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Vanessa sabia que todos os olhares estariam voltados para ela quando ela chegasse na biblioteca. Ela havia dito para que Dana lhe esperasse lá, e juntos poderiam ir para primeira aula de quiromancia. Vanessa havia sido a primeira a resolver o enigma e descobrir onde estava a chave. Haviam dezoito alunos e apenas onze passariam para a segunda etapa. Quanto mais conhecimento você quiser, mais conhecimento você precisa demonstrar ter, era o que eles diziam. E Vanessa se achava a mais inteligente de todas.
Seu corpo era grande, e ela gostava de como os casacos pretos lhe caiam bem. Por mais que toda cidade fosse no subterrâneo, o vento mágico ali soprava frio. Poderia até lhe incomodar, mas era um oportunidade para parecer ainda mais bela com as melhores roupas.
Seus passos ecoaram pelo corredor. Alguns alunos corriam apressados para as aulas. Vanessa passou o dedo anelar suavemente sobre a orelha direita fazendo um movimento circular, desativando o aparelho mágico que permitia que ela escutasse quando desejasse.
Desceu os pequenos degraus para entrar na biblioteca, Dana estava sentado em uma das mesas com as cadeiras vazias ao redor. Vanessa olhou em volta, mais adiante Aminá, Otelo e William estavam sentados conversando entre si, provavelmente estavam cochichando algo sobre ela.
Vanessa se sentou e colocou a bolsa marrom sobre a mesa. Ela a abriu e pegou um punhado de papel e colocou a frente de Dana.
"Você pode enviar para mim?" Vanessa fez os sinais com a mão, cansada de ter que falar em voz alta. Dana passou as cartas entre os dedos.
"Posso sim." Dana respondeu.
Ela segurou a mão dele e sussurrou:
—Obrigado.
Dana sorriu e ergueu os olhos para o relógio na parede. Faltavam dez minutos para que eles tivessem que ir para sala. Vanessa acreditava que a maioria dos alunos ali estava esperando por isso.
Vanessa pegou o livro que Dana estava lendo e o segurou erguido no ar.
— O quarto de Giovanni. James Baldwin. — Vanessa falou em voz alta.
Dana assentiu com a cabeça. A bissexualidade do namorado recém descoberta nunca fora um incômodo para ela, e ela ficava feliz em ver que Dana estava interessado em ler mais sobre o assunto. Poucos meses antes Dana andava observando os toque sutis de Otelo na pele de William, e aquilo o enchera de arrepios e curiosidade.
Vanessa olhou o livro em suas mãos. A capa era em preto e branco. Havia o o nome do livro e uma fotografia de uma mesa, que ela supôs ser de café da manhã. Duas xícaras, um jarro de água e uma manteigueira. Vanessa tirou a jaqueta que cobria o livro e observou a capa dura vermelho sangue com folhas secas marcadas de dourada. As folhas dentro estavam amareladas e exalavam um cheiro misterioso. Vanessa morria de vontade de dominar a arte de reconhecer energia dos objetos. Ela conseguiria degustar as memórias que houvessem sido depositadas naquelas páginas. Ela levou a mão até a orelha e ativou novamente sua audição.
— Posso ver seus sentimentos com o livro? — Vanessa perguntou.
Dana sorriu e se aproximou dela. Vanessa poderia fazer aquilo com os dedos, havia conseguido dominar bem o fluxo de energia que entrava e saía por eles, mas queria tentar algo novo.
Se aproximou de Dana e o beijou. Deixou que seus lábios sentissem a textura dos dele. Tão suavemente como seus dedos a pouco sentiam o tecido na capa do livro. Vanessa se deixou entrar aos poucos, e foi em busca do que queria. A mente de Dana era organizada, e ela amava a sensação de passear por ali, era melhor que sexo. Ela entrou na sala que ele criara para armazenar as lembranças dos livros.
Assim que encontrou o que procurava começou a sair, puxando um pouco dele para dentro dela. Não bastava apenas ver, ela queria que fosse possível sentir. Queria que ambos sentissem juntos.
O peito de Vanessa de encheu de dúvidas e fragmentos de imaginação. Parecia mergulhada contra vontade em um mar lamacento de sentimentos ruins. Respirou fundo. Dana se agitou na cadeira. Ela imaginou que fosse difícil para ele. Ela inspirou e expirou. De novo e de novo. Até que Dana respirasse junto com ela. Então ela se deparou diante de um espelho de moldura dourada. Seu reflexo mostrava o rosto de Dana, e em suas veias, ela podia sentir o auto-ódio correndo e corroendo  tudo.
Vanessa quebrou o espelho com um soco.
— Olha pra mim. — Ela disse dentro da cabeça dele. Ela não sabia mais onde estavam, e gostava assim, haviam se misturado como cores no céu ao fim de tarde. Dana parou e se virou para ela, ainda dentro dos pensamentos. Do lado de fora os dois continuavam em um beijo ardente, por longos minutos.
— Eu não queria ter traído você. — Dana disse.
— Me mostra o que aconteceu?
Vanessa podia sentir a resistência dele, então Dana cedeu. Ela sentiu o espelho se restaurar e então o vento fresco soprou em seu rosto, ela se sentia como se estivesse correndo, mas não poderia respirar. Então diante de si ela via William. Ele exibia um desenho de flores estampado sobre a costela direita. Vanessa demorou a entender que eles tavam dentro de um espelho. Dana havia sido esperto e perspicaz nesse feitiço. Ela podia sentir o desejo de Dana por William, e isso quase a contagiava também. Então Otelo chegou, Vanessa revirou os olhos instantaneamente. Sua alegria tinha nascente no fato de que Dana estava sentindo atração por William e não pelo garoto esnobe que era a paixão de todo mundo. Otelo ergueu a chave no ar e Vanessa ficou tão brava que quis sair de dentro das lembranças de Dana, mas ele a segurou ali.
Otelo e William tinham uma química inegável, e Dana sentia inveja daquilo. Sentia que nenhum garoto o desejaria como aqueles dois se desejavam. Por um minuto, Vanessa ficou triste, sentiu que todo seu amor e afeição não serviam para nada, e então ela entendeu por que Dana estava pedindo desculpas. Ela fez uma margarida brotar no centro de sua mão esquerda e a retirou. Colocou sobre a orelha esquerda de Dana e ele sorriu. Era a flor favorita dele. E ele sabia que aquilo era a forma dela dizer que o perdoava.
Dana piscou algumas vezes quando Vanessa se afastou.
— Obrigado por entender. Obrigado por me amar.
Vanessa sorriu sem jeito.
— Você ainda sente algo por mim?
— Sim. — Dana nem hesitou.
— Se você quiser tentar algo com ele tudo bem. — Vanessa virou o rosto para olhar o relógio, restavam apenas dois minutos até o início da aula. Na outra mesa William, Otelo e Aminá riam juntos.
— Não acho que ele esteja aberto para alguém novo. E, eu to feliz com você. Só tenho me deixado consumir com essa curiosidade que me destrói.
— Eu posso tentar arrancar esse sentimento, se você quiser.
Dana parou por um tempo para pensar.
— Acho que arrancar isso de mim arrancaria parte do que eu sou.
Vanessa assentiu.
— Acho que temos que ir para aula.
Dana pegou "O quarto de Giovanni" e colocou na mochila junto com as cartas.
Vanessa se levantou e eles saíram da sala. Seja lá qual fosse seus dilemas. Agora Vanessa sabia que além dela e Dana, mais duas pessoas já haviam conseguido a chave.

Cidade SubmersaOnde histórias criam vida. Descubra agora