3

59 7 5
                                    

William se olhou no espelho orgulhoso do que havia feito.
Não ter precisado da varinha havia sido seu pequeno deleite. Era péssimo em canalizar a energia, mesmo que fosse bom em outras coisas. Agora havia criado sozinho aquele experimento. Misturando uma parte de um feitiço aqui e ali, agora ele havia feito uma tatuagem viva na própria costela. Um ramo de flores que crescia sozinha com o passar dos dias. A semente havia virado aqueles desenhos cheio de raízes e pétalas. William sorriu. Precisava apenas ser mais suave em retirar os ramos sem se agredir tanto. Se as tatuagens para esconder coisas na própria pele desse certo, ele mal podia imagina a quantidade de coisas que seria possível levar por aí. O próximo passo do seu plano mestre seria conseguir desbloquear o cadeado dentro dele que proibia feitiços de aprendizagem. Seus professores haviam colocado ali com a desculpa de que o que é dado pode ser tirado, mas o que é conquistado perdura por longo tempo sendo seu.
Otelo empurrou a porta do quarto, sua roupa cheia de areia. William o encarou com um sorriso confuso.
— Falei as palavras erradas. — Disse Otelo tirando o sobretudo e o jogando no chão.
William o observou abrir os botões de sua camisa social. Otelo tinha dedos longos, unhas bonitas, e se movia com tamanha sensualidade que William chegava a se questionar se não seria ele um espírito de um succubus tentando atraí-lo para seu suspiro final.
Eles eram quase que opostos. William o via como puro. Otelo tinha a pele preta como ambos de seus pais, seu cabelo era volumoso e parecia combinar com a a energia de conquistador que enchia todo o quarto. William mordeu os próprios lábios mais finos herdados de seu pai e se sentiu menos negro, tocou o próprio cabelo raspado e voltou os olhos para o espelho quando Otelo começou a tirar a calça.
William queria evitar olhá-lo mas Otelo parecia gostar de colocá-lo em estado de desafio. Por precaução desenhou uma runa no pulso, sutilmente movendo a ponta do indicador para que Otelo não perguntasse o que era que ele estava fazendo, e tão pouco fosse capaz de adentrar seus pensamentos.
William pensou em mostrar a tatuagem que fizera, imaginou os dedos de Otelo tocando-o, com sua pele mais clara contrastando com a dele. William se perguntou como Otelo reagiria se soubesse do desejo quase que irrefreável que William tinha de se declarar.
Otelo havia trocado de roupa para as aulas da tarde e agora estava com calça moletom preta e camisa lisa da mesma cor. William suspirou enquanto ele próprio procurava algo para vestir.
Sentiu o corpo se arrepiar, o peito de Otelo pressionando suas costas, os braços dele passando por baixo dos seus, o queixo sobre seu ombro.
— Olha o que eu encontrei. — Otelo segurou a chave prata em sua frente.
Antes que William pudesse responder a porta se abriu, Otelo saltou para longe e William não conseguiu disfarçar o quanto estava envergonhado.
Os olhos de Aminá deslizaram até Otelo.
— Não sabia que você estaria aqui. — Disse ela. — Desculpa ter interrompido o que vocês estavam fazendo.
— Esse é nosso quarto. — Brincou Otelo.
— Não estávamos fazendo nada. — William deixou as palavras escapulirem simultaneamente. Otelo olhou para ele quase como se aquelas palavras tivesse o agredido.
— Tanto faz. Você conseguiu a chave? — Perguntou Aminá jogando sobre a língua uma pílula de lembranças felizes. William se perguntou qual memória estava contida ali pois o rosto dela começou a se iluminar.
Otelo ergueu a conquista no ar.
— Ótimo. Vocês vão para biblioteca agora? — Aminá indagou.
— Vamos. — William respondeu pegando uma blusa qualquer para vestir.
— Eu só preciso fazer uma coisa com o William antes, e te encontramos lá. Pode ser? — Otelo perguntou.
Aminá mal respondeu e se virou para sair. Deixando os dois sozinhos de novo. O que quer que fosse deveria ser urgente. Otelo e ele dividiam aquele lugar então estariam desfrutando da companhia um do outro poucas horas depois, o que ele tinha para contar que não poderia esperar?
Otelo se aproximou em passos curtos, como se não conhecesse William o bastante para saber que toda aquela vagarosidade o mataria.
— Não sei como agradecer. — Otelo disse o abraçou. William sentiu as mãos dele em suas costas e acariciando sua cabeça. Otelo respirou fundo. William poderia sentir o ar entrando e saindo como se fosse no próprio pulmão. Otelo sempre fora bom com os rituais da Gemini. Ele conseguia facilmente compartilhar o que estava sentindo se quisesse. William relaxou o corpo e o deixou entrar. Sentiu um resto de dor misturado com medo, então sentiu alegria e alívio. Parecia que todas células de seu corpo haviam se aberto para receber a angústia que Otelo carregava ao pensar em ter que se separar de William caso não achasse o objeto escondido a tempo das avaliações de passagem. Então William se sentiu tão leve que Otelo precisou abraçá-lo mais forte para que ele não flutuasse. Otelo estava feliz em ter conseguido. William sentiu-o beijando sua bochecha.
— Obrigado por compartilhar o truque comigo.
Otelo se afastou deixando em William a sensação de que ele iria desfazer em pedaços a qualquer momento, como se os braços de Otelo a sua volta fosse tudo que segurasse seus demônios juntos.
Os dedos de Otelo seguraram os dele e o puxaram suavemente para sair do lugar.
— Vamos? — Otelo sorria sútil como uma folha seca caindo no outono. William podia sentir a brisa mágica correndo pelos corredores da cidade subterrânea.
Mesmo na hora de se afastar, Otelo ainda se agarrava aos míseros fragmentos de William e o arrastava consigo. William não entendia o que todo aquele afeto significava, mas sabia que gostava.

Cidade SubmersaOnde histórias criam vida. Descubra agora