O retorno à capital

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Gaivotas voavam por um lindo e plácido céu azul, seus grasnos cobriam o ar em uma fina, mas desalinhada canção. Elas acompanhavam a construção de madeira que a passo abria as águas do mar, em direção ao porto, daquela que seria a maior e mais próspera cidade do continente norte, pertencente ao próximo reino a se tornar um império, a capital de Elsinor. A embarcação seguia a toda vela, o príncipe carecia da necessidade de relatar ao rei, a missão lhe concedida de estabelecer uma aliança com o país vizinho.

A bordo do maior e mais poderoso navio de guerra deste impetuoso reino, acompanhando o príncipe de dezesseis anos de idade, jazia o mais influente jovem de sua geração, que em seus poucos vinte e cinco anos de idade foi nomeado campeão de seu reino. Raydric, como era conhecido por seus companheiros, ostentava uma personalidade calma, sabia lidar com as mais diversas situações com a palma de suas mãos, ou até mesmo com a ponta de sua espada. Seus olhos acinzentados eram mais afiados que a lâmina que trazia na cintura, e em seu peito uma armadura encouraçada, lhe protegia nas centenas de batalhas que vivenciava constantemente. Ele mantinha seus cabelos pretos até um pouco abaixo da orelha, adorava um bom corte, um jovem vaidoso. Por seu excelente desempenho na academia mágica do reino, Raydric acabou por receber de sua majestade, o aclamado rei de Elsinor, Lander, o melhor, mais importante e bem pago cargo que um soldado poderia ambicionar, se tornando o guarda pessoal de seu filho e herdeiro, o príncipe Stefan.

Para ele que escolheu servir ao reino com todo seu alento, função melhor não existia, mesmo que contratempos se colocassem em seu caminho, era só estufar o peito e manter seus olhos nivelados no horizonte. Ele possuía em sua companhia o que ninguém poderia ter, um poder misterioso, não de sua origem, porque esse tinha vida e até mesmo, vontade própria. Parado no convés, Raydric contemplava a imensidão do oceano, experimentando na pele a sua fresca brisa, uma sensação da qual nunca se cansava de sentir. Seus olhos percorriam aquele azul interminável e em suas retinas se refletia o balançar das ondas. Ele aproveitava o curto momento de paz e harmonia que encontrara, sem que precisasse empunhar espadas, ou manchar suas mãos de sangue nas inúmeras batalhas como se acostumara a fazer.

Raydric estendeu as mãos a frente de seus olhos, meses se passaram desde sua formatura na academia, então as encostou no peito, sua mente perturbada se perguntava após muito pensar, se vivia conforme planejado. As vidas tiradas pesavam em sua consciência e repetia a si mesmo, "nada foi em vão". Queria, precisava acreditar nessa ideia, se concentrava, reiterava, deste modo, quando questionado teria na ponta da língua uma justificativa para as mortes que causou. Raydric sabia e tinha consciência que nada fora por satisfação pessoal, mas com um intuito muito maior, proteger o herdeiro de sua terra natal, garantindo assim, a continuação de um longo legado.

Por mais que não entendesse, este era o derradeiro futuro das pessoas que dedicavam a vida pelo reino e por seu rei. Jovens tolos e sorridentes, treinando incansavelmente enquanto orvalhos de suor escorriam de suas testas, para que em cada torneio organizado por sua majestade, pudessem agradar seus olhos encanecidos, serem notados, alimentar sua reputação pessoal, afinal, qual deles não queria ser chamado de invencível? Em um mundo corrompido, poder subir no mais alto degrau da hierarquia, se igualar aos nobres, comer de suas refeições, experimentar a vida de uma realeza? ... Um sonho cobiçado, um desejo extasiado.

Fechando os olhos, respirou fundo, preenchendo seus pulmões com aquele ar fresco, esticou seus braços para trás e contorceu seu corpo, alongando seus atrofiados músculos da longa e cansativa viagem. Direcionou seus olhos para a parte de trás do navio, observando o capitão calmamente manobrar o manche, enquanto soldados organizadamente marchavam por suas laterais a procura de suspeitas. As águas em que navegavam por mais serenas que transparecessem ser, seguiam infestadas de ladrões, propriamente ditos, piratas. Ainda que estes não fossem ingênuos a ponto de tentar pilhar um navio real, a segurança deveria ser mantida a risca, para seus soldados, piscar não era permitido, suas vidas não seriam o suficiente para pagar um arranhão que o príncipe sofresse, por este detalhe andavam muito bem treinados.

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