*** capítulo sem correção ortográfica ***
AYLA
Já passa das onze quando a festa finalmente acaba, meu pai está no quintal dos fundos conversando com alguns tios e minha vó está guardando as sobras de bolo na geladeira, Tatiana adormeceu no sofá junto com os gêmeos e estou ajudando Thales a leva-la até sua casa. Ele desapareceu por quase toda a noite e nem ao menos esteve ao meu lado na hora de cortar o bolo. Tento fingir que isso não me incomodou.
— Essa menina tá ficando pesada. — ele resmunga enquanto ajeita a cabeça dela em seu ombro.
— Eles estão crescendo rápido. — digo enquanto observo a forma carinhosa com que ele segura a irmã da melhor maneira possível.
— Rápido demais para meu gosto. — Thales diz quase sem folego e sorrio.
Sua casa está escura e acendo a lâmpada que Thales colocou ao lado do portão para que ele não tropece com a menina nos braços. Ele é bom em inventar coisas e compensa suas dificuldades escolares com uma excelente habilidade em consertar e criar. Perdi a conta das vezes em que passei tardes inteiras ao seu lado observando-o criar algo incrível a partir de um punhado de lixo.
Ele anda com cuidado e caminho ao seu lado sem querer ir embora, ainda não conversamos e sinto tanto a sua falta que tenho medo de que amanhã quando acordarmos ele tenha voltado a ser como antes e me afaste.
Thales muda a sua postura assim que entramos em sua casa, ele sempre tão confiante e seguro, parece um menininho amedrontado olhando para todos os lados e andando na ponta dos pés como se temesse acordar alguém. Odeio saber disso, odeio a forma como ele vem escondendo de mim as coisas que acontecem aqui e odeio não saber como fazer ele voltar a confiar em mim.
Thales leva Tatiana até seu quarto, ele a deita na cama devagar, retira o laço do seu cabelo e os sapatos dos pés, depois coloca um ursinho ao seu lado e estica o edredon sobre seu corpo. Quando ele se afasta eu posso ver o meu amigo novamente, os cabelos desarrumados e um sorriso tímido no rosto que faz meu coração dar cambalhotas no peito. Ele está muito bonito essa noite, embora eu sempre ache que ele está bonito, mesmo sujo de terra e suor, ou talvez seja apenas a saudade que está me matando.
— Minha vó fez essa marmitinha de doces para Tati. — estendo a sacola para ele. — E esse é o seu bolo, é o de sempre. Só sobrou esse pedaço, você sumiu e as pessoas acabaram comendo.
Ele pega os potes da minha mão e por um instante enquanto ele olha para eles, tenho a sensação de que está emocionado.
— É porque é o melhor. — ele balança o pote no ar e força um sorriso triste que não gosto. — Obrigado. — ele sussurra quando passa por mim, sigo-o até a cozinha, e aguardo enquanto ele guarda os potes na geladeira e quando a fecha e volta a olhar para mim parece sem graça.
Deus, desde quando ficamos sem graça na frente um do outro?
— Agradece a vó por mim.
— Não precisa, você sabe que ela sempre lembra.
— É, eu sei. — Thales balança a cabeça meio sem graça e se vira de costas para mim. — Quer um copo de água?
— Não, obrigada.
Um ruído vindo do fim do corredor o assusta e ele desvia o olhar para mim, não gosto da expressão em seu rosto. Ele parece ansioso de um jeito assustador.
— Vamos embora daqui. — ele diz enquanto abre a porta da cozinha e aguarda até que eu passe por ela.
Saímos da sua casa e ele me acompanha até a minha, embora a festa tenha acabado ainda há pessoas e diferente da sensação de medo que senti em sua casa, sinto que assim que chegamos a minha, Thales relaxa.
— Podemos ficar um pouquinho aqui? — pergunto no meio do quintal.
Thales coça a nuca e me entristeço, isso nunca foi algo que eu precisei me importar até agora, ele sempre foi o último a ir embora nas festas, agora sinto como se não visse a hora de se livrar de mim.
