Capítulo 3. Encontrar

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10h28 - Kafé da Ka.
Tem dias que ser Ana Mails é difícil, e parece que hoje, a única hora que não está sendo difícil é exatamente essa, a hora de paz total no café, hoje acordei atrasada, o Dudu passou mal logo cedo, mamãe teve que ir ao hospital com ele, eu queimei uma fornada gigante de biscoitinhos de polvilho, daqui a pouco os alunos da escola Municipal chegam, depois daqui tenho que ir direto para faculdade enfrentar uma prova de ética, hoje meu dia não tem tantas chances de ser legal ou pelo menos suportável.
O Dudu sempre acaba passando por coisas assim, ele tem um estômago bem sensível, e sempre que come qualquer coisa que possa faze-lo mal, mamãe precisa correr com ele para o hospital; quando eu era uma menininha, de 12 anos, o Dudu ainda com 2 eu me lembro de sempre pensar que talvez fosse a última vez que eu tivesse vendo meu irmão, sempre que ele precisava ir ao médico, era desesperador e sempre me invadia uma armação de alívio quando eu o via chegando, mesmo que ele fosse a criança mais chata desse planeta, tudo que a mamãe tinha para distribuir sobre saúde de filhos, ela deu inteiramente pra mim, nem o maior resfriado desse mundo me derruba, já o Dudu, além de chato, é o serzinho que mais consegue dar trabalho quando a questão é saúde.
12h27 - Kafé da Ka.
É impossível acreditar que já chegou a hora que preciso aturar os empilhadores de xícaras, geralmente eles andam num bando de 5, Marcela, Bruna, Mateus, Noah e Samuel, eu quase nunca conversei com eles, mas é impossível não saber o nome de todos já que eles gritam desde a hora que cruzam aquelas portas duplas que ficam de frente para o balcão, sempre sentam na mesma mesma e pedem a mesma coisa, e é o que vai acontecer daqui a uns 5 ou 10 minutos, o que não faz o menor sentido pra mim, já que está na hora do almoço, mas, é como diz a Sr. Kamila: Nunca tem hora certa ou errada para se tomar café.
E eles chegaram, como o esperado, porém tem algo de diferente, hoje não são 5, mas 6 empilhadores de xícaras, e eles estão rodando o café procurando uma mesa diferente, e como sempre gritando e gargalhando de uma forma completamente exagerada, sobre a integrante nova, nunca a vi, mas pelo o que percebi, é nova e talvez um pouco diferente do grupo, já que o sorriso dela é discreto e a voz é tão baixa que mal consigo ouvir, então ela tem uma ótima qualidade, é pelo menos um pouco diferente dos empilhadores de xícaras, e infelizmente a Márcia, que é a outra garçonete, já saiu para o horário de almoço, então hoje sou eu que preciso enfrenta-los.
- Olá, boa tarde, o que gostariam hoje?
- Hoje a Malu que escolhe. Disse Samuel apontando para nova integrante.
- Então pode dizer Malu.
- Eu não sei nada sobre esse café, não sei bem o que vocês têm no cardápio, você pode falar o que tem de mais gostoso aqui?
- É claro, o que temos de mais gostoso aqui no café é café mesmo.
- Ah é claro, então pode trazer café e rosquinhas para todo mundo.
- Então ok, café e rosquinha saindo.
É impossível acreditar que alguém com o mínimo de educação faça parte daquele grupo, eu nunca tinha recebido um pedido de uma forma tão leve e delicada assim, lidar com pessoas é o mais difícil de se trabalhar, geralmente as pessoas são grossas, arrogantes e sem um pingo de afeto, mas Malu foi diferente, na verdade ela parece ser diferente não só deles, ela parece simplesmente ser diferente.
- Aqui está o pedido de vocês.
- Pode servir para o nosso novo casal primeiro. Disse Noah, apontando para Samuel e Malu.
- Tá certo, mas a verdade é que café nunca esfria quando o amor é quente.
- Olha só a garçonete sendo simpática, deve tá apaixonada. Disse Samuel com um tom irônico.
- Se hoje vocês resolverem não empilhar xícaras... Posso ser simpática se vocês forem descentes.
- Uau, ela sempre tem uma resposta na ponta da língua. Disse Samuel.
- Aqui está o café, o carro chefe da nossa casa Malu, prove e tenham um bom apetite, obrigada!
- Obrigada... Qual o seu nome? Perguntou Malu.
- Ana, meu nome é Ana.
- Obrigada, Ana!
Eu acabei de sair da mesa e é bem nítido que eles estão falando de mim, talvez do meu nome, até porquê mesmo vindo aqui a tanto tempo, eles nunca perguntaram o meu nome, mas como sou uma pessoa extremamente observadora, o que considero uma das minhas maiores qualidades, eu os observei até descobrir o nome de todos, além de várias outras coisas, como que a Marcela gosta do Samuel, que a Bruna ficava com o Mateus e com o Noah sem que nenhum dos dois soubesse, e quando tudo foi descoberto ela não ficou com nenhum dos dois e acabou virando namorada do filho do Tio Rami, o dono da melhor lanchonete aqui da cidade, me considero uma boa observadora, não fofoqueira, já que não conto nada para ninguém.
Marcela acabou de levantar e ir embora com uma cara de poucos amigos, o que é estranho, já que ela costuma ir embora junto com todos, o que confirma o fato dela gostar do Samuel, e agora, provavelmente, odiar a Malu, o que não faz muito sentido, já que a Malu não deve fazer ideia da paixão escondida que a Marcela tem pelo Samuel, porquê nem ele sabe isso, a não ser que a Malu seja tão observadora quanto eu. Eles continuam na mesa, mas Malu não parece se sentir confortável com as piadinhas sobre um possível novo casal entre ela e Samuel, diferente dele, que sorri a cada piada e cria uma a cada oportunidade, e isso não o faz ser diferente de nenhum outro garoto, e talvez seja isso que incomode Malu, ele é como todos os outros, e ela não parece querer garotos como todos os outros.
16h30 - Kafé da Ká.
Acabei de olhar através da porta e consigo ver a Laura esperando pra atravessar a pista, isso às vezes pode levar muitos minutos, isso acontece graças a um acidente que ela sofreu quando pequena, quando tinha uns 8 ou 9 anos, nós já éramos amigas, e ela estava a caminho da minha casa quando foi atropelada por uma van escolar, ela passou bastante tempo no hospital, e tem duas cicatrizes nos braços, como consequência das cirurgias que precisou fazer, e ela odeia que qualquer pessoa toque nelas, menos eu, nunca a percebi me reprimindo quando as toco, ainda bem, porquê amo abraça-la e seria estranho se ela se sentisse desconfortável com isso.
- Oi meu docinho de abóbora, eu preciso urgente conversar com você, não consegui esperar até a hora do ônibus.
- Sou toda ouvidos, pode dizer, o que houve?
- Briguei com o Pedro, eu só preciso do seu ombro amigo, posso dormir na sua casa hoje?
- É claro que sim, mas o que aconteceu? Vocês não são de brigar.
- Acho que ainda não posso dizer o motivo, e prefiro não falar sobre isso, vamos falar sobre tudo que a gente ama e gosta.
- Claro, como você preferir.
- Vou em casa, pegar tudo que preciso e já te encontro, moranguinho!
- Te espero aqui, um beijo.
Eu amo quando a Laura me procura quando precisa, quando se sente triste, ou quando precisa muito me contar uma novidade, eu acho incrível como ela divide tudo que acontece na vida dela e como eu faço o mesmo, nós somos amigas desde muito pequenas, nossas mães são amigas, e por isso desde sempre a tenho na minha vida, e não consigo imaginar isso sendo diferente. Eu amo quando ela dorme comigo, a gente assiste filmes, conversamos sobre tudo, apesar de não concordar em muita coisa, nós somos amigas e é perfeito como conseguimos unir nossas personalidades tão diferentes numa relação tão legal quanto a nossa, e hoje tem tudo pra ser mais um dia como esse, já que temos apenas uma palestra na faculdade e depois estamos livres, vou ter tempo de consolar o coração partido da minha melhor amiga, obrigada faculdade.
18h09 - Kafé da Ká.
- Ei, beijinho, aqui...
- Oi, demorou em Laura, 10 minutos de atraso, garota.
- O Pedro me ligou pouco antes da hora de sair, por isso dei uma atrasadinha, mas aqui estou eu toda sua agora!
- Mas vocês não estão brigados? Difícil acompanhar vocês...
- Estamos, ele queria me ver pra tentar resolver, mas hoje só preciso ficar com minha amiga, então o dispensei.
- Me sinto honrada, então vamos antes que a gente se atrase mais.
19h57 - Faculdade.
A palestra acabou, eu não lembro muito bem sobre o que exatamente foi, estava com a cabeça no que poderia ter deixado Laura tão triste, já que ela passou a palestra inteira encostada no meu ombro com uma expressão de tristeza bem aparente; e Laura é alegre, falante e engraçada, desde que nos encontramos hoje que ela está cerca de 50% mais calada e 90% menos engraçada, isso é estranho e difícil de lidar; por mais que eu lide com todas as Lauras que ela pode ser, acho que a versão triste ainda é complicada pra mim, mas eu sei uma coisa que a alegra independente de qualquer coisa, que é o cachorro quente da lanchonete do Tio Remi, então vou leva-la para lá agora mesmo.
- Atenção Laura, melhor amiga te chamando pra terra!
- Estou na terra, infelizmente.
- Ei, cadê minha Laura? Vamos busca-la no cachorro quente do Tio Remi?
- Você faria isso por mim? Eu te amo Ana Mails, entenda.
- É claro que faria, lanchonete do Tio Remi, aí vamos nós!
20h27 - Lanchonete do Tio Remi.
- Olha aí minhas garotas, o Tio estava com saudades dessas clientes, o mesmo de sempre?
- Claro que sim, Laura precisa urgente do remédio que o seu cachorro quente é.
- É pra já, Aninha!
A gente vem nessa lanchonete desde que entramos no ensino médio, descobrimos graças ao filho do Tio Remi, que se formou quando ainda estávamos no começo da jornada de ensino médio, ele sempre distribuía panfletos pela escola, com etiquetas de promoção para quem falasse que tinha sido indicação dele, então um dia resolvemos vistar, e desde o começo nós amamos, e esse é o lugar que a gente mais visita juntas, e já somos conhecidas por aqui, isso é legal, a gente se sente em casa.
21h40 - Casa Ana Mails.
- Mamãe, chegamos, vamos subir para o quarto.
- Boa noite meninas, o jantar precisa ser esquentando.
- Oi, tia! Não precisamos, comemos na lanchonete.
- Oi, Laurinha, tudo bem, então tenham uma boa noite!
- Boa noite, tia!
- Boa noite, Mamãe!
A gente sempre sobe as escadas em total silêncio quando sabemos que o Dudu já está dormindo, o que aconteceu hoje, o Dudu acordado em dias que a Laura dorme aqui é um inibidor fervoroso de fofocas entre amigas, ele fica no nosso pé todo o tempo, querendo jogar cartas, ver desenhos ou ler livros de dinossauros, o que não é o melhor programa para se fazer quando sua amiga está doida para te contar fofocas e te atualizar de tudo que está acontecendo, hoje será super possível fazer isso, se a Laura quiser, porquê o Dudu segue dormindo, e só volta a ativa amanhã, mas não sei se hoje é um dia de fofocas.
- Você quer me falar agora o que houve entre você e o Pedro?
- Acho que a gente anda brigando muito, principalmente por ciúmes, o que eu menos gosto nisso de namoro.
- Ciúmes? Mas por quê? De quem?
- Ah Ana, ciúmes de várias coisas, e eu não posso tolerar isso.
- Você não pode tolerar nada que te faça mal, Laura.
- É, eu não posso... Podemos ver um filme e descansar?
- É claro que sim, vamos ver agora!
O Filme começou faz 40 minutos e a Laura dormiu antes que chegasse a metade, como sempre, eu ainda continuo sem sono, e não muito afim de ver esse filme, acho que preciso escrever um pouco, vou fazer isso.

Quando se consegue confiar
de olhos fechados,
conseguir se entregar,
nos sentimos amados;
como em amizades,
dentro de irmandades.

Nossa amizade é confiança,
nossa irmandade é entregar,
isso me traz esperança,
e vontade de continuar;
no raso desse mundo,
nosso amor é profundo.

Seu sorriso é minha força,
então sorria, moça;
Tua felicidade me contagia,
parece até magia;
Então trate de ser felicidade,
e conte com minha irmandade.

Eu + ElaOnde histórias criam vida. Descubra agora