∾ 𝙟𝙚𝙣𝙣𝙞𝙚 𝙜𝙚𝙩 𝙢𝙖𝙙 ∾

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capítulo 01 - Jennie get mad;

[//ROSÉ]

Vejo Jennie atravessar o refeitório até mim como um gatinho nervoso e não consigo conter o sorriso que escapa pelos meus lábios. Era a quarta vez na semana em que ela marchava com a mesma cara: o cenho franzido e as bochechas cheias de ar quase formando um biquinho em seus lábios. A imagem fofa não combinava com o que ela passava quando de fato abria a boca.
— Que ódio! — Jennie grunhiu esbravejando, como se eu já não tivesse percebido sua fúria a quatro metros de distância. Ela se joga na cadeira do refeitório ao meu lado, 6 minutos mais tarde do que o último soar do sino para o almoço.
Seu sanduíche quase atravessa a mesa, ameaçando cair no chão, mas interrompo o desastre com a esperança que ele se torne meu, já que ela comeria inteiro, como era o costume. Ainda que sua mãe fizesse os melhores sanduíches da terra (porque é a única coisa que a Ms. Kim sabe preparar, então ela é profissional na moralidade), Jennie possui um estômago pequeno e dividia a arte gastronômica de sua mãe comigo. Dava para sentir o melhor ingrediente inventado pelo homem entre as fatias de queijo e a salada: o amor. Ao contrário do meu, que apesar de nada mal, custava 4,99 na cantina da escola e certamente não tinha queijos frescos e amor envolvido.
A olhei já sabendo o que estava por vir, esse era um quadro repetido constantemente nas últimas semanas, ou seja, desde que ela e Lisa Manoban terminaram o namoro de 3 meses.
— Acabei de levar bronca de novo! — Jennie bufa pegando seu lanche  de volta — E olha, até você está chegando mais cedo do que eu.
— Muito engraçado. Sabe quantas faltas eu tive nesse semestre? Quantas vezes cheguei arrasada? Esse ano eu estou arrasando, minha querida Jennie Kim.
— Eu sei, desculpa. Estou muito muito muito orgulhosa de você. — Disse apoiando a cabeça no meu ombro para me dar um abraço rápido de lado e se pôs ao lado oposto da mesa, ficando de frente para mim.
— Por incrível que pareça, eu também estou. — digo reconhecendo meu mérito — Se eu continuar indo bem vou pedir para o Sr. Krunk diminuir a minha carga de trabalhos de férias, e assim, talvez meus pais me deixem fazer aula de música durante o fim do ano.
Jennie sorri triste, mas ainda assim encorajadora com algumas palavras genéricas de incentivo. Ela é a pessoa que mais me apoia na música e em tudo na vida de forma geral. Na verdade, Jennie é, praticamente, a única.
A possibilidade dos meus pais concordarem era nula, pela postura deles em relação aos estudos de artes e tudo o mais que me interessava. Meus pais são advogados, daqueles sérios que fazem um monte de coisas chatas e burocráticas em escritórios de gente infeliz e isso os tornou extremamente rígidos quanto a minha educação. Isso somado ao fato de nunca terem aceitado bem o meu diagnóstico de dislexia, descoberto quando eu tinha apenas 10 anos, e mesmo assim, todo o meu esforço no colégio nunca foi suficiente e o meu "fracasso acadêmico" era levado como preguiça e falta de interesse. Mas no último ano eu tinha conseguido melhorar as minhas notas consideravelmente e reduzir as faltas e atrasos mesmo sem o apoio necessário deles ou de qualquer outro adulto. É claro, isso me demandava o dobro de esforço em comparação com qualquer outra pessoa da minha idade. É exaustivo e nunca consigo ser perfeita como meus pais desejam, mas minha melhora ainda assim é um argumento ao meu favor para convencê-los que música é o que eu amo, então tudo o que eu poderia fazer é tentar, e era isso o que eu faria.
—  Tá, mas o que a Lisa fez dessa vez? —  Pergunto mesmo sabendo o motivo do atraso e a reclamação que está por vir. Essa cena tem acontecido com frequência. Jennie e Lisa não tinham um relacionamento muito amigável após o término, pelo menos não por parte da minha amiga.
Lisa vive atrás da Jennie pelos arredores para papear,  o que Jen julga serem futilidades, porque sabe das verdadeiras intenções de Lisa. Ela também fica no portão do colégio e espera Jennie chegar, o que sempre causa atrasos, notificações da escola para os pais delas, e com isso, os castigos.
A Lisa é da minha sala e não parece se importar de levar para casa notificações diárias sobre atrasos, conversas durante a aula ou seus passeios pela escola enquanto deveria  estar em aula.
Por outro lado, a Jennie...
Quando namoravam, Jennie não podia negar que gostava dessas interações. Ela ficava irritada pois além dos castigos por Lisa não conseguir seguir em frente,  começou a perceber a perda de pretendentes que, ao as verem juntas pela escola, acham que ainda estão namorando.
