Havia algo incomodando Navi.
Bom, em realidade, várias questões diferentes o incomodavam naquela situação.
Mas essa era algo que, incrivelmente, superava as outras.
Ele percebeu que acompanhava anos da família. Não fazia ideia em que ponto as memórias acabariam, mas era como se vivenciasse desde antes do começo que deveria se lembrar. Como se todas as peças do quebra cabeça que formavam Navi e Naevia hoje tivessem decidido se encontrarem e se resolverem por conta própria à frente dele, e Navi possuía um convite especial para assistir em primeira mão.
Mas não se sentia menos confuso por isso.
Enquanto assistia os anos em que Nalisse cuidou dele sozinha, Navi só conseguia lembrar das palavras de Naevia. Eram sempre as palavras de Naevia, ela serviu como fundação para ele por anos. Mas, além das histórias de casa que ela contava até ambos dormirem, Navi estava se lembrando das coisas que ela disse após descobrir que Ronan era um oficial e após matá-lo em um beco por isso.
A dinâmica que via agora era completamente diferente da dinâmica que Naevia usou contra Navi.
Ela havia dito que Nalisse era a mais irresponsável entre os pais, e que Navi puxou isso dela. Que Nalisse insistiu no relacionamento entre duas criaturas que nunca deveriam ter se encontrado - uma deusa e um demônio - e que Cian era o único que se importava com as consequências de verdade, tentando fazer com que Nalisse fosse tão relutante quanto ele.
Não era isso que Navi estava vendo.
Mas Navi não conseguia simplesmente afirmar que Naevia mentiu para ele. Sim, de fato, tanto Naevia quanto Navi tinham personalidades distorcidas, e Navi sempre esteve ciente disso. Ter que sobreviver em um ambiente hostil e completamente novo com pouca idade faz isso com as pessoas. Mas Naevia não era mentirosa. Navi era mentiroso, Naevia era controladora.
Naevia não criava informações irreais, ela apenas omitia o que não queria dizer e alterava situações para o que a apetecia mais. Então Navi não fazia ideia se o que via agora não era só uma criação da mente dele dos fatos, do que o seu inconsciente queria, ou realmente memórias que aconteceram anos atrás em uma dimensão diferente. E a dúvida o matava.
Só conseguia identificar que era uma experiência simulada, que não havia voltado no tempo ou algo do tipo, mas nada além disso.
Dessa forma, três anos se passaram pelos olhos de Navi. Nalisse chamou a sua atenção ao dizer o nome dele em voz alta, a voz ecoando pelos corredores da mansão. Navi deu um pulo de susto, seguindo o som logo em seguida. Nalisse não estava chamando Navi de fato, assim que não reconhecia a presença dele ali. Navi não estava ali, ele só assistia de fora.
Nalisse chamava a atenção de Navi quando era uma criança.
- BU!
Navi levou outro susto ao ouvir a própria voz, mas antes da sua puberdade. Era bizarro como conseguia se reconhecer, mesmo sendo completamente diferente da voz que possuía agora. Ele olhou em direção ao som, achando uma versão muito pequena de si mesmo, com apenas seis anos, mas parecendo ter ainda menos, pendurado... No ar... De ponta cabeça...
Ah não.
- Navi. – Nalisse não soou surpresa, apenas exasperada. Ela suspirou e se aproximou do garotinho pendurado de ponta cabeça no dossel da cama que recebeu ao fazer seis anos, assim como o quarto individual que não era mais diretamente conectado com o seu.
- Mama, mama, olha! – se Navi criança percebeu o exaspero da mãe, ele era ótimo em ignorar. Animado como um furacão em miniatura, ele começou a balançar o corpo enquanto falava, o cabelo comprido negro que caía sobre o ar fazendo o mesmo movimento. – Eu consigo me segurar pela cauda!
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Blue/Red Black [BL] (✔)
FantasíaPara não serem esquecidos e perderem a existência no mundo, os Deuses das mitologias repassaram a sua essência enfraquecida para crianças a cada geração nova. Essas crianças são chamadas de semideusas, porém, apesar de não terem o poder total de um...