sobre o professor é tão verdade que me encontro completamente triste, impossível aceitar a mudança da professora Sadra, minha antiga professora de francês, que mais parecia um anjo, para esse professor que assusta até a pessoa mais corajosa desse mundo, mas isso não impede nem um pouco a minha vontade de encerar o francês para começar espanhol, depois alemão e depois todas as línguas que eu consegui, porquê eu amo aprender coisas novas, mas digamos que foi um pouco estressante, e como não tenho nenhum plano, vou passar no café para provar a segunda etapa do meu plano, cappuccino e pão de queijo.
17h15 - Kafé da Ká.
Eu adoro esse barulhinho de sino que a porta faz quando é aberta, está vazio então tenho muitas possibilidades de lugares, e dessa vez, diferente da outra em que estive aqui, eu quero ficar perto da janela dos fundos, que fica perto do balcão e virada pra esquina da rua, o que me permite ver o movimento das pessoas e dos carros, um ótimo lugar... Essa mesa é confortável, bem localizada e talvez eu nem precise me sentar em outras mesas até escolher uma preferida, essa é a minha preferida, agora que me acomodei, olhei para mesa da frente e avistei uma senhora, de cabelinhos brancos e com uma revista de fofoca nas mãos, que acabou de sorrir para mim e eu inevitavelmente sorri de volta.
- Ela é a Dona Eunice, uma fofa né?
- Ah, oi...
- Ana Mails.
- Oi Ana, não te vi se aproximando, e sim, ela é uma fofa.
- Ela sempre está aqui, dias batendo papo comigo e tomando café com muito açúcar, dias só lendo revista e tomando café sem açúcar.
- Ela deve ter histórias incríveis.
- Tem, muitas e eu amo ouvi-las.
- Fiquei curiosa, talvez um dia eu me sente ao lado dela para saber se sou digna como você de ouvir essas histórias.
- Ou talvez você me deixe te contar algumas delas, acho que seria mais fácil do que conquistar a confiança da misteriosa Dona Eunice.
- Eu adoraria, Ana Mails!
- Mas agora vamos ao que interessa, qual o seu pedido?
- Hoje quero um cappuccino simples e um pão de queijo.
- Pode deixar comigo.
Estou observando a rua enquanto Ana prepara meu cappuccino, consigo vê-la pela minha visão periférica, Santa Helena parece um lugar legal, ao mesmo tempo que é um lugar misterioso, é um lugar com energia leve e alegre, com pessoas sorrindo, se cumprimentando, se ajudando e se divertindo, e é legal observar isso de fora, a visão de quem está fora consegue enxergar sem influências, enxerga como acontece e como as pessoas permitem que as coisas sejam vistas, e daqui, da janela do café, observo sem influências, vejo o que pode ser bonito, o que pode talvez não ser tanto assim, o que pode ser alegre e o que pode ser triste, esse é um bom lugar para ver as crianças brincando na quadra, ver um senhor sentado sozinho no banco com um semblante triste, ver um rapaz ajudando uma moça cega a atravessar a rua, ver os carros parando no sinal, ver os cachorros de rua brigando por um osso, ver um casal apaixonando passeando de mãos dadas, aqui é um bom lugar pra ver a vida acontecendo, e eu gosto disso.
- Aqui está o seu cappuccino e o seu pão de queijo, espero que goste.
- O cheiro está incrível e com certeza eu vou gostar!
- Você fez uma ótima escolha, bom apetite, preciso voltar para o trabalho, para o fim do trabalho, ainda bem.
- Tá certo, muito obrigada!
Esse cappuccino é perfeito, e o pão de queijo está quentinho e tão saboroso, isso era tudo o que eu precisava depois de saber que meu professor é um homem mais ranzinza que o Caju em dias difíceis, e olha que o Caju em dias difíceis e quase que imbatível no quesito ser ranzinza. Eu me distraí e nem percebi que estamos só eu e a Ana no café, e que ela está pegando as chaves para trancar tudo e ir embora, esse lugar não vai precisar de tanta análise para se tornar um dos meus lugares favoritos na minha nova cidade, agora eu preciso mesmo ir, infelizmente, porquê aqui parece ficar cada vez mais aconchegante, e já estou ansiosa para a minha próxima visita.
- Ei, Ana, talvez eu tenha me distraído e tenha te atrasado, mas já estou indo.
- Aqui o cliente que manda, eu posso esperar o tempo que for preciso.
- Obrigada, mas de qualquer forma eu preciso ir, e você precisa descansar.
- Descansar agora não, tenho uma aula inteira me esperando.
- Ah, eu te entendo, tenho uma apostila de Química me esperando também.
- Boa aula, Ana, e mais uma coisa, você estava ao meu ver errada, sobre o café ser o carro chefe da casa, o cappuccino ganhou e olha que eu nem provei todo o cardápio.
- Digamos que eu não goste de cappuccino, isso pode explicar minha opinião, dá um desconto Malu.
- Essa eu vou perdoar, espere meu ranking desse cardápio e verá, sou uma degustadora de primeira.
- Espero ansiosa, Malu. Até mais!
- Até mais, Ana!
19h47 - Casa Maria Luiza Albuquerque.
O jantar já está na mesa, acabei de ouvir a mamãe pedindo pro papai me chamar, e agora estou ouvindo os passos dele se aproximando, e aí vem ele, em 3, 2...
- Oi, querida! O jantar está na mesa, a mamãe fez macarrão com almôndegas.
- Já vou indo, só preciso falar algo com a Bia antes.
- Tudo bem, te esperamos, não demore.
Beatriz é a minha amiga de infância, sofremos muito com a minha mudança, e fico cada vez mais ansiosa para o próximo feriado, para irmos juntas para o sítio do vovô e da vovó, quase sempre a levo para lá, é o nosso lugar favorito, a gente faz tanta coisa divertida quando estamos juntas, na verdade a gente sempre consegue fazer qualquer coisa ficar divertida, e eu preciso conta-la que eu já tenho um lugar favorito aqui, e que ela precisa logo conhecê-lo.
- Mamãe, eu falei com a Bia, ela perguntou se pode vir no próximo final de semana, o que acham?
- Tudo bem, filha, você sabe que pode sempre chamar os seus amigos para visitas, sei que fazer novas amizades é difícil.
- É, mas eu vejo possibilidades boas de amizades aqui, a garota do café parparece a mais promissora para mim, já que ela em 5 minutos foi bem mais legal que todos os outros em dias.
- Querida, talvez você seja exigente demais, dê uma folguinha para as pessoas, conhecer novas pessoas pode ser bom.
- Seu pai tam razão Malu, mas estamos orgulhosos, você está se saindo bem, chame a garota do café para uma tarde de filmes aqui, o Papai arrumou o projetor.
- Ótima idéia Mamãe, vocês são meus heróis.
Hora de dormir, e deitada nessa minha cama gigante, nessa casa gigante, eu percebo que a maior coisa que eu tenho é a minha família, eu poderia estar deitada na menor cama, e dentro da menor casa do mundo, que eu ainda sentiria que tenho coisas gigantes, meus pais são gigantes, e mesmo sendo tão pequena, me sinto feliz por ter a sorte de ter pais tão legais, quase sempre, né.

Eu + ElaOnde histórias criam vida. Descubra agora