04. - A pergunta certa.

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Sinto como se estivesse me afogando, o corpo afundando no meio do oceano enquanto os meus pulmões enchem-se de água pouco a pouco. A respiração falha, e numa última batida dolorosa o coração dá uma bombardeada, dando aquela sensação desconcertante de desespero ao saber que não está conseguindo mais respirar. Mas agora, é como se eu tivesse constantemente me afogando, mas a morte nunca chega.

O frio repercute por todo o meu corpo, fazendo-me ranger os dentes. Fito minhas mãos, conto todos os dedos, e, em seguida, olho em direção a porta.

O ar-condicionado deve estar quebrado, porque estou tendo calafrios mesmo sobre as grossas camadas de roupa. Sento-me sobre a cama, coloco os meus pés para fora, visando a porta.

Vamos lá, é só se levantar. Aperto os meus dedos contra as mãos e respiro fundo, soltando.

E então, eu faço isso, e de repente, o chão parece fundo, e a porta se estica metros à frente. Eu fecho os meus olhos, apertando os meus dedos contra a botas. Não é real, é só a minha cabeça. Não é real, mas minhas mãos estão dormentes, sinto minhas pernas pesadas, e meu coração bate em disparada contra o meu peito. Isso sempre acontece, isso, a sensação, sinto que o teto irá cair sobre minha cabeça e me esmagar com força, abro os meus olhos, apertando minhas mãos uma contra as outras. É só uma porta, droga! E eu só preciso passar por ela.

Finquei os meus dentes contra o meu lábio inferior e me empurrei para a frente, contra o guarda-roupa e me arrastei até a porta, respirando com dificuldade. Lágrimas formam através dos meus olhos e rolam quentes nas minhas bochechas. Me sinto sufocada. Sinto que uma mão invisível está apertando o meu coração; e querendo arrancá-lo de dentro de mim. Minha cabeça pesa, minhas pernas não mexem, e um bile sobe a garganta, deixando o meu estômago revirado.

Mas é só uma porta. Vamos lá, Hadley. Você tem que fazer isso.

Levei minha mão até a maçaneta fria e dourada, ouvindo meus soluços eclodirem no pequeno espaço ali. O que eu penso e como o meu corpo reage são coisas diferentes. É só uma porta. Repito a mim mesma. Só uma porta. Seguro com força a maçaneta, mas não consigo girá-la, só o pensamento em sair do quarto me retraí e eu recuo para trás, assustada, caindo sobre o tapete, e segurando minha cabeça que lateja incessantemente. Não posso sair, não consigo, é perigoso, eu vou morrer se sair, eu vou morrer...

Mas era só a porta de um quarto, destrancada, que dava acesso a um corredor e no fim desse corredor obtinha outra porta, que dava acesso ao resto da casa. Não é como se eu não pudesse ir lá fora e sentir o sol contra o meu rosto, é que a verdade, é que eu não conseguia. Não consegui por longos meses, me arrastar da cama e passar por uma única porta.

O medo tem facetas horrendas, e naquele momento, eu estava vivendo o lado mais assustador de toda a situação, e sabia que mesmo que não conseguisse passar por aquela maldita porta, que nem era o começo para mim.

A água quente caí sobre minha cabeça, mesmo que o meu corpo esteja paralisado tempo suficiente contra o piso frio do box para que eu sinta qualquer coisa além de calafrios em minha espinha. Só observo a água caindo e caindo, enquanto não consigo levantar.

A porta está há metros de mim, mas ela parece tão longe, e mesmo que eu consiga chegar até lá, abri-la será uma tarefa árdua, mesmo que saiba que tenho que fazê-la. Respiro profundamente, contando até dez, acho que umas cinco vezes, até que a voz de Justin ressoe através da porta, e a maçaneta gire, embora, ele não entre. Parece que o mesmo recua, e bate contra a porta.

— Haddie, já está aí há uma hora, saía para que possa tomar café, por favor.

Ele testou primeiramente a maçaneta; mas não abriu, se estivesse trancada, o que ele pensaria? Ainda que trancar não seja exatamente um ato suspeito, é melhor eu manter a cautela alta com ele. A cena de domingo não foi planejada, e mesmo que finja muito bem em sua frente, ainda estou em estado de choque em estar aqui. Não devia ter voltado. Isso era muito óbvio, contudo, não é como se eu pudesse viver sobre a sombra do medo, porque essa é a verdade, seja aonde eu estivesse, aqui ou lá, eu viveria com medo, de ser morta, de ser encontrada. Não há nenhum lugar para fugir, e este é o único fato incontestável.

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