Capítulo 14.

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As coisas não estavam acontecendo do modo que achei que aconteceriam. Na verdade, não acho que deveria ter tido nenhuma expectativa em relação ao mal que me aflige no momento. Por mais que mal aguentasse andar – de tão pesada e de tanta dor – fui levada até uma pequena gruta fora dos olhares curiosos dos cidadãos do Distrito 4 e onde poderia dar a luz sem mais problemas. 

Marlowe segura minha mão o tempo todo e continua a dizer que parir nosso filho naquele lugar traria sorte.

Concordei. Precisaria de toda sorte possível, naquele momento.


Havia passado o outono inteiro conversando com a criança que fazia morada em minha barriga. Sabia que não seria fácil e precisava prepará-la, sim, ainda dentro de meu ventre para o que encontraria lá fora – no mundo cruel e unicolor em que vivíamos.

Pedia com todas as forças para que ela fosse igual a mim, de cabelos escuros. Que fosse forte igual Marlowe e aguentasse todas as coisas que a vida atiraria contra ela.

Mags contava com os dedos minhas contrações, fazendo com que a imitasse nas respirações. Era uma menina, eu sabia. A chamaria de Meredith como sempre havia dito a Marlowe. Ele a amaria e cuidaria dela, a protegeria com sua vida se fosse necessário e isso era mais do que eu poderia pedir dele.

"O que você acha de Bay, Lulla?" ele me encorajava a empurrar "Caso seja um menino".

A dor era insuportável e eu sentia que não sairia daquele lugar viva. Mas meu bebê sairia e era por isso que tentava meu melhor. Não conseguia responder meu marido.

Meu tolo marido...

Mags sorriu e senti algo ser puxado de dentro de mim, escorregando para o mundo. Do lado de fora a primeira neve em anos caía.

Meredith era perfeita.



Se as pessoas achavam estranho o fato de ter engravidado assim que me casei, não deixavam aparentar. Acho que era normal para todos o jeito como Marlowe e eu decidimos fazer as coisas, sempre havíamos sido assim desde que nos conhecíamos.

Antes da minha vida mudar e de Meredith existir, ele era tudo que tinha. Havia sido criada pela família dele quando meus pais afundaram na embarcação que os levava a tentar fugir do Distrito e mesmo que tivéssemos vivido juntos, não nos era imposto que vivêssemos como familiares. Brook e Mira já pareciam esperar que nos tornássemos mais que amigos.

Ao final do meu décimo oitavo verão, a colheita fez com que eu desse adeus para o lugar que havia conhecido como lar. Marlowe parecia desolado ao me deixar – eu, no entanto, não estava desolada em sair dali. Deveria me descabelar e chorar, mas estava apática. Minha mente vagava onde meu corpo não conseguia ir e apesar de estar no piloto automático, venci.

E pior do que uma arena cheia de pessoas para me matar, pior do que acabar com todas elas, pior do que vencer aquele jogo infernal... era a Capital.


Ela me mudou e moldou de tantos jeitos – mais até do que os Jogos – que foi o motivo de muitas brigas entre meu marido e eu quando finalmente retornei para casa, após minha turnê.

Marlowe imediatamente me pediu para que fosse sua mulher assim que voltei, mesmo que eu não fosse a mesma garota que ele havia visto ir embora e apesar de toda a bagagem que trouxe comigo, ele aceitou coisas que um homem com menos dignidade nunca aceitaria. Por amor.

E não se engane, eu fui muito grata e o amei muito durante os meses seguintes ao nosso casamento – mesmo que não houvesse a mesma intensidade com que ele me amava. 

Mesmo que ele fosse um farol na escuridão, talvez eu não conseguisse mais encontrar meu caminho.

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