Capítulo Dois

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"Mas só fui a notar anos depois."

"E quando tudo isso começou?" Foi a voz de um homem alto a me questionar.

Eu poderia ter dizer que dia da semana é hoje mas ... eu não sei. Suponho que seja quarta-feira, talvez duas horas ou mais. Novamente, eu não sei.

O tempo em que obrigado em sua sala branca era grande de forma que eu já nem mais sabia que dia era, que hora era, se o tempo lá fora era mais sol ou chuva. Eu não sabia de nada, não respondia nada, não perguntava nada. Apenas permanecia sentada em um sofá marrom confortável, olhando fixamente cada um dos títulos que a parede atrás do homem exibia.

Nem mesmo para ele eu olhava.

Ele por outro lado era bem paciente. Eu sempre tentava admitir ao máximo tudo para mim mesma e isso era uma verdade que nunca se alterava. Porém era perceptível que ele já estava cansado de esperar por respostas. Imagine que você está lendo um livro, só que na metade do livro em diante só tem páginas brancas - completamente brancas -, sem nenhum resíduo de tinta. Imaginou? Pois bem, esta sou eu.

Ele sabe meu nome.

Ele sabe minha idade.

Ele sabe minha altura.

Ele sabe minha cor.

Mas ele não sabe quem eu sou. Não sabe o que eu penso. Não sabe quem de fato é ela .

Meus pais haviam dado a ele as informações básicas para preencher o início do livro, contudo era isso que eles sabiam. Não há como fornecer mais do que você tem ou sabe, não é mesmo?

Mas ao que se mostrou, ele estava cansado de esperar. Normalmente ele tentava perguntar algo e quando via que eu não respondia apenas ficava calado me encarando. Uma vez que isso é espécie de psicologia, só que usada com pessoas que mentem. De qualquer forma não sei se ele faz isso de propósito ou porque eu o colocava nessa situação.

" Vamos fazer um jogo, okay ?" Sua voz soou novamente e eu cheguei a me surpreender, até mesmo o encarei - Deveria ser a primeira vez no dia que fazer isso. " Eu fui criado pelos meus avós. Sua vez. "

Ele me encarou esperando que eu continuasse o jogo, deveria estar de fato desesperado para cumprir seu trabalho. Ou quem sabe ... somente me conhecer. Eu deveria jogar? Parece que não tem perguntas ... É o que a pessoa quer responder ... mas não sei. Porque não? Pode ser legal.

" Fui criada pelos meus ... tutores. " Minha voz estava rouca, minha garganta arranhava e implorava por água. Contudo o que eu prestei atenção não foi isso e sim a expressão no rosto dele. Lá estava, uma expressão que eu mais odiava, uma expressão que você era obrigada a responder. Por que seres humanos não aceitam somente aquilo que a gente quer dizer? Por que temos que dar um livro / manual de instruções nosso para cada ser que vai se aproximar? Por que não podemos simplesmente ocultar algumas coisas desnecessárias? " Meus ... pais ... adotivos. " Minha voz soou ainda mais arrastada e beirou até mesmo o rude, respirei fundo. Não era minha culpa. Não era.

" Estou aqui porque gosto de ajudar as pessoas. " Ah, belo ponto jovem psicólogo. Mudou de assunto quando viu minha melhor carranca irritada, posso saber por que não fez isso há alguns segundos atrás?

Mas mesmo irritada eu continuei com o jogo e determinado dia, acabei descobrindo nele uma pessoa legal. O jogo continuava durante horas e já que eu era a última cliente do dia podíamos  facilmente ignorar o horário na parede e o sol se pondo no horizonte que se mostrava através da ventana.

Lembro que quando saí no primeiro dia de nosso jogo, visualizei - talvez por a primeira vez - um breve sorriso vindo dele. E eu cheguei a retribuir um bem estranho ou pelo menos parecia estranho em minha cabeça mas ele elogiou. Talvez só estava sendo simpático, eu não sei.

Acho que a parte mais importante foi a que: eu havia falado, pela primeira vez.

Nosso jogo se tornará uma estratégia para conseguir começar a me desvendar e aos poucos ele descobriu sobre minha vida e a razão por que eu estava ali. Eu ainda possuía muita dificuldade em falar algumas coisas mas ele era intuitivo, percebia quando eu estava no limite e voltava atrás, reformulando a questão ou simplesmente a deixando de lado.

Ele era extremamente intuitivo e cuidadoso comigo, afinal já sabia o quão delicado o assunto era para se lidar. Contudo independente de qualquer situação, todos os dias eu chegava, me sentava após o cumprimentar e jogávamos. Dia após dia eu lhe contava sobre minha infância, evitando às vezes dizer o que havia acontecido naquele dia.

Ele concordava e anotava o que eu dizia. " Apenas para cumprir as regras. " Ele me disse uma vez. Porém ... havia algo que nunca mudava, algo que estava sempre ali. Algo que vinha acompanhado de uma voz tranquila e amena, como se estivéssemos falando sobre qual o clima que estava hoje - a propósito, caso queira saber, hoje está chovendo.

" E como sua amiga está hoje ?"

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