Capítulo Três - As Surpresas do Caminho.

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Visconde de Sabugosa e Gustavo caminharam apressadamente pelo capoeirão, rumo à estrada que liga o Sítio do Picapau Amarelo ao Arraial dos Tucanos. Durante a caminhada, o clima pesado e sombrio aumentava o desconforto de Gustavo.

- Nossa, Visconde, eu sempre imaginei que o clima aqui no capoeirão fosse leve e gostoso, mas está parecendo tão sombrio e pesado - disse Gustavo com um tom de medo e apreensão.

- Acelere o passo, jovem Gustavo. Precisamos sair logo do capoeirão para deixarmos de correr riscos. Só assim poderei explicar tudo e contar por que fui ao mundo real pedir sua ajuda - respondeu o Visconde, olhando para todos os lados enquanto caminhava apressado ao lado de Gustavo, que não entendia nada.

Ao chegarem à estradinha, Gustavo estava suado e com aparência de cansado. Afinal, ele nunca havia caminhado na mata, nem tinha o hábito de praticar caminhadas, embora tivesse um bom preparo físico.

- Ufa! O capoeirão é mesmo grande, hein? - disse Gustavo, parando em seco e passando a mão na testa.

- Sim, o sítio é logo ali e estamos bem próximos. Vamos prosseguir? - perguntou o Visconde, ainda um pouco tenso.

- Vamos - respondeu o esbaforido Gustavo. - Não posso demorar, afinal, não avisei meus amigos que precisaria sair.

O Visconde então parou, colocou a mão no ombro de Gustavo e disse:

- Calma aí, meu caro. O primeiro ensinamento que precisa ter é que os tempos são diferentes entre os mundos. O acelerado ritmo do mundo do faz de contas pode não estar de acordo com o tempo do mundo real e vice-versa. Não podemos saber ao certo.

- Nossa, isso quer dizer que meus amigos já podem ter dado falta de mim e podem estar preocupados, à minha procura?

- Calma, jovem Gustavo, essa não é uma certeza que podemos ter, mas a que temos é que precisamos ajudar o sítio do Picapau Amarelo o quanto antes - disse o Visconde, relembrando Gustavo do que estavam ali para fazer.

- Peraí, Visconde, está tudo muito enrolado e confuso. Por favor, me diga logo o que está... - Gustavo parou de falar ao ver à sua frente a típica placa de identificação do Sítio do Picapau Amarelo.

- Sim, meu caro, aqui é um bom lugar para pararmos em segurança e eu poder te contar tudo o que está acontecendo - disse o Visconde, virando-se de frente para Gustavo e de costas para a rua por onde vieram, enquanto o menino estava de costas para a entrada do sítio, de frente para o Visconde.

- A vida seguia bela e plena aqui no Sítio de Dona Benta. Tudo estava no seu fluxo normal. Eu lendo e relendo os livros da biblioteca de Dona Benta, mantendo-me apaixonado pela ciência e fugindo das galinhas que insistem em comer meus grãos de milho. O nobre Marquês de Rabicó roubando os quitutes de Tia Nastácia, que, por sua vez, corria atrás dele com a vassoura para fazer dele uma feijoada. Pedrinho, Narizinho e alguns amigos do Arraial dos Tucanos brincando e trazendo alegria ao sítio, Emília com sua torneirinha de asneiras transbordando por aí. Enfim, a vida seguia. Até que um dia, Tio Barnabé veio às pressas, gritando por Inhá Benta. Quando Dona Benta e Tia Nastácia apareceram na varanda para responder aos gritos de Tio Barnabé, viram a Cuca correndo atrás dele furiosa. Ela o transformou em estátua de pedra, deu uma gargalhada sinistra e sumiu.

- Peraí, nunca imaginei a Cuca invadindo o sítio assim, furiosa. Quando o sítio passava na TV, ela era má, mas nunca imaginei essa ousadia dela - disse Gustavo, surpreso com o que o Visconde contava.

- Ah, caro Gustavo, lembra que te falei há pouco que as coisas no mundo real e no mundo do faz de contas nem sempre correspondem uma à outra?

- Sim.

- Pois é, a Cuca do mundo do faz de contas é muito pior e ser pego por ela no capoeirão é sinal de muita encrenca, não apenas para quem foi pego, mas também para os amigos daqueles que foram pegos.

- Como assim, Visconde? O que você está querendo me dizer com isso?

- Que todos do Sítio do Picapau Amarelo foram transformados em pedra, nobre Gustavo - respondeu o Visconde com ar de muita tristeza.

Gustavo então baixou a cabeça, as lágrimas rolaram pelo seu rosto e ele apenas murmurou:

- Então, quer dizer que... todos aqueles que fizeram minha vida feliz desde a infância estão... empedrados?

- Ma... Ma... Ma... - gaguejou daquele seu jeito peculiar o Visconde de Sabugosa e continuou - Calma, Gustavo, lembra que eu me aventurei a ir ao mundo real para pedir sua ajuda.

- Mas como eu posso ajudar em uma situação tão delicada, Visconde, se eu nunca vi a Cuca? - questionou Gustavo.

- Ah, não seja por isso, pirralho - gritou Cuca, com uma voz vinda do meio das árvores do capoeirão, seguida de um barulho de folhas secas enquanto sua cauda se arrastava.

- A Cuca! Corre! - gritaram o Visconde e Gustavo, correndo em direção ao sítio.

O Sítio do Picapau Amarelo em ApurosOnde histórias criam vida. Descubra agora