— Por favor. — complemento e ele respira fundo antes de se sentar no chão.
Me sento ao seu lado, tão perto que posso sentir o calor da sua pele, passamos nossa vida inteira assim, juntos, seja no chão de terra do campinho, no sofá da minha sala ou na minha cama. A presença de Thales ao meu lado sempre foi a coisa mais normal, mas pela primeira vez me sinto agitada com a proximidade dele, tenho medo que ele possa perceber como estou tremendo e se afaste novamente.
— Hoje fiz quatro gols. — ele diz enquanto estica a borracha de uma bexiga furada em suas mãos e olha para a rua vazia e escura a nossa frente.
— Jura? Faz tempo que não te vejo fazer tantos.
Ele balança a cabeça concordando comigo, Thales é um bom meia esquerda, tem velocidade e uma habilidade fora do comum, geralmente ele não costuma ser o goleador de um jogo, o que ele gosta mesmo é de montar jogadas e lançar atacantes ao gol, saber que ele fez tantos gols me surpreende de um jeito bom e me sinto triste por não ter estado lá, eu queria ter visto a expressão de alegria em seu rosto sempre tão triste.
— Sim. — ele se limita a responder e pego um pedaço de bexiga para mexer porque não sei o que fazer. Ele conta um pouco sobre o jogo, palavras aleatórias, pergunto sobre o tal olheiro e ele revira os olhos sem acreditar em nada.
O assunto acaba e ficamos assim, quietos por um tempo, somos pessoas silenciosas, o silêncio nunca nos incomodou, mas hoje sinto que ele é como um intruso sussurrando em meu ouvido que as coisas não estão legais.
— Ele me bate desde os oito anos. — Thales sussurra, como uma confidencia que só se faz assim, na calada da noite. A mudança de assunto me pega de surpresa e tento não reagir. — Ele diz que faz isso porque quer que eu me torne um homem decente. — meu amigo ri sem alegria, encarando a bexiga como se não fosse capaz de olhar em meus olhos enquanto conta algo tão triste, sinto a raiva e a vergonha em suas palavras e não sei o que fazer além de ouvi-lo. — Como se ele fosse um homem decente né?
— Meu Deus Thales... — sussurro porque não há mais nada que eu possa dizer, cresci em um lar quebrado pela falta da minha mãe, mas cheio de amor e carinho, não me recordo a última vez em que meu pai me deu umas palmadas e o fato de ser menina e não ter uma mãe faz com que ele seja ainda mais cuidadoso e carinhoso comigo, me sinto mal por saber que infelizmente meu amigo não tem o mesmo e a lembrança do seu rosto machucado no dia em que ele se afastou de mim faz com que minha garganta se feche.
— Eu sempre o respeitei, embora eu nunca tenha considerado ele porra nenhuma, mas minha mãe insiste em dizer que ele é o meu pai e para agradá-la eu faço o que ela me pede. De uns tempos para cá eu comecei a questionar sua autoridade, não concordo com o que ele faz e fala e foi ai que as surras pioraram, ele procura qualquer motivo para me bater, como um aviso de que quem manda naquela porra daquela casa é ele. — Thales olha em direção ao lugar que deveria ser seu lar e ignoro a quantidade de palavrão que ele está falando.
— Sua mãe sabe? — pergunto e quando ele balança a cabeça confirmando, meu coração dói por meu amigo.
— O que mais me revolta é saber que ela permite que ele me surre como se eu fosse um bosta. É olhar em seus olhos no dia seguinte e não encontrar nada que justifique o fato de um estranho bater no filho dela e ela achar normal. Isso não é normal.
— Ela acredita que ele está fazendo para o seu bem Thales. — tento defende-la porque sei que isso o magoa, mas no fundo também não consigo compreender porque ela permite que Thales seja machucado dessa forma. Ele é um bom garoto, embora tenha problemas na escola, ele sempre foi um bom filho e não merece o que tem passado.
— O Duda nunca apareