Uma sucinta despedida

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Os cantos dos pássaros anunciavam o amanhecer. Eles fitavam através de uma janela entreaberta do castelo, no andar mais alto, o poderoso, ou talvez nem tanto neste momento, Raydric, vergonhosamente jogado acima de seus lençóis, sofrendo de delírios do dia anterior. Acordou com uma forte dor de cabeça, a sentia pesada, levou a mão até a testa tentando estabilizar sua embaraçada visão, além disso, abria e fechava seus olhos cansados e avermelhados repetidas vezes, porque sabia ter exagerado na dose graças a Hanson. Escutou batidas na porta, em seguida Fornand entrou por ela, trazendo uma xícara e um bule de chá, sobre uma bandeja cor de prata.

- Eu estive esperando que acordasse. - Disse o servindo. - Beba, fará a enxaqueca sumir. Raydric se acomodou na cama, segurando o copo com as mãos.

- E eu na esperança de que fosse uma linda mulher a me visitar. - Colocando o copo entre seus lábios, experimentou de seu amargo chá, mas Fornand, incomodado, abrumou o olhar.

- Mestre, não acredito existir uma mulher que aguente você e suas bebedeiras! - Irritado, removeu das mãos dele o copo já vazio, o preenchendo de chá outra vez, até completar e propositalmente, derramar na cama. Raydric parou de sorrir, fechou os olhos e ergueu o copo para beber de mais um pouco, até disfarçadamente abrir um deles.

- Não precisa ficar tão sério, eu sei que você está certo, não é a primeira vez que salva minha vida. Eu duvido que tivesse forças para sobreviver a essa ressaca se não por você. - Ele voltou a beber, até avaliar os olhos famintos do escudeiro. - Não é possível, diga, já tomou seu café?

- Eu avisei. - Respondeu, com a face emburrada. - Eu estava esperando que acordasse. Aliás, não tenho tanta fome quanto você. - Justificou, desconsiderando os sons de seu estômago. Raydric levou a mão até a testa, desacreditado na inocência do menino.

- Venha, não deixarei que morra de fome no meu quarto, seria ruim para a minha reputação. - Os olhos do escudeiro cintilaram em felicidade. Juntos eles desceram a escadaria para aproveitar de suas refeições e com o término do café da manhã, Raydric foi usufruir de seu banho, evidentemente não tão admirável quanto o do príncipe Stefan, mas para ele era o suficiente. Por outro lado, Fornand se manteve estudando a agenda do dia a dia, porque também fazia parte de suas funções: lembrar, relembrar e advertir seu mestre de suas tarefas cotidianas. Além disso, seu mestre o confiou um diário, o qual jamais abriu por conta de uma ordem de Raydric que usando de palavras severas, deixou explícito que em hipótese alguma deveria deixar alguém pôr as mãos no caderno, não importando quais métodos tivesse de usar para proteger esse segredo.

Se Fornand levou ou não a sério suas palavras, qual fosse o resultado, ele o protegia com sua própria vida. Terminando de rever a agenda, andou até a janela, o dia permanecia agradável, ele ficou a observar o quintal e suas flores rosadas, não existia alguém que visitasse o castelo e não se admirasse com elas. O sol brilhava vivamente, revigorando a todos em um abraço gentil. Fornand sabia que poderia se acostumar a essa vida, até porque as pessoas acreditavam que essa era sua origem, mas em suas memórias, existia a verdadeira história, em segredos bem guardados.

Caminhando até o armário de um marrom liso e claro, recuperou sua capa e a vestiu como de costume, se preparava para sair lá fora, não esquecendo de cobrir seus cabelos. Ele odiava se mostrar e nem mesmo as temperaturas elevadas o faziam mudar de ideia. Só hesitou quando pensou na chance de novamente tatearem seu capuz. Raydric deixou o banho, ornamentado por roupas casuais e dava em frente ao espelho, os últimos toques em sua gola desajustada, quando encerrou seus afazeres, olhando com o canto dos olhos para Fornand. Esse calafrio que subiu por suas espinhas era familiar, a atmosfera mudou, o vento ficou errante, mesmo a luz do sol se ocultou nas nuvens apressadas. Pela janela assistiu a desordem nos jardins, as flores a pouco vívidas e folgazes, murchavam como em um dia de outono: "Fornand", disse a seu escudeiro que imediatamente abandonou seu aspecto pacato, ao adotar um mais ofensivo.

Três coraçõesOnde histórias criam vida. Descubra agora