Capítulo 4

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Ronan só conseguiu chegar até o sofá.

Ele caiu deitado sobre as almofadas, sem se importar em ligar a luz da sala - não era um problema quando enxergava no escuro.

Se pudesse chorar, choraria.

A frustração explodiu dentro dele como uma bomba, maior do que Ronan poderia controlar a essa altura. Ser expulso do restaurante apenas foi a cereja do bolo. Aqueles sentimentos feios que o sufocavam agora nunca o deixariam em paz e a culpa era toda dele por acumulá-los enquanto acumulava problemas que não conseguia resolver.

Ter que fugir do líder da Anklebitters para não ser morto... Não saber o nome dele... Sentir atração por Navi, colocá-lo em perigo, não conseguir resolver o próprio caso por fraqueza, criar um problema gigantesco e desnecessário com Kaíra... Se sentir mal por Kaíra, mas ao mesmo tempo mal por Navi, e não poder ajudar nenhum dos dois...

Ainda tinha muito a fazer com Kaíra. Ela pode ter voltado para o seu apartamento em vez de conseguir um mandato naquela mesma noite por conta da LM estar fechada, mas essa seria a primeira coisa que faria amanhã e Ronan teria que a perseguir para impedi-la.

Nem sabia se era possível.

Sabia que se lamentar não resolveria os problemas, mas não conseguia pensar em nenhuma solução naquele momento, não com as pontadas de dor emocional. Tampou o olho com uma mão e o espaço vazio ao lado com a outra, arrancando o tapa-olho em seguida com certa brutalidade.

Ah, estava com raiva agora.

Ronan saiu do sofá, sem ver nada realmente no apartamento pequeno que ganhou da Little Monsters desde que se tornou um OIS dois anos atrás. Arrancou a blusa negra de manga longa que usava, deixando a pele pálida, quase fantasmagórica, à vista reluzindo sobre a luz fraca da lua que entrava pela sacada da sala.

Foi até o único banheiro do apartamento e acendeu a luz em um movimento automático que o corpo estava mais acostumado do que a mente. Obviamente, arrependeu-se na mesma hora ao ver o rosto assombrado por tudo que dava errado na vida no momento, por tudo que sempre deu.

Quando abaixava o olho, via apenas as marcas negras vivas e ondulantes, movendo-se por sua pele. Pareciam tatuagens por toda a parte, começando do pescoço até o final do tronco, cobrindo os braços até as costas das mãos, assim como suas costas, mas na verdade eram sombras implantadas sobre a pele. Sombras que faziam parte dele e nunca mais o deixariam sozinho para que tivesse paz.

Armas não conhecem paz, Érebo.

Quando ouvia essa voz dentro da mente, nunca era a própria e sim o mais próximo do que se lembrava das vozes dos cientistas que o torturaram por dez anos da sua vida na sua primeira Vila.

Cada semideus tem uma relação diferente com o deus. Alguns consideravam os deuses como pais, como antigamente, outros consideravam que eram parte dos deuses, ou os próprios deuses. A única relação que Ronan tinha com Érebo era ódio.

Sentia que Érebo era quem distorcia a sua imagem até que não se reconhecesse mais.

Se não fosse por Érebo, teria crescido com os pais. Não teria marcas negras. O cabelo ainda seria negro. Nunca teria se tornado um OIS, poderia ser um garoto normal e poderia ter conhecido Navi de forma natural em algum momento. Os dois poderiam ter dado certo, Ronan poderia ter tido uma chance.

Então tudo aquilo era sobre Navi?

- Não! - Ronan gritou ao tampar o rosto. - Não. - choramingou contra as palmas das mãos, inclinando o tronco até apoiar as costas sobre a parede branca do banheiro, deslizando ao cair sentado sobre o chão. - Não, Navi é só um gatilho. Só uma desculpa para eu nomear tudo que eu já sinto.

Blue/Red Black [BL] (✔)Onde histórias criam vida. Descubra agora