Jennie está no último ano e é com certeza uma das garotas mais bonitas da escola, comprovado pelo ranking que o grupo de meninos da coluna de entretenimento do jornal da escola faz todo semestre para julgar a beleza das meninas, mascado de concurso cultural que até votação aberta ao público tem. A maioria da escola leva isso a sério, mas Jennie e eu nunca demos bola para isso. Para muitos, ela só perde a medalha de ouro para a atriz principal em todas as peças relevantes da escola, Kim Jisoo, melhor amiga da Lisa e também do último ano.
— Ela não se toca! Eu fico tentando lembrar que a gente tem aula, mas ela não para de falar um segundo e ainda tampa a passagem. Não dá nem para eu fugir!
— Acho que você precisa ser mais clara com ela, tentar ficar fugindo não está adiantando. — Eu argumento sabendo que Lisa não faz por mal.
Encaro meu prato e metade do meu lanche já não estava mais lá. Sinto falta dele, mesmo que ele já estivesse na minha barriga.
—  Se eu for mais clara do que isso... Não quero ser grossa, a Lisa é muito sentimental. Eu não quero magoar ela.
—  Jennie, todo mundo é muito sentimental para você. —  Eu digo ainda que Lisa fosse muito sentimental mesmo. Ela é esse tipo de garota atenciosa e que ama dar carinho para as pessoas. Eu sei, parece brega e grudento, mas nela simplesmente cai bem.
—  Não todo mundo, vocês duas que são, amiga. O que eu fiz para merecer isso? - Ela diz dramaticamente ainda sem ter tocado na comida em sua frente.
Revirei os olhos e continuei comendo meu sanduiche enquanto ela prosseguiu.
— Você, pelo menos, tem noção. Tipo, não é que eu não gosto dela, você sabe, a Lisa é legal. Mas, acho que como terminei com ela da forma mais delicada possível e com todo o papinho de "Ainda podemos ser amigas e bla, bla, bla" ela levou a sério. Só que até demais.
Eu apenas riu. Jennie não precisava de respostas, ela só queria desabafar sobre a situação que não sabia como contornar.
Lisa, com certeza, sempre foi uma pessoa... Diferente.
Estudo com a Lisa desde o quarto ano, mesmo quando ainda não éramos amigas e ela sempre foi muito gentil e calorosa comigo e com todos à sua volta. Ela sempre se certifica que todos à sua volta estão se sentido bem. É desse tipo de pessoa que arranca risadas por coisas bobas e ilumina qualquer ambiente só por estar nele.
Ainda que, como eu, ela não seja uma aluna exemplar, os professores a adoram. Ela tem um sorriso sempre de canto de boca com uma malícia inocente, e grandes olhos castanhos escuros. Ah, eu nem vou começar a falar como ela é bonita... Acho que franjas foram inventadas para a estética simetricamente perfeita do seu rosto de boneca, em função de acentuar sua beleza tipicamente tailandesa.
No fundo, acho que Jennie mesmo sabia que seu interesse pela Lisa tinha sido mais  físico do que qualquer outra coisa, mas apreciava todas as qualidades extraordinárias que a Lisa inegavelmente tem, ainda que a ex não fizesse o seu "tipo ideal".
— Ela até falou que deveríamos marcar de sair nós quatro como antes. Como se isso fosse acontecer.. — Bufou.
— Nós quatro? Eu meio que sinto falta dela e da Chu... — Olho para a mesa onde as duas estão sentadas, juntamente a várias garotas do terceiro ano, na mesa dos populares.
Claro, Jennie sempre foi muito bem-vinda lá, e eu, por tabela, também era. Mas, ela preferia ignorar eles por minha causa, mesmo que negasse esse ser o principal motivo. "Eles são uns imbecis, Rosie" ela dizia toda vez.
Nunca me senti confortável perto do pessoal do teatro e atletas, pois, para todos ali, eu sempre fui "A amiga da jennie" ou "Aquela garota que faz reforço nas férias e anda com a Jennie".
— Sai com elas então. — Ela disse se ajeitando na cadeira. Desembrulhou o canudinho do suco e furou o lacre da caixinha. Repentinamente, ocupada demais em ignorar o fato de eu estar ali, com o sorriso de canto, provocativo.
— Você ia se importar? Talvez eu chame a Jisoo para jogar Guitar Hero. — Falei entoando uma falsa ingenuidade. A reação esquisita ao citar Jisoo é antiga e instantânea, eu ainda não sei identificar o que exatamente isso significa, mas acho que estou a cada dia mais perto de descobrir.
Tanto Jisoo, quanto Jennie, pareciam apenas concordar em estarem no mesmo lugar para fazer Lisa feliz. Elas eram apenas educadas uma com a outra mas não interagiam como o resto do grupo. Ao contrário de mim, que esperava ansiosamente as sextas-feiras para passar as tardes com as garotas na enorme casa de Jisoo quando Lisa e Jennie ainda namoravam.
— Faz o que você quiser, Chaeyoung. — Disse a mais velha usando o meu nome coreano – coisa que ela só fazia quando estava brava comigo –, ao colocar as mechas loiras da parte de frente do seu cabelo atrás das orelhas e finalmente começar a comer em silêncio.

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