Infelizmente acabei pegando no sono e perdendo o horário da aula. Tive um sonho fantástico. Estava próximo de um riacho. Sentado na beira da margem, olhando aquela água cristalina a correr. Ouvi leves passos tocando o solo. Pensei que seria ele. Mas ao me virar, vi um rosto um tanto quanto familiar, entretanto eu não conseguia me recordar quem era.
- Posso me sentar?
Fiz que sim com a cabeça. Ficamos ali sentados em silêncio. Até que me lembrei quem era. Eu já sonhara outras vezes com ele. Era um amigo do sonho. Ele sempre aparecia quando eu mais precisava. Foi ele quem me deu forças quando descobri minha doença. Ele quem me deu suporte para superar aquele momento difícil. Foi difícil, pois eu não me aceitava naquela condição. Chorei diversas noites me levando a cair em sono, e lá estava ele. Lembrei do último sonho que tivera. Estávamos num jardim florido e chovia. Ele me ensinou a aproveitar aquele frescor da chuva, a perceber o quão gratificante era sentir aquele toque suave e molhado.
- Já se recordou então? Faz tempo que a gente não se vê, não é?
- Sim, faz. Mas isso é apenas um sonho, não é real, não?
- Não é porque é um sonho que deixa de ser real.
- O quão real então é este sonho?
- O quanto você quiser acreditar nele.
- Quer dizer que se eu não quiser acreditar que ele é real, ele deixa de ser real?
- Ele só vai deixar de ser real para você, isso não influencia em nada no que acontecer aqui. Mas deixemos essa questão de real ou irreal para outra hora. Vim aqui por outro motivo.
- Eu sei.
- Será que sabe mesmo?
Olhei-o sem entender direito, mas então compreendi o que ele quis dizer. Poderia até imaginar o motivo de sua presença, mas enquanto não tivesse a certeza dentro de mim, de nada adiantaria ele ali. Ele não estava ali para dizer o que era ou não, apenas orientar-me a descobrir as respostas. Ele não estava ali para apresentar a solução, mas me ajudar a entender o quebra-cabeça.
- Está vendo este rio? Como ele é cristalino e corre sem interromper seu curso?
- Sim.
Ele se levantou e jogou uma pedra. Água espirrou para todo lado, chegando até a me molhar.
- Viu o que fiz?
- Sim.
- Qual a relação que você tira disso?
- Hã?
- O que houve com o rio? O que a pedra fez ao rio?
- Nada, apenas jogou água para os lados.
- E o curso do rio? Ele mudou?
- Não.
- A nossa vida é como um rio. Às vezes jogamos pedras nele e acabamos ficando presos a ondulação por elas criadas e esquecemos de ver que o rio ainda corre. Nem mais lento, nem mais rápido. Esquecemos de olhar que apesar de ter uma pedra a mais dentro dele, isso não o torna nem mais igual e nem menos diferente do que ele já era.
- Isso é confuso.
Ele sorriu. E me olhou com um tom extremamente fraterno. Um calor perpassou meu corpo. Como num abraço. Lembrei-me de Mikail.
- Ah, vejo que o conheceu.
- Já o conheço há algum tempo.
- Não foi o que eu quis dizer.
- Imagino.
- Tenha uma coisa em mente. Não se prenda à pedra que caiu em seu rio. Olhe a beleza dele como um todo. Observe-o. Atente-se a ele. Você encontrará a resposta para suas incógnitas. As coisas não mudaram. Você só percebeu algo tardio. Você está observando as ondulaçõs de algo que já aconteceu.
- Mas isso não é errado?
- Porque seria? E porque não seria? Lembre-se, você é um ser humano, mas também é espírito. O corpo morre, você não.
- Então?
- Não tem então, caro amigo. As coisas são como tem que ser. Nós é que complicamos. Muitas vezes por nossa vaidade, por nosso orgulho e pela falta de entendimento.
- É muita coisa. Não sou perfeito e não tenho essa capacidade de olhar as coisas dessa forma. Você tem ideias fantásticas que percebo serem as mais corretas, mas elas nunca se tornarão real no mundo.
- Como eu disse, elas são reais o quanto você quiser acreditar. Esta é a minha deixa. Aproveite o espetáculo.
Ele se levantou e se foi. Olhei para frente e vi o belo por-do-sol. Era maravilhoso. Eu não tinha mais nada dentro de mim me incomodando, era só a paz.
Acordei com um sorriso nos lábios. Ao olhar para o relógio, vi que só conseguiria chegar ao fim da aula, mas valia a pena ir. Precisava falar com uma pessoa.
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Olhos que Sentem
Teen FictionEssa é uma história original, escrita a partir de relatos independentes. Uma fascinante história que mistura o sobrenatural e coloca em questão a visão mundana referente a relação amorosa apresentando as diferentes formas possíveis e questionando ac...