A carta de um homem desconhecido.

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Foi em um dia comum na década de 70.

Lembro-me de cada detalhe.
Do teu rosto belo, quase angelical.
Tua pele negra e macia
Das pintas quase imperceptíveis em teu rosto
Teu toque quente e delicado.

Lembro de sentir teu rosto molhado sobre minhas mãos ásperas e cheias de sangue
Do teu sangue.

Lembro de beijar teus lábios tremidos reprimindo em mim a vontade de chorar junto.
Era assim, não?
Sempre juntos.

Hoje, mesmo depois de tantos anos
Ainda posso sentir tua fragância doce
Ainda tenho sonhos com teus olhos cor de mel
Ainda procuro teu sorriso entre as constelações...

Mesmo depois de anos
Ainda tenho alucinações do teu corpo nu vagando pela casa. Das tuas horríveis gargalhadas...
Quando finalmente desperto, percebo que se passaram vinte anos
Ja se vão 20 anos!

Devia ter sido amor!
Mesmo após duas décadas
Ainda é difícil conter as lágrimas...

O que causa apenas dor e sufoco em minha alma pelo homem vazio que havia me tornado.
Estava completamente vazio...
A dor em meu peito era tão grande e profunda...

Lembro do nosso ultimo dia.
Ainda tenho pesadelos com aquela noite sombria e macabra.

À noite em que teus olhos cor de mel perderam vida
Teus lábios rosados ganharam o mais cruel tom cinza.
Teu rosto pálido e as várias linhas que teu sangue vermelho e carregado desenhava ao escorrer pelo nosso lar.

Lembro-me de não conseguir gritar
Doeu.
A dor era imensa e tão profunda...
Rasgando finalmente minha garganta com um grito de angústia e desespero
Dando assim início a um rio salgado de dor e desespero em meu rosto.
Eram lágrimas da mais puro sentimento de dor e agonia.

Senti teu toque e logo soube que aquele seria o último dentre tantos outros.
em teus últimos suspiros
Compartilhaste um dos teus mais bem guardados segredos.

Ali em meio ao caos
Com a voz falha, quase inaudível. Segredaste-me.
Que eu fora o grande amor da tua vida e que teu coração seria eternamente meu.
E mesmo após duros e longos vinte anos
Essas palavras acorrentam meu coração.

Nesta carta que faço aos meus setenta e cinco anos, com a mão trêmula, o corpo velho e cansado
Que perde vergonhosamente uma dura batalha contra o tempo, te confesso também um dos meus maiores segredos.

Um segredo que vem me sufocando mesmo depois de tantos anos
Bella, minha doce Bella.

Eu nunca cheguei a amar você.

De um homem desconhecido a quem pertence o coração da mais bela mulher.
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S.

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