Capítulo Quarenta e Seis

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Não podemos prever a vitória, a derrota, o fracasso, a felicidade, o amor, as tragédias, as incertezas, as ambições que aparecem com o tempo, as decisões que podem mudar a sua vida da água para o vinho, o padecer da terra recaindo sobre nossas cabeças. Não podemos prever nada.

Quão mais fácil seria se fosse nos dado a história completa assim que saíssemos do útero. Um livro recheado de páginas informativas, nos explicando de onde viemos, pra onde iríamos, qual caminho devemos tomar, em quem confiar, quem devemos amar. Poderíamos até evitar sofrer a dor da perda, a morte de quem amamos.

Isso sim seria algo útil.

Mas talvez desta forma, não existisse pessoas vividas que passam por incontáveis absurdos para ser a pessoa forte e determinada que é. Seria somente um mundo lotado de gente que recebe tudo de bandeja, sem saber o que é lutar pelas suas conquistas e se orgulhar quando o tão desejado troféu lhe for entregue em mãos por sua própria força de vontade. Ouvir a frase "foi você que fez isso acontecer, isso tudo é graças a você, esse mérito é seu."

O caminho fácil ou difícil?

Fácil por favor.

Novamente eu acordava em um quarto de hospital. A coisa que mais me aconteceu dentre esses últimos anos. E olha que eu odiava hospitais.

Mais calma e cansada, sentia ainda os remédios correndo pelo meu sangue, a dor estava estabilizada.
Com uma analisada pelo quarto derramado em cores neutras e luz baixa, eu encontrei o que procurava.

O pai ansioso e preocupado encarava a caixa transparente a poucos centímetros quase entrando dentro dela.

Azul veio ao mundo em um parto prematuro devido a complicações com a ruptura prematura da bolsa amniótica. Foram momentos de tensão quando cheguei ao hospital e fui diretamente levada a sala de cirurgia. Não fazia a menor ideia do que se passava e aquilo só piorou a situação me causando estresse e descontrole.

Dentro da incubadora um pequenino ser jazia em seu sono profundo. A coisinha mais linda que já tinha visto.

_Ele não é lindo? Fui eu que fiz. -Sussurei chamando a atenção de Leonardo.

Seus olhos arroxeados denunciava que foram muitas horas de choro e exaustão. Ao me encarar e notar que eu estava acordada, senti seu olhar distante mesmo que sem querer. Meu homem estava despedaçado, desolado e aquilo me doeu. Me doeu perceber que mais uma luta estava por vir. Contra ele mesmo, contra a culpa que ele estava sentindo, o ódio, o temor, medo, angústia.

Ah aqueles olhos transpareciam tantas emoções ruins. Havia algo sombrio sob seus ombros. Eu via e não desejava que estivesse ali.

_Ele é perfeito.

Ele se levantou e caminhou a curtos passos até mim e quando encostou ao meu lado, uma lágrima involuntária surgiu no canto de seus olhos.

Sua mão se ergueu e fez um leve carinho no topo da minha cabeça.

_Esta tudo bem. Tá tudo bem agora. - Murmurei para tentar acalma-lo sem sucesso.

Eu sabia que não seria tão fácil fazê-lo esquecer as coisas ruins que ele passou, que nós passamos.
Esquecer que quase perdeu o que lhe era mais importante na vida. A maior benção que lhe foi concebida e quase retirada.

Vendo-o tão inofensivo ali diante de mim, naquele instante, senti necessidade de abraça-lo, conforta-lo, e assim eu fiz.

O senti tremer eu meus braços, sua respiração afobada pelo pranto que veio a seguir. Meu peito se apertou e meu choro se misturou com o seu silenciosamente.

Ainda estávamos juntos, independentemente das intenções de terceiros em nos separar, suas tentativas foram inúteis, porque nós ainda estamos juntos.

Ele levantou seu rosto a poucos centímetros do meu, encarou meus olhos molhados com os seus. O tom cinza não lhes pertencia, mas estava presente, escuros e monstruosos, eu senti medo por ele.

_Quase perdi você.

Sussurrou enquanto seu polegar se arrastava por minhas bochechas secando o quê lhes molhava.
Fiz o mesmo e lhe dei um pequeno sorriso.

_Quantas vezes já te prometi que não o deixarei? Eu sempre cumpro minhas promessas.

Depositei um curto beijo em seus lábios secos, que se curvaram em resposta.

Eu nunca tinha vivido um amor como aquele. Me sentia feliz quando ele estava feliz, sorria quando ele sorria, me alegrava com a alegria dele, tive rancor das pessoas que ele guardava rancor, chorava quando ele chorava ou tentava disfarçar para que eu não visse o quão quebrado ele era, me doía quando era ele quem estava machucado, tive medo quando foi ele quem teve.

Assim como naquele instante eu soube que seu medo não era maior que seu ódio, tive o mesmo sentimento. Mas não pelo mesmo caminho.

Leonardo estava com ódio de Salvatore pelo medo que ele o fez sentir. Um ódio tão imenso que não era comparado a nenhuma das outras vezes, a nenhum dos outros motivos que Salvatore lhe tinha dado para odiá-lo. Sua paciência avia se esgotado.

E como Leonardo, eu odiei Salvatore pelo que estava fazendo com minha família. Quase matando meu filho e agora matando por dentro meu marido, que eu sabia que não desistiria de ter sua vingança, ter seus ossos triturados, seus membros decapitados e arrancados de seu corpo com tamanha brutalidade, ele iria caça-lo até no inferno, na proteção do diabo. Naquele ponto até o pior dos nossos inimigos seriam nossos aliados.

Mas meu medo competia com meu ódio.

Estava com medo de que tantos sentimentos ruins nos levassem a um beco sem saída, a um fim não tão agradável, que deixasse meu pequeno príncipe sem o seu maior exemplo, seu rei. E aquilo eu não poderia permitir, porque assim como meu filho não poderia viver sem seu pai, eu não poderia me manter de pé sem o amor da minha vida. Eu não seria capaz de me reerguer daquela vez, não sem ele ao meu lado.

Nós éramos uma família, e eu precisava dele, nós precisávamos.

Eu não deixaria que Salvatore nos destruísse daquela forma tão cruel. Ele não merecia essa vitória não tendo nem escrúpulos para nos enfrentar de frente.

Agora não teria mais tempo para uma bandeira branca.

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