O vento batia no topo da colina, lá em cima, se assistia ao entardecer preencher a vasta planície acidentada no terreno inferior, tornando uma linda visão. O monte era um local deserto, pacato, longe da civilização, o uivo dos lobos compunha a melodia que faltava aos ouvidos. Famintos, eles rondavam a área usando de seus olfatos para procurar por uma refeição, em cada pedra e barranco no caminho. Até a matilha empacar, com seus olhos travados no alvo a frente, sentado acima de uma rocha, despreocupado, sentindo e apreciando a mais perfeita forma da natureza.
Ao ver os animais a encarando, sorriu alegremente e descontraída, caminhou até eles. Os lobos se sentiram ameaçados e rosnaram, cravando suas patas na terra e ameaçando atacar. Nada adiantou, nem mesmo a saliva que escorria de seus dentes cerrados por suas bestialidades. Ela se encostou a eles sem qualquer preocupação ou medo, repousando a mão acima da cabeça do líder que agora, mais se assemelhava a um vil cão domesticado.
- Por que você está bravo, meu bem? ... Se bem que posso entender sua raiva, no fundo nós dois somos iguais. - O lobo retrocedeu seus passos, a deixando irritada.
- É o que ganho por falar com criaturas de baixa inteligência. Oras, vão, saiam daqui! – A matilha, coagida, se dispersou para as quatro arestas. Enfadada, ela voltou ao morro, seus olhos buscaram o vilarejo mais próximo com o intuito de se abrigar. A noite recaia e o frio se aprimorava com o tempo, castigando seu delicado corpo por não adornar roupas casuais de inverno.
Ao encontrar uma vila, se abeirando de uma queda de altura considerável, saltou do penhasco para sua própria morte, ou esse era o resultado mais comum para um cidadão normal. Mas ela alegremente sorria sentindo o vento bater em seu rosto. Quando perto do solo, se transmutou em uma ave de cor branca, passando a voar livremente pelos céus até alcançar o povoado. Rente aos pequenos portões de madeira do vilarejo, sem que pudesse ser avistada pelos dois soldados que faziam a proteção, retornou a sua forma humana, se escondendo por trás de uma rocha.
- Homens, são tão fáceis de enganar. – Ela caminhou cambaleante se disfarçando de uma mulher fraca e indefesa, arrastando os pés na terra para que eles a pudessem escutar.
- É o mais longe que irá! – Gritou um deles. - De onde vem a essa hora do dia?
Ela desabou ao chão.
- Senhorita?! – O guarda a segurou pelo braço, a ajudando ficar de pé. – Qual é o seu nome?
- A-alyssa. – Titubeou. – Estou exausta depois de muito andar, acompanhava um grupo de mercadores pelo deserto e acabei me perdendo, poderiam me deixar passar a noite?
- Sim, mas... É incrível que tenha sobrevivido, sem uma única arma para se defender. – Comentou o primeiro guarda. - Os lobos a teriam feito em pedaços.
O segundo interrompeu.
- Não podemos ser rudes com a bela moça. – Disse, Alyssa disfarçadamente sorriu. – A leve para dentro e dê um lugar para que fique. Mas irá ter de trabalhar para pagar sua estadia.
Agradecida ou não com a bondade dos homens, ela acompanhou um deles até a simplória pousada do vilarejo. O quarto nada tinha a surpreender, bem comum para plebeus, com um forte odor de mofo e sem tintura alguma em suas paredes compostas de madeira. Alyssa repudiava a ideia de dormir naquele lugar que lhe parecia o inferno, mas sabia que era muito melhor do que passar uma noite de inverno ao relento. Ela chacoalhou o cobertor.
- Por que raios me sujeito a esse vexame? Céus! – Reclamava, revoltada com o estado deplorável do quarto. - Um estalo de dedos e -
Alyssa olhou para a janela na parede a sua esquerda, indo até lá a destrancou, visualizando o lado de fora. Ela se sentia observada por alguém ou alguma coisa na escuridão, sua intuição nunca falhou antes embora agora não tenha visto nada de suspeito, ficando confusa. – Talvez eu esteja ficando louca? ... Não há nada lá tirando a noite e o barulho desses grilos insuportáveis!
Com força fechou a janela e apagando as luzes, se aprontou para dormir. A noite se encaminhou ao amanhecer e depois de muito acordada, tendo dificuldades para dormir naquele recinto desconfortável, ela conseguiu fechar os olhos e descansar um bom bocado. Todavia, quando na metade do amanhecer os abriu abespinhada, sonolenta e fadigada.
- Os grilos pararam? Justo quando me afeiçoei a suas canções. – Inconformada foi até a janela verificar, nela avistou uma figura sombria, camuflada na sombra de uma árvore. Mas o que ela demorou ver, era que uma lâmina viajava com endereço ao seu coração. Quando avistou a adaga através do brilho da lua, refletido em seu fio, por instinto conjurou sua magia translocando seu corpo para fora do quarto. A faca atravessou a janela, partindo a vidraça em vários pedaços e se prendendo na parede ao fundo, a manchando com gotas de sangue e um pedaço cortado da roupa dela.
- Céus! Onde estão seus modos? ... Não se trata mais as damas como antigamente! – Ela resvalou o dedo em seu peito, salientando o ferimento que a ponta da adaga causou ao seu corpo. Desembainhando duas facas, a criatura assumiu uma ofensiva, avançando até ela.
- Que barulho foi esse? - Gritou um dos guardas, atraído pelo som dos vidros, mas não notou a presença da criatura. - A janela?! ... O ancião não vai gostar disso, você terá de pagar por ela! –
- Eu me esqueci de vocês! E foram tão gentis comigo... Desculpe, mas tenho de ir, por favor, cuidem dele por mim. – Alyssa os deixou enfrentar a criatura e voou para longe. O berro dos homens e crianças da vila não foram o suficiente para a fazer mudar de ideia quanto a partir de lá. Ela queria se importar, só que depois de muito sofrer de injustiças, escolheu viver para si mesma.
- É eu arranjar um bom lugar para passar a noite e demônios vem me importunar. Amaldiçoada vida a qual me condenou, Lander! – Rezingava, sobrevoando as planícies. – Que felicidade quando Raydric trouxer sua cabeça para mim. Eu me abdicarei dessa vida de odisseia e viverei em uma bela casa, dormindo sobre lençóis de seda como uma autêntica princesa.
Fantasiava, até desviar de mais uma adaga que vinha a seu encontro, ela resolveu cessar seu voo e descer em terra firme, aguardando pela chegada do monstro.
- É pedir muito para que me deixe em paz?! – Assim que a criatura apareceu, Alyssa estalou os dedos, a terra estremeceu e o chão aos pés da criatura se rompeu em uma explosão, ocasionando um vasto incêndio no local.
- Criatura petulante! Estaria viva se tivesse me deixado ir. – Alyssa se preparou para continuar, mas seu coração disparou e o folego fugiu de seus pulmões. Ela conheceu a dor que há muito tempo não sentia e desviando seus olhos até seu estômago, viu uma adaga encravada. – Só pode ser brincadeira... É impossível! – Enfraquecida desabou de joelhos na terra, com sua vista turva pôde ver que o monstro, ainda vivo e próximo dela, preparava o ataque final.
- E tudo o que eu queria era uma noite boa de sono. Eu sei que deseja minha vida, mas não sou uma mulher fácil. Se tiver coragem venha me buscar. – Com o último de seu esforço ela conseguiu usar sua translocação, e ao envolver seu corpo em uma luminosidade, desapareceu junto a luz. Sem ter para onde ir e desesperada, se refugiou nas terras de Mandrara. Sabia que não poderia tratar seus ferimentos em Elsinor, a sua terra natal, fazendo dessa a sua derradeira opção. Contudo, seus olhos arrebatados se abriram com o que viram, ao se aproximar daquele que seria o temoroso reino de Mandrara.
Ela se colocou de pé para obter uma melhor visão.
- Isso não é bom. – Abismada, Alyssa assistia a poderosa Mandrara arder em chamas junto a suas construções, tendo seus imensos muros devastados e um cheiro de podre no ar.
- O que eu faço? Preciso avisar ele... Céus, não pensei que voltaria para lá tão cedo. – Alyssa estancou o ferimento usando de sua magia, e conjurou outra vez a translocação.
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Três corações
FantasyRaydric é o jovem promissor do reino de Elsinor e vive acompanhado de um garoto, vestido de um manto esbranquiçado. Aclamado campeão de seu reino por suas inúmeras conquistas, ele defende as terras do rei com unhas e dentes, mas quando os tempos com...