Capítulo Quarenta e Três

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A ardência em meus olhos fazem gemidos ácidos automaticamente saírem de minha garganta, meu corpo fraco sob o chão gélido se move como reflexo sem meu comando fazendo a dor por toda sua extensão ser notada.
Minha cabeça, minhas mãos amarradas fortemente, minhas pernas, a facada em meu peito; dói, tudo dói.
O gosto metálico de sangue em minha boca, provocando uma tosse avermelhada sair da mesma. É aí que noto o cheiro azedo.

Vozes ao fundo soam como murmurinhos a distância, as falas são rápidas e mal compreendidas por mim ou talvez apenas para meu raciocínio no momento.

A dor insuportável se instala quando tento novamente - sem sucesso - me mover. Grito, grito pela agonia totalmente presente, pelos machucados, pela brutalidade usada contra mim, pelo ódio.

A necessidade de reagir me toma pela segunda vez ao ver se aproximar o causador do meu sofrimento.
Suas mãos ainda estão cobertas pelo meu sangue, sua cara nojenta esbanja prazer ao me ver contorcendo ao chão, aos seus pés. Seu sorriso estragado é aberto quando seu rosto é aproximado do meu.
Seu bafo pobre me causa ânsia de vômito, suas frases ditas são incompreendidas, totalmente sem sentido.
Sua mão esquerda ousa me tocar novamente, deslizando sob meu quadril.
Berro para que ele tire sua mão de mim, que se afaste, que não me toque e nem me machuque. Soluços acompanham minha súplica raivosa, mas tudo que ele faz é rir.

As lágrimas preenchem meus olhos embaçando minhas vistas e aliviando a ardência. Sou fraca, não sei quanto tempo mais ei de suportar tanta humilhação, tanta tortura. Imploro para que tudo acabe, seja com a minha morte ou salvação, só quero que acabe, que tenha um ponto final em todo esse sofrimento.

A culpa é minha, eu entrei nisso e sou eu quem tem que sair mesmo não tendo força. O rosto de Leonardo invade meus pensamentos, ele se importa com o que pode estar acontecendo comigo? Ele está me procurando, alegando me amar?

Isso também dói.
A incerteza, a dúvida.

Grito outra vez ao sentir o homem abaixado ao meu lado apertando o ferimento em meu peito com força, sem total gentileza. Inclino minha cabeça para trás e pressiono meus olhos a se fecharem para tentar me livrar do formigamento agoniante.

_Que merda vocês estão fazendo? -A voz de tom alto soa preocupada. - Não disseram que não a machucaria?

Mantenho meus olhos fechados, respirando incontrolavelmente, sentindo a dor pulsar por todo meu corpo.

Mãos firmes me levantam do chão frio, pressiono minha mandíbula para não gritar e espernear novamente. Um calor quente me rodeia, o conforto me atinge e eu tento abrir meus olhos fracassadamente.
O barulho de portas pesadas rangendo chegam aos meus ouvidos. Segundos depois sou colocada delicadamente sob um colchão não tão macio.
Tremores musculares sobressaltados fazem meus dentes se baterem.

_Você não parece estar nada bem. Mais que porra! - Seu timbre agitado engata perfeitamente com a sua respiração pesada.

Sou incapaz de imaginar quem é que seja ou o por quê de tanta importância quanto a mim.

_Vai dar tudo certo, vou te tirar dessa já que eu a coloquei.

Seu sussurro é quase impossível de ouvir.

Como é que é?

Dolorosamente obrigo meus olhos a se abrirem rapidamente para observar o homem sentado a beira do colchão fino de costas para mim, com sua cabeça entre as mãos apoiadas pelos cotovelos em seus joelhos. Seus ombros largos estão tensos, seu pé bate contra o piso em ansiedade e nervosismo.
Eu o conheço.
É claro que o conheço.

Filho da mãe, desgraçado, miserável, desprezível!
Nojento fingido!

Em qual nível de psicopatia devemos colocar ao pódio alguém que entra na sua vida de forma estranha, mas amigável, diz ser uma coisa quando é outra e do dia pra noite você descobre ser o causador do seu inferno improvisado com antecedência?
Poderia até ser o Papa, o Presidente de Nauru ou qualquer outra pessoa, menos ele, pelo menos não pela minha consciência.

Ele me encara. Seu semblante impassível, insuscetível, mas seu olhar o traí, demonstram espavorimento, arrependimento, medo.

Abro a boca na tentativa fracassada de o xingar conforme minha mente manda. Mas ele pode ser a minha chance de sair daqui. Ou não.

Foi ele quem me sequestrou, ele é quem está ordenando tudo isso, não por minha causa, mas por Leonardo, para chamar sua atenção, destruí-lo, atraí-lo, tudo para alimentar seu ódio.

_Vou ver o que posso fazer em relação aos seu ferimentos, não saia daqui.

Não sair, bem que eu queria, essa seria uma ótima oportunidade, isso se meu corpo colaborasse, sozinha só saio daqui rastejando.
Com dificuldade extrema me ponho de pé, cambaleando paro no canto ao lado da porta pesada.  Transida de dor insuportavelmente, acabo fraquejando e deixo-me escorrer ao chão no justo momento em que Rafael entra no cômodo com uma caixa em suas mãos.

_Ia fugir? -Seus olhos em interrogação ficam sem resposta, não porque não quis responder, mas porque não consegui. -Pois bem, guarde suas forças para quando formos sair, juntos.

Ele se abaixa e abre a caixa, me mostrando três armas encobertas por panos velhos.
Por que ele quer que eu fuja de um lugar que ele me trouxe? O que se passa em sua cabeça?

Loucura.

_Não sei se conseguirei dar nem dois passos. -Digo em um fiasco de voz.

_Consegue, vou amarrar isso no seu ferimento no peito. -Ele mostra um dos panos velhos. -E isso no seu braço.

Não respondo, apenas deixo que ele faça o que disse, sem nem pestejar.
Rafael pode estar me metendo em uma enrascada ainda maior, pode ser uma emboscada, posso estar sendo testada, mas não morrerei sem tentar.

Foda-se tudo.

Rafael me ajuda a levantar após ter amarrado os panos até minha alma.

_É o seguinte, você sabe usar uma arma?

_Sei, mas vou usar duas, você fica com uma.

_Sou eu quem está no comando Isabella, eu estou salvando você..

_De um lugar que foi você quem me colocou. -O interrompo com desdém.

Ele se cala, me olha com curiosidade e me entrega duas das armas, checo se estão carregadas e suspiro aliviada por ter balas suficientes.

_Não duvide de mim, apenas me siga, estamos perto da saída, mas são muitos os homens de Salvatore.

_Quem diabos é Salvatore?

_Meu irmão, mas isso não vem ao caso agora. O plano é simples, me siga, seja rápida e atire em qualquer um que aparecer, menos em mim, se eu cair, você continua.

Confirmo com a cabeça, não concordando em atirar nele quando sairmos daqui.

Dentro não, fora sim.

_Por quê quer me tirar daqui?

_Não é hora para explicações. Você quer continuar com toda essa tortura?

_Não quero, mas não sabemos o que vai acontecer lá fora, não quero morrer sem ter explicações. - Dou ênfase na palavra utilizada por ele.

Ele revira os olhos e abaixa a cabeça.

_Eu sempre estive ao lado do meu irmão nesse plano, mas não concordei com tudo que ele está fazendo com você, afinal você não merece passar por isso. Não sou o monstro que Salvatore é. E isso está pesando na minha consciência. Agora, vamos logo.

Devo confiar assim facilmente?

_Tá, tá. É, eu estou pronta.

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