Pen

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Bem, já se tinha passado uma semana. Entre a organização dos grupos, para decidirmos quem faz o quê, testes, baldes com muita baba e umas grandes maratonas de Netflix, o Guilherme parece ter-se adaptado a esta selva. Eu costumo dizer que a escola é um meio natural e nós somos os sobreviventes, temos os leões que querem sempre derrubar os outros com o seu brilho (imaginário) e fama, os peixinhos que ficam sempre no seu canto com medo de serem comidos e as águias que observam tudo mas são as mais silenciosas, astutas. Eu seria um escorpião talvez, ou então uma borboleta, qualquer coisa de diferente, não gosto de me posicionar em grupos, eu sou, simplesmente, aquilo que eu sou e nada mais.
Eu, Joana, não a Joaquina ali da quina, tenho uma forma diferente de relacionar-me com os "animais" do sexo oposto. Para mim, somos todos uma irmandade, ou seja, não temos nenhum tipo de interesse no outro. Isto faz com que a nossa amizade seja pura, simples, sem sentimentos de paixão. Por isso, é me indiferente andar com os rapazes ou com o meu grupo de amigas, já aconteceu, inúmeras vezes, eu ser a única fêmea, especialmente, porque eu ajudo-os a estudar... eles devem-me tantas.


Mas... com o Guilherme é diferente, ele é diferente. Não consigo olhar para ele como um mano, não dá. Porém, já estou melhor, não gago tanto e criei uma regra: sempre que estou ao pé dele olhar para o chão. Não quero passar vergonha de cair à frente dele ou de outras pessoas! Obviamente, que refletia tudo isto na aula de português, onde, no segundo tempo, íamos fazer trabalho a pares, uns exercícios quaisquer do Caderno de Atividades. Imaginem com quem eu fiquei? Com o meu colega de lado que só por acaso era o Guilherme, isto porque ele precisava de estar ao lado de alguém sempre disponível para lhe tirar qualquer dúvida. Foca-te no trabalho! Não olhes para ele! E foi assim, que passei o resto daquele tempo infernal.


Já tinha tocado e eu fiquei dentro da sala com "ele" e a professora, estávamos só a acabar a última pergunta.

- Meninos, tenho que ir embora porque vou dar aula a seguir. Guilherme, tens aqui um papel para assinar sobre a visita de estudo, podes deixá-lo em cima da mesa que o próximo professor depois entrega-me. - disse a professora Margarida, com a sua voz calma e atenciosa. Ela era baixa, loira e muito serena o que fazia com que as suas aulas fossem tão boas para embalar bebés. Por outro lado, ela era sempre muito preocupada com todos os alunos e tentava sempre ser justa, no geral era uma boa Diretora de Turma.
Nem me tinha apercebido e ele já estava ao pé da folha em cima da mesa.

- Joana passa aí uma caneta! - No momento a seguir a caneta foi apanhada com total sucesso. Eu com a minha curiosidade levantei-me para ver o que era e se precisava de ajuda. -Já está.
- Ok, dá-me a caneta! - exclamei naquele tom de mandona, com uma leve ironia.
- Ammmh, não. - E lá começou, ele com o braço esticado bem lá em cima, e eu aos pulos a tentar pegar a caneta, porém com os meus 160 cm mal chegava ao antebraço.
- Gui dá cá! - Eu acabei mesmo de lhe chamar Gui?! Bolas! Parecíamos crianças com 5 anos e, o pior de tudo, eu estava a gostar. Obviamente, que eu tinha que tropeçar e, literalmente, cair em cima dele. O senhor grandalhão, com todos os seus músculos, agarrou-me com o braço livre e colocou a caneta a uma altura normal.

- Aqui tens. - O meu corpo entrou em alerta, demasiada proximidade, já não sentia os meus joelhos. Não conseguia parar de olhar para aqueles olhos cinzentos, a tempestade que deixara ruínas, sentia uma espécie de força que me atraía para ele, eu não queria estar ali, mas também não havia outro sítio de desejasse estar. Só me afastei quando ele me largou, devia estar mais vermelha do que um tomate. Aquela eletricidade que passou por todo o meu corpo e fez questão de arrepiar cada poro, tinha acabado. Eu queria mais, não, não queria, não podia. Mas que raio é que eu estava a fazer à minha vida?! Murmurei, bem baixinho, um obrigado, uma vez que a minha voz tinha ido embora junta-me com os meus joelhos, mas acho que ele ouviu.


Só quando me afastei uns dois metros é que libertei o ar que nem sabia que estava a prender. Eu ali corada e ofegante, enquanto ele estava impecavelmente normal, com a sua respiração tranquila, como se estivesse a dormir, ou seja, não havia nenhum indício que eu lhe causava o mesmo. Provavelmente, só estou com um crush nele. CRUSH O QUÊ?! Nem pensar, vou ligar para o Júlio de Matos (instituição para pessoas com problemas psiquiátricos) para ver se eles têm vaga para mim. Eu não posso estar apaixonada, não posso.

Num ápice, as aulas já tinham acabado e eu finalmente poderia ver a minha Netflix em paz, depois do que aconteceu hoje, não estou com disposição para fazer nada. Talvez estou a ser ligeiramente, mas só ligeiramente, exagerada. Logo se vê, novo dia vida nova, duvido muito que isso vá acontecer.

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