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Seguindo os ideais de Atena, Idylla cresceu no Santuário sob a tutela da deusa da sabedoria, porém ainda recebendo ensinamentos e cuidados das duas amazonas de prata e de Shun, pois a menina nutria grande simpatia pelo cavaleiro. E, é claro, os comentários negativos pelas costas da garota eram inevitáveis: diziam que ela estava afeiçoada ao cavaleiro de Andrômeda pelo fato deste ter sido hospedeiro de Hades e que, se não tomassem cuidado, uma nova guerra aconteceria mais cedo do que esperavam.

Mesmo o passar de dez anos não foram suficientes para que os demais enxergassem a herdeira de Hades de forma diferente. As agressões verbais e físicas, as conversas a seu respeito e as tentativas de encerrar sua vida permaneciam, sendo sempre colocadas em prática longe dos olhos de Atena. Embora a pequena se queixasse para a deusa no início, entendeu que as pessoas continuariam agindo da mesma forma: a tratariam bem na frente de Saori e, quando esta descuidasse por um instante, o desprezo estaria estampado na face dos guardas e cavaleiros do local. Por isso, a jovem já não reportava mais as condutas dos demais, pois já havia se cansado, se limitando a guardar os acontecimentos para si e se virar como podia.

Em uma tarde, a garotinha passeava por perto das doze casas como era de seu costume, já que era o local menos movimentado do Santuário. No caminho, encontrou um cão perdido e resolveu cuidar dele, visto que a pata do animal estava machucada.

Porém, era evidente que não passaria despercebida.

— Ora, ora, ora... Se não é a filha de Hades — Um dos guardas comentou para seu colega.

— Não sei como Atena permite que uma coisa dessas continue viva no Santuário. Seremos mortos um a um quando essa menina crescer.

— O que acha de evitarmos isso?

— Está louco? Se Atena descobrir...

— Ela vai nos agradecer, confie em mim.

Os dois se aproximavam sem levantar suspeitas, contudo estavam com os punhos preparados. A menina era frágil e, com um ou dois socos de ambos, seria apagada da existência rapidamente.

— Sua presença não é bem-vinda aqui, garota maldita, já deveria saber disso.

— Ele está machucado — Idylla respondeu, terminando de amarrar uma parte rasgada de seu vestido na pata do cão. — Não vou deixá-lo assim.

Os guardas se entreolharam e o mais forte pegou a pequena pela garganta, apertando o suficiente para vê-la se desesperar e não conseguir falar. À medida que ela sentia o ar lhe faltando e a visão ficando turva, por um instante desistiu de lutar pela vida, porém uma voz ressoou no fundo de sua consciência:

Você é muito superior a esses humanos, Idylla. Faça com que eles se arrependam pela ousadia de te tocar. Ouça-os lamentarem por afrontarem a filha de Hades.

O corpo da menor, pela primeira vez desde quando bebê, ficou envolto pelo cosmo escarlate e seus olhos logo ficaram no mesmo tom.

— Mas o que...

Idylla encarou o guarda que estava assistindo tudo e, tanto para sua surpresa quanto para os outros dois, o homem foi atirado para longe pela energia que emanava da criança.

— Você estava quase morta! Isso é ridículo!

— Nunca mais... — A pequena começou a falar, com um pouco de dificuldade — Toque em mim.

Algo nela começou a encher o coração do rapaz com um sentimento incômodo e parecia aumentar a cada segundo. As pernas e braços tremiam, sem contar o arrepio que lhe percorreu a espinha quando a menina conseguiu se recompor. Por um instante o guarda, sentiu seu corpo pesar o dobro e quase caiu de joelhos, contudo ainda lhe restou forças para reagir e se afastar até onde o colega fora arremessado.

— Demônio! — Ambos gritaram. — Você vai matar todos nós!

— O que está acontecendo aqui?

Shun apareceu naquele instante, ficando sem respostas. Dessa forma, tratou de acudir Idylla, que recebia um olhar preocupado do cãozinho enquanto abraçava o próprio corpo. O cosmo escarlate continuava ao seu redor, porém era menos imponente do que antes.

— Idylla...

— Estou bem, Shun.

— Não, não está. — O cavaleiro pegou a menina nos braços — Sabe que não pode andar sozinha por aí em um lugar pouco movimentado assim, é perigoso.

— Me desculpe...

— A culpa é deles. Venha, Saori pode cuidar desses hematomas.

A menina protestou e tentou sair do colo do rapaz, mas de nada adiantou. Em minutos, estavam no Templo de Atena.

— Outra vez? — A mulher perguntou ao notar as marcas no pescoço da criança.

— É o que parece — respondeu ele, colocando Idylla no chão. — Saori, isso não pode ficar assim.

— Shun, todos precisam entender por conta própria que Idylla não é uma ameaça para nós. E ela não tem culpa de... Bem, você sabe.

— Não tenho culpa de que, Saori?

— Não é nada, Idylla.

— Você sempre me disse que mentir era uma coisa feia.

A deusa lançou um breve olhar para o cavaleiro e este assentiu como forma de encorajar a mulher a contar a verdade de uma vez.

— Esconder isso vai ser perda de tempo, Saori. Até porque, quando cheguei, Idylla estava envolvida pelo cosmo.

— Isso é verdade, Idylla? — Atena perguntou.

— Tinha uma luz vermelha em volta de mim sim — A pequena confirmou. — E ouvi uma voz... ela dizia para eu fazer os guardas se arrependerem de tocar na filha de Hades.

— E essa voz tem razão — Saori respondeu, desviando o olhar para o chão. — Seu pai é Hades, o deus do Mundo dos Mortos.

— Aquele que todo mundo tem medo? — Idylla se lembrava bem do que aprendera sobre os deuses.

— Temo dizer que sim — Shun concordou e então olhou para a mulher de cabelos arroxeados. — Acho que vou deixar vocês duas a sós.

Atena assentiu. Quando o cavaleiro deixou o templo, a deusa se abaixou até estar na altura de Idylla e respirou fundo.

— Idylla, fale comigo.

— Então todo mundo me trata mal por causa dele?

— Hades tinha seus próprios ideais... porém eram complicados demais para serem aceitos pelos outros.

— E quais eram os ideais dele?

— Isso é assunto para outro dia. Bom, que tal cuidarmos desses hematomas? Depois vou te levar até um lugar.

— Que lugar é esse?

— É uma surpresa.

A menina esperou pacientemente pelo cosmo de Atena curar suas feridas e então foram para um lugar além do templo, que era uma espécie de altar a céu aberto com as estátuas dos Três Grandes.

— Esse é Hades. — Saori apontou para a primeira estátua à esquerda.

Idylla se aproximou a passos cuidadosos, sem deixar de estudar cada detalhe da escultura. Seus olhos marejaram e algumas lágrimas escaparam assim que tocou na mão direita da estátua, que carregava uma espada. Seu cosmo se elevou automaticamente naquele instante, trazendo desconforto para Atena e uma parcela de segurança para a pequena.

Não chore, Idylla. Desperte e me ajude a voltar. A mesma voz tornou a aparecer.

Quem é você?  A menina manteve a pergunta em forma de pensamento. Por que está aparecendo só agora?

Sei o momento certo de intervir, Idylla. Jamais permitiria que tirassem sua vida. E meu nome é Hades. Isso te faz lembrar de algo?

— Papai...

Atena ouviu o murmúrio da garotinha, mas para ela aquilo seria de se esperar. Era apenas a reação de uma criança ao ter alguma noção de como o pai se parece, nada demais. 

Herdeira do EclipseOnde histórias criam vida. Descubra agora