Capítulo 5. Falar

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12h33 - Kafé da Ká.
Hoje é sexta, o final de semana está bem aí, e não tenho muitos planos, eu sempre trabalho só até sexta, o café abre nos finais de semana, mas a mãe da Sr. Kamila vem visita-la e fica no meu lugar sempre, é ótimo para mim, assim posso ajudar a Laura na sua lojinha de doces e tenho tempo para fazer outras coisas, já que minha semana é sempre tão corrida, mas nesse final de semana a Laura não precisa da minha ajuda, ela vai visitar a tia dela na cidade vizinha e não vai alegrar Santa Helena com seus bolos e chocolates perfeitos, então acho que vou aproveitar para estudar e ficar um tempo com a mamãe e o Dudu.
Acabei de avistar do outro lado da rua uns mil alunos rindo e comprando pipoca, hoje nenhum veio no café, o que é bem raro, mas quando acontece eu julgo como dias calmos, acabei de avistar a Malu, ela sempre tem um sorriso tímido e isso é tão interessante, porquê quando nos falávamos pela última vez, enquanto eu fechava o café, ela deu um sorriso bem largo, coisa que eu nunca tinha visto, e observando de longe, eu diria que a timidez no sorriso dela diz muito sobre o visível não encaixe dela no próprio grupo de amigos, e agora obsevando mais ainda eu percebo que ela está vindo pra cá, e apesar dela ser uma aluna, tenho certeza que ela não vai acabar com os entitulado "dia calmo".
- Oi, Ana!
- Oi, Malu! O que você vai querer hoje?
- Hoje eu não quero nada, vou sair para almoçar com o papai, mas queria te fazer um convite.
- Um convite?
- Sim, eu não sei se tem algum compromisso, mas queria que fosse a minha casa amanhã, ver um filme e comer minha super pipoca com manteiga.
- É... Eu estou meio cheia de coisas para fazer, mas você pode deixar seu número, assim posso te avisar se posso ou não.
- É claro, fico esperando a sua resposta.
Eu ao mesmo tempo que consigo ser e pessoa mais previsível de todo o mundo, eu consigo me surpreender com como consigo agir de formas completamente inusitada frente a certas situações, eu não tenho nadinha para fazer durante todo o final de semana, a garota mais legal da cidade me chamou pra ver um filme na casa dela e eu disse que tinha muitas coisas para fazer, sinceramente Ana Mails, você se auto decepcionou, ao menos peguei o número dela e com certeza vou mandar mensagem dizendo que eu posso ver até 5 filmes.
18h37 - Casa Ana Mails.
Cheguei do trabalho e conversei um pouco com a Mamãe, ela está super triste, uma colega do trabalho dela acabou de terminar sua jornada na terra, ela estava doente a um bom tempo e a mamãe a acompanhava desde o começo de tudo, mamãe é advogada, uma das poucas da cidade, e essa moça era sua assistente, trabalhou durante anos com ela e eu entendo que é um momento difícil para a Sr. Helen, que quase o tempo todo faz o papel da mulher mais forte do mundo.
A morte é um assunto complexo mas de uma forma que consigo entender, eu sou uma pessoa de teorias, tenho várias e gosto de acreditar nelas, isso me faz viver de uma forma mais leve, me ajuda a lidar melhor com as loucuras da vida, a minha teoria para a morte por exemplo, se resume a uma metáfora, como quase todas as outras teorias que eu crio, essa é a metáfora da viagem, eu sempre imagino que o nosso além físico, a nossa alma, ela tem uma vida eterna, e nessa vida ela tem várias missões, e ela viaja mundos e dimensões fazendo essas missões, e sempre que termina volta pra casa, até que a outra missão ou a outra viagem chegue, a vida na terra, é uma dessas viagens, a gente vem a trabalho, a gente faz tudo o que precisa fazer e depois volta pra casa, tem gente que vem cheio de tarefas, tem gente que vem com poucas, quase nada, por isso uns voltam cedo e outros demoram mais, mas todos sempre acabam voltando.
19h07 - Ônibus.
- Ei, Laura.
- Oi meu bombom!
- Eu tenho uma novidade, boa e ruim ao mesmo tempo, não me mata por favor.
- Conta agora mesmo!
- Sabe a Malu, a garota nova da cidade?
- A garota mais rica da cidade você quis dizer, né?
- Sim, ela... Hoje ela me fez um convite, e eu disse que tinha muitas coisas para fazer no final de semana, porquê eu sou patética, eu não tenho definitivamente nada para fazer.
- Ana, você vai?
- É claro, eu peguei o número dela e vou enviar uma mensagem amanhã dizendo que estou livre, preciso consertar isso.
- É, verdade. Vamos, precisamos descer.
- Tudo bem Laura?
- Tudo bem, só um pouco nervosa com o teste que vou ter.
22h03 - Faculdade.
Eu estou a alguns minutos procurando a Laura e não faço ideia de onde ela se meteu, a gente sempre vai embora no mesmo ônibus e não tem nem sinal dela por aqui, já mandei várias mensagens e nada dela responder, liguei e nada dela atender, eu estou preocupada, talvez eu deva ligar na casa dela, ela pode ter se sentido mal, ou então eu deva ir na lanchonete do Tio Remi, talvez ela estava com fome e aproveitou o tempo livre, eu juro que quando encontrar essa garota eu vou mata-la... Talvez ela esteja na sala do Jorge e do Natan, eles são nossos companheiros de faculdade, um casal que foi formado por nós duas, e sempre nos ajuda com tudo que precisamos, vou agora mesmo na sala deles.
- Ei, psiu, Natan, vem aqui.
- O que houve amiga? Esse professor já me odeia, fala rápido, não posso perder o fim da aula dele.
- Você viu a Laura? Ela sumiu, ela nunca some assim.
- Eu a vi um pouco depois do intervalo, de longe, ela parecia triste.
- Vou ligar na casa dela agora, obrigada amigo!
- Está tarde, caso não a encontre, me espere, eu e o Jorge te levamos até em casa.
22h46 - Casa Ana Mails.
Laura não é a pessoa mais sensível que eu conheço, mas ela está triste, com algo que eu não sei o que é, e algo que ela não quer mesmo me contar, liguei na casa dela e a mãe dela disse que ela tinha chegado em casa um pouco mais cedo, e ao chegar foi direto dormir, e isso é tão estranho que nem uma nova palavra que fosse inventada agora por mim poderia definir o quão estranho isso é, Laura nunca vai embora sem mim, isso aconteceu pela primeira vez hoje, ela sempre responde minhas mensagens rápido, até quando está dormindo, ela configurou o celular para o som de mensagens enviadas por mim seja diferente, assim ela sabe que sou eu antes mesmo de olhar o celular, ela me atende nos dois primeiros toques sempre que ligo, e ela NUNCA dorme antes de 0h, e o pior é que só vou vê-la segunda, já que amanhã bem cedo ela viaja, serão dias de ansiedade para saber o que houve com minha amiga.
8h49 - Casa Ana Mails.
Hoje o dia amanheceu nublado, não é muito raro isso acontecer por aqui, sempre tem dias chuvosos em Santa Helena, eu gosto, são dias mais tranquilos, dias que posso usar meias, calças confortáveis e moletons gigantes, posso ver filmes e comer pipoca com caramelo, são meus programas favoritos de final de semana, mas aqui os dias de calor são divertidos também, sempre que o dia amanhece quente em finais de semana, eu e os meus amigos vamos para a cachoeira Olhos Claros, que fica logo ali, é um lugar lindo, que me lembra boas coisas, e nos faz perceber o privilégio que temos de morar em Santa Helena, um cidade linda, cercada pela natureza, tudo tem seu lado bom, até morar longe de quase tudo.
Estou a uns 20 minutos tentando enviar uma mensagem para a Malu, não sei exatamente como dizer que na verdade eu não tenho nada para fazer e na verdade posso ir ver um filme com ela, eu me considero uma pessoa tímida, nunca tive muita facilidade para fazer amigos ou flertar com garotas, eu sempre fui mais na minha, e isso com certeza já me fez agir de formas sem sentido algum ou simplesmente não agir, o que eu aprendi a controlar e não deixar mais que aconteça, porquê eu sou tímida até certo ponto, depois do frio dos primeiros contatos, eu sou a pessoa mais solta e piadista que existe, então eu preciso quebrar esse gelo com a Malu agora mesmo, só não sei exatamente como, tenho algumas opções de mensagens, que são:
1- Oi Malu, meu compromisso para hoje a noite foi cancelado, o convite ainda está de pé?
2- Oi Malu, aqui é a Ana, que horas posso ir até a sua casa para vermos o filme?
3- Ei, boas notícias vindo do planeta Ana, estou livre hoje, qual horário podemos ver o filme?
Basicamente essas três opções, elas parecem iguais, mas analisando, cada uma tem sua peculiaridade, e por isso escolhi a mais peculiar de todas, e lá vai...
Ana 🌻: Ei, boas notícias vindo do planeta Ana... Estou livre hoje, qual horário podemos ver o filme?
Malu 🐱: Olá, que ótima notícia chegou ao planeta Malu. Pode ser às 19h?
Ana 🌻: Claro, às 19h, me encontra em frente ao café.
Malu 🐱: Combinado, 19h em frente ao café, até logo!
Ana 🌻: Até!
Estou ansiosa, mas ao mesmo tempo animada, e também um pouco preocupada, eu enviei algumas mensagens para Laura, ela não respondeu nenhuma, o que prova que ela definitivamente não quer falar muito sobre o que está acontecendo, e acho que eu não tenho muito o que fazer, hoje mais cedo pensei em falar com o Pedro, logo depois vi uma foto dos dois juntos, então ele também foi para viagem, o que eu não sabia que era possível acontecer, já que a mãe da Laura não gosta muito dele, mas fico feliz por imaginar que de alguma forma ela está o aceitando aos poucos, e sobre falar com Laura, decidi deixar isso para segunda, não imagino o que pode ter acontecido, mas sei que ela não quer me falar por enquanto, e eu de alguma forma preciso respeitar isso, então vou dar um tempo para ela, e esperar ansiosa a volta dela, assim podemos conversar melhor.
18h25 - Casa Ana Mails.
Estou a cerca de 20 minutos olhando para o meu guarda roupa para pensar numa roupa que seja legal vestir, mas na verdade eu nem sei porquê estou fazendo isso, a Malu é uma nova amiga, só isso, e eu só tenho camisetas, calças e tênis, com no máximo 3 cores de variedade, então prefiro minha camiseta preta com botões, minha calça preta e talvez... meu tênis preto, nenhuma chance de erro, e vamos dizer que de todas as possibilidades, essa é a que eu mais gosto.
- Mamãe, eu estou indo encontrar uma amiga, volto mais tarde.
- Amiga? Ou é uma namoradinha? Conta para a mamãe.
- Ah não mãe, ela é minha amiga eu juro, preciso ir, estou atrasada.
18h57 - Kafé da Ká.
- Oi, Malu! Eu me atrasei?
- Ei, você chegou 3 minutos adiantada, e eu cheguei 5, então não, você não se atrasou.
- Isso é música para os meus ouvidos, eu odeio chegar atrasada.
- Está tudo bem, vamos, a Mamãe está esperando a gente ali do outro lado da rua.
- Sua mãe?
- Isso, nada de medo, ela é um amor.
- Olá meninas. Oi, Ana! É um prazer te conhecer.
- Oi, o prazer é todo meu.
- Malu, vou apenas deixá-las na porta de casa e vou encontrar o Papai no restaurante.
- Tudo bem Mamãe, obrigada!
19h12 - Casa Maria Luiza Albuquerque.
Essa casa deve ser a mais incrível que eu já vi na minha vida, eu já tinha a observado de longe nos meus passeios de bicicleta por Santa Helena, morava apenas uma senhora aqui, ela faleceu a uns anos e a casa estava fechada, mas mesmo sempre a olhando de longe eu nunca imaginei que era tão linda assim por dentro, eu estou na sala de cinema, isso mesmo, tem uma sala de cinema, e a Malu foi pegar pipoca e chocolates na cozinha, e vamos assistir Procurando Nemo, escolhemos esse filme depois de um bom tempo tentando decidir um filme que nenhum tinha assistido, para resolver, Malu deu a idéia de ser um que nós duas havíamos assistido, e eu dei a idéia de ser uma animação, chegamos a esse filme assim, e eu adorei.
- Ei, cheguei, o que você gosta de beber? Eu trouxe suco de morango.
- Ótimo, eu adoro suco de morango.
- Acertei em cheio então, pode apertar o play.
- Você que manda...
0h49 - Casa Ana Mails.
- Tchau tchau, Ana! Foi um prazer te conhecer, volta sempre!
- Tchau Sra. Albuquerque, o prazer foi todo meu, e vou voltar com certeza, nem que a Malu não chame.
- Mas é claro que vou te chamar, já vamos combinar a próxima, tchau!
- Tchau garotas, obrigada!
Eu acabei de deitar na minha cama, estou aqui por uns minutos, cheguei, passei por toda a casa e aparentemente todo mundo está dormindo, mas a mamãe sempre me ouve chegar, acho que ela só dorme de verdade depois que eu chego, eu a entendo, acho que eu seria exatamente assim, sobre o filme, foi incrivelmente divertido, a Malu consegue fazer qualquer pessoa sorrir com o jeito dela, conversamos sobre várias coisas, e o mais legal é que em nenhum momento ela entrou no assunto garotos, o que é difícil quando se tem amigas mulheres e amigos gays, quase 100% do tempo com meus amigos se resumem a conversas sobre garotos, o que destoa um pouco do que eu gosto de conversar, que foi exatamente o que conversei com a Malu, conversamos sobre o porquê dela ter vindo aqui, ela me contou tudo sobre o Caju, o gatinho lindo dela que passou a maior parte do tempo no meu colo, o que segundo ela é extremamente raro, então me senti lisonjeada, além de me sentir super acolhida, os pais dela chegaram logo, conversamos um pouco e eles são tão legais quanto a Malu, e espero voltar logo lá. E para conseguir dormir, com a minha euforia típica de pós dias legais, acho que só depois de escrever um pouco.

Uma nota sobre reciprocidade:

Reciprocidade não apenas no amor,
também na dor;
reciprocidade não apenas em amores,
também nos desamores.

Reciprocidade nos abraços,
nos laços,
nos nós,
reciprocidade entre nós.

Reciprocidade no falar,
no perguntar,
no conversar,
reciprocidade no olhar.

Reciprocidade vindo do inteiro,
indo de encontro ao exterior,
pro mundo,
a fundo.

Olhares trocados,
sorrisos encontrados,
abraços encaixados,
amores amados.

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