Capítulo Trinta e Três

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Estava frio, mesmo eu estando coberta e aquecida pela lareira a minha esquerda.
O silêncio do ambiente era reconfortante, mesmo eu não estando sozinha.
Meu olhar era direcionado ao chão, sob a luz fraca do fogo e da enorme janela, dando vista a escuridão da noite.

Por mais que eu tentasse, meus pensamentos sempre se voltavam a minha maldita discussão com Leonardo, mesmo eu tentando afastar essa lembrança, suas palavras ainda ecoavão em minha mente, seu rosto inexpressivo ainda me assombrava.

_Você deveria tentar dormir um pouco.

A voz baixa de meu irmão vibra em meu ouvidos, enquanto o mesmo afaga meus cabelos sobre seu colo, onde era meu porto seguro.

O colo do meu irmão era e sempre vai ser meu refúgio, o lugar que eu me sinto completamente segura, mesmo sabendo que não estava.

Independente de nossas brigas ou desentendimentos, ele sempre estava ali, para mim, não importando a hora nem o momento. Ele sempre dava um jeito de me aconchegar em seus braços e dizer que tudo irá ficar bem, mesmo ele não tendo certeza de sua afirmação.

Quando nossos pais morreram, fomos acolhidos pela antiga diretora do colégio de Donato. Ela nos recebeu muito bem, mas seu marido não gostava muito da ideia de adotar crianças. Eles já não eram um casal jovem, mas ainda tinham a esperança de ter um filho só deles.

Quando fomos adotados, Donato tinha 12 anos e eu 6 anos. Apesar de sermos muito bem tratados pela senhora, Donato sempre me dizia que um dia iria conseguir um emprego e juntaria dinheiro para que quando ele atingisse seus 18 anos, pudesse pedir minha guarda para ir morar com ele, e assim foi.

Aos seus 15 anos, ele conseguiu seu primeiro emprego e quando fez 19 conseguiu comprar uma casa simples com o dinheiro do testamento que nosso pai deixou, que incluía a empresa Florantines.

Donato honrou sua promessa e me levou para morar com ele, quando conseguiu minha guarda. Desde então fomos só eu e ele, ele e eu.
Nunca teria palavras suficientes para agradecer o que meu irmão fez por mim e não sei se conseguiria retribuir, talvez um dia.

Quando eu completei 18 anos, consegui passar em uma faculdade federal de jornalismo e recebi total apoio de Donato, porque o sonho dele sempre foi querer fazer uma faculdade, mas não quis seguir adiante, achando que cuidar da empresa da família nos renderia mais lucros, o que foi um desastre, já que Donato não sabia como comandar uma empresa e mesmo eu me oferecendo para lhe ajudar nas decisões, ele recusou dizendo que sabia o que estava fazendo e não precisava de minha ajuda e nem opinião.

Não demorou muito e a empresa faliu, com isso Donato por se sentir culpado pela destruição do nosso legado, se viciou em heroína.
Por dois anos, vi a única pessoa que me restou se arruinando e eu não podendo fazer nada, me senti inútil por só conseguir pedir à ele que parasse e olhar toda aquela situação de braços atados.
O pior sentimento que existe é ver quem você ama no fundo do poço, sem ter a certeza se no dia seguinte ainda iria encontrá-lo com vida.

Em um ano tentei convencer Donato a se internar numa clínica de recuperação para dependentes de heroína e no ano seguinte sem a sua permissão eu o internei.
Todos os dias eu o visitava, sendo recebida pelo seu ódio estampado em sua face. Donato me dizia todos os dias que eu era a culpada por tê-lo impedido de viver como queria, me chamando de egoísta por só pensar em mim.

Sim, eu estava sendo egoísta por não querer perde-lô e ficar sozinha sem o amor da minha família, mas eu também estava pensando nele, em como ele estava destruindo seu futuro, sua vida e se matando pouco a pouco. Ele estava sofrendo e eu não podia continuar fingido que não me importava.

Um ano foi o suficiente para Donato se recuperar, e mesmo eu sendo a última pessoa que ele queria ter por perto eu não me afastei dele nem um minuto sequer depois de sua liberação, mas não éramos mais unidos como antes, ele sentia ódio de mim por tê-lo internado e eu sentia raiva dele por ter se entregador tão fácil ao fim da vida.

Desde então nós nos afastamos só o suficiente para evitar nossas brigas constantes, mas sempre que um precisava do outro as diferenças eram totalmente esquecidas e nos lembravámos do quanto nos amamos.

E cá estou, deitada no colo do meu irmão, em sua casa que frequento com raridade, recebendo o carinho e amor do mesmo.

Isso é tão bom, tão agradável que eu poderia ficar aqui para sempre e desistir de toda a raiva que tenho por Donato, mas isso não depende só de mim, infelizmente.

_Não sei se conseguirei dormir. As palavras dele ainda estão martelando em minha mente. -Digo em sussurros com vergonha de tudo o que contei a Donato.

Eu contei.
Contei absolutamente tudo.
Não conseguia mais guardar esse segredo e me corroer sozinha sem argumentos e sem apoio.
Contei do contrato, das minhas pesquisas, da nossa briga e dos meus sentimentos.

Meu irmão não me julgou, mas riu da minha coragem e pela experiência de conviver com alguém como Leonardo.
Ele me abraçou, disse que me apoiaria em qualquer decisão e que não sairia do meu lado não se importando com quem fosse que tentasse nos separar.

Donato superou minhas expectativas, não achei que essa seria sua reação e fico grata por não termos começado uma briga.

_Vem, vou colocar você para dormir, igual fazia antigamente. -Ele se levanta e me pega em seus braços.

Eu apenas apoio minha cabeça em seu ombro e aprecio a memória que me surge.
Donato me leva para o quarto de visitas e me ajeita na cama, me embalando com o cobertor.

_Eu sei que eu fui um verdadeiro babaca nos últimos seis anos e que você tem razão por ter raiva de mim, mas queria te falar que eu te amo e que sou muito agradecido pela decisão que tomou para me ajudar.
Obrigado por ter cuidado de mim, irmãzinha.

Meus olhos se enchem de lágrimas e eu não consigo contê-las, sentindo as mesmas molharem minha bochecha.

_Eu te amo e eu não sinto raiva pelas drogas, bom, por um tempo até foi, mas real motivo se tornou por termos nos afastado tanto. Eu sinto muito a sua falta.

_Eu também. -Ele se aproxima e me abraça de lado me fazendo apoiar minha cabeça em seu peito, podendo ouvir cada batida de seu coração.

Aquele com certeza era o meu lugar favorito.

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