Capítulo 2

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Como eu não tinha percebido isso de primeira foi realmente surpreendente. Se fosse em batalha e minha vida dependesse dessa adivinhação eu já estaria morto. Embora, talvez essa fosse uma espécie de execução de qualquer forma.

Calmamente engoli o chá que já estava na minha boca e pigarreei, deixando a xícara de lado.

— Mãe, acabei de chegar. Não vou visitar uma casamenteira e arranjar uma noiva.

Ela ficou pálida, depois roxa como se tivesse sido atingida por uma flecha inimiga envenenada, então começou a discursar energicamente. Qingshan debruçou-se na minha direção.

— O primo Kang vai se casar semana que vem... — comentou com um esgar — você sabe como é a rivalidade entre a mamãe e a tia Xien.

— Fico feliz por Kang. — Comentei seriamente.

— Ela não vai sossegar enquanto você não estiver bem casado também e ela poder espalhar para a cidade toda.

— Já não é mais uma novidade você ter sido o mais pontuado dos jovens a ingressarem no exército — acrescentou Ru Shi com um risinho — agora só o casamento ou salvar a China podem alimentar a fome de glórias dela.

Ao fundo minha mãe ainda falava, aparentemente para ninguém em particular.

— Você tem notícias do papai? — perguntou Qingshan, aproveitando que ninguém estava interrompendo nosso diálogo. A pergunta me deixou inquieto.

— Ele não está aqui ainda?

Eu não o via há meses o que não era de se surpreender, afinal ele era o general e comandava metade dos homens do imperador. Na última correspondência que trocamos falamos sobre nos encontrarmos em casa aproveitando o tempo de descanso que teríamos, eu teria voltado das longas viagens com o exército e ele voltaria da Cidade Imperial. Acreditávamos que ele chegaria primeiro.

— Algo deve ter feito com que se atrasasse.

Como naquele momento ainda vivíamos tempos de paz, não acreditei que de fato algo grave pudesse estar acontecendo. Minha maior preocupação era fugir da perspectiva de acompanhar minha família até a casamenteira.

Obviamente não consegui escapar.

Antes que eu conseguisse elaborar qualquer estratégia para me livrar, já estava vestido e sendo arrastado em direção à casamenteira. A mão de minha mãe firme em meu braço, sabendo que eu poderia sumir na primeira oportunidade.

O falatório da manhã tinha surtido efeito se a intenção era anunciar para a província inteira que eu estava de volta ao lar, pois vizinhos curiosos saiam nas janelas ou nas portas de suas casas, como se quisessem apenas respirar ar fresco, quando na verdade todos os olhos estavam voltados para mim. E não, não gostava de toda essa atenção em mim, mas inevitavelmente eu era o filho prodigioso do general Li, o homem de confiança do imperador.

É claro que minha mãe também ajudava a causar esse efeito, pois como Qingshan e Ru Shi já tinham me alertado ela ficara se vangloriando de meus feitos aos quatro cantos. Eu devia ter pensado bem antes de voltar, realmente. Mas agora já estávamos em frente à mansão da casamenteira e não havia como voltar. Não se eu não quisesse causar um escândalo.

Foi assim que me vi sentado em meio a um pelotão feminino numa sala suntuosa, debatendo os deveres da boa esposa com uma mulher magra e rígida, de gostos opulentos e olhar cínico. Ela fazia com que eu me lembrasse de uma cortesã.

Ru Shi servia o chá que Qingshan fizera na delicada porcelana pintada, entretendo o grupo com risinhos contidos que eu nunca a vira dar na minha vida. A ação parecia contentar a casamenteira, que assentia lentamente para si mesma. Eu nunca vira aquelas duas jovens agirem tão fora de seu costumeiro jeito antes e me perguntava que alegria poderia haver em sempre representar o papel esperado.

O pensamento automaticamente me fez refletir que em breve seria eu convivendo com uma mulher assim, uma que agiria como eu esperava que uma mulher se comportasse. A mulher de um soldado muito competente, o filho do general. Como se lendo meu pensamento a casamenteira virou-se para mim sorrindo largamente.

— E você, Li Shang, o que espera de sua futura esposa?

Pisquei sem resposta. O que eu esperava? Eu sequer queria uma esposa...

Assim sendo, o que eu queria?

A resposta saltou a minha frente, por sorte não saindo de meus lábios. Eu queria estar longe dali, entre meus homens, onde eu podia ser eu mesmo, comandar minha vida e minhas tropas. Ou talvez comandar pelotões tivesse se tornado minha vida, assim como se tornara a de meu pai.

A casamenteira tomou meu silêncio como reflexão.

— Vejo que é sério e exigente — ela comentou.

— Meu irmão é um oficial até o ossos — comentou Qingshan, correndo o risco de ser punida, o que só não aconteceu pelo fato da casamenteira estar mais curiosa do que disposta a perder a fofoca — ele até mesmo dorme de braços cruzados, como se inspecionasse uma fileira de soldados.

— Qingshan... — eu a alertei com um murmúrio para que parasse, mas as duas já estavam rindo, cobrindo as bocas com as mãos como se fossem bonecas delicadas.

Minha mãe pigarreou.

— Meu Shang na verdade foi o número um em sua classe, tem um grande conhecimento e vem de uma linhagem militar excelente — ela piscou — mas é claro que a senhora sabe disso.

Eu me perguntava quantas vezes ela tinha desfiado essa mesma ladainha pela cidade. A casamenteira assentiu.

— Acredito que você precise de alguém leal, corajosa e verdadeira — disse a casamenteira anotando isso com um pincel, que mergulhou em tinta preta e riscou em um pergaminho. Eu me perguntava onde ela encontraria uma jovem que servisse para essa descrição surreal. — Tenho algumas possíveis pretendentes, se puder voltar aqui semana que vem...

Fiquei com vontade de revirar os olhos e jogar a cabeça para trás. Eu nunca conseguiria me livrar de minha mãe depois disso. A menos que a China desabasse e eu fosse necessário no front.

Li ShangOnde histórias criam vida. Descubra agora