| II |

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— Saori.

— Sim, Idylla?

— Posso vir até aqui outras vezes?

— Bom, acho que não tenho motivos para te impedir.

Idylla agradeceu mais uma vez e então se retirou, caminhando pelo Santuário em uma tentativa de se distrair do ocorrido há pouco, porém ainda assim cuidado para não ir muito longe do templo pelo receio de encontrar outros ou até mesmo os guardas de antes.

Idylla, você gosta de flores? A voz de Hades ecoou na mente da menina outra vez.

Sim. Ela respondeu em pensamento.

Enquanto estive vagando até te alcançar, vi um lugar muito bonito perto daqui e que ninguém vai. Gostaria de ir até lá?

Claro!

A voz guiou a garotinha por um atalho que ficava escondido próximo ao templo. Idylla seguiu por uma escadaria estreitas até chegar a um campo com diversas flores e um pequeno riacho que corria calmamente. Os olhos da pequena se iluminaram ao ver aquele lugar e um sentimento de familiaridade a dominou. Tinha a impressão de já ter visto algo parecido, porém não conseguia se lembrar de onde.

— É tão bonito! — A menina de olhos azuis respondeu em voz alta, pois ninguém além da voz a escutaria.

Que bom que gostou.

Ela caminhou até o riacho e ficou sentada na margem, observando o próprio reflexo e notando estar envolta pelo cosmo escarlate novamente. 

— Você é meu pai mesmo?

Ainda não acredita?

— É que você nunca apareceu antes... e a Saori me disse que você e a mamãe tinham morrido.

É verdade que não tenho um corpo, mas é impossível destruir a alma de um deus. E nunca apareci antes porque você tem que aprender a ser forte, Idylla. Se eu interferisse a todo instante, isso atrapalharia seu desenvolvimento. Por ser minha filha, quero vê-la com todo seu poder. Hades lhe respondeu calmamente. 

Está vendo esse brilho vermelho ao seu redor? Idylla assentiu e ele prosseguiu: isso é um cosmo, o responsável por lhe conceder poder e que veio de mim.

— O que quer dizer?

Por ser minha filha, seu cosmo inevitavelmente se pareceria com o meu e seria uma extensão dele, por isso consegui te encontrar. Além do mais, isso te garante a conexão com o lugar onde você realmente pertence, não importa onde esteja e nem as circunstâncias.

A menina não entendia muito bem o significado daquilo, mas acreditou na voz e que aquele homem era seu pai. O Imperador do Submundo, sabendo que ainda era cedo demais para sua filha assimilar toda a informação, decidiu encerrar a conversa ali e permaneceu em silêncio por um momento.

— Mas e a mamãe? Ela... morreu mesmo?

Também não, minha filha. Por ser uma deusa, Perséfone não pode ter a alma destruída. Ela está adormecida no momento, mas despertará em um momento oportuno.

Ao ver sua herdeira assentir e continuar em silêncio, ele resolveu mudar o assunto da conversa:

Idylla, por acaso já usou seu poder antes?

— Não. Só hoje, quando você apareceu.

Então vou te ensinar algumas coisas para que possa se defender. Está vendo aquela pedrinha? A menor assentiu. Se concentre e faça com que ela saia do chão.

Idylla obedeceu, vendo o brilho ao seu redor aumentar e, por consequência, fazendo a pedra levitar, assim como havia feito sem querer com o guarda. Hades então continuou instruindo-a até que ela, por conta própria, conseguisse controlar e jogar outras três pedras no riacho.

Quando ia tentar mais uma vez, tomada pela empolgação de ter aprendido algo novo, a pequena cai sentada, sentindo tonturas por um instante.

Por hoje já chega, Idylla. Você ainda é muito jovem para ficar usando o cosmo por tanto tempo. Quando crescer, poderá fazer isso o quanto desejar.

— Tudo bem... papai. — Um sorriso se formou naquele rostinho ao usar uma palavra que jamais imaginou dizer.

Tem uma coisa que eu gostaria de  pedir: não conte a ninguém que posso falar com você. Do contrário, vão tentar te impedir de conversar comigo e de vir até essa campina.

— Não vou falar para ninguém, prometo!

O silêncio passou a predominar e a menor ficou por ali até o sol começar a desaparecer, indo para casa em seguida. Desde os cinco anos ela quis ficar por vontade própria com Marin, por isso vivia em sua casa nas proximidades do santuário.

— Olá, Idylla — A amazona de água saudou. — Fiquei sabendo do que aconteceu com os guardas hoje.

— Está tudo bem, Marin. A Saori cuidou os meus machucados e me contou uma coisa.

— Mesmo? E é uma coisa boa?

— Sim! Eu sei quem é o meu pai!

Marin ficou estática perto da mesa, com os pratos de sopa nas mãos. Estava sem a máscara, pois não havia motivo para usá-la em casa, e encarava a menor fixamente.

— Tem certeza, Idylla?

— Claro! Saori disse que meu pai é Hades. Até me deixou ver uma estátua dele.

A amazona engoliu em seco e tentou dar um sorriso, sem muito sucesso.

— E você está feliz com isso?

— Acho que sim. Quer dizer... ele era tão malvado como os outros dizem?

— Hades tinha sua própria maneira de ver o mundo...

— A Saori disse quase a mesma coisa. — Idylla sentou-se à mesa e suspirou — Mas não sinto que ele seja ruim.

A outra não respondeu, apenas se perdeu em pensamentos. É claro que a jovenzinha não pensaria que o pai era ruim, mas também não poderia contar a verdade toda para uma criança. Ela não entenderia nada e, além do mais, Hades fora destruído, que mal ele poderia causar?

Herdeira do EclipseOnde histórias criam vida. Descubra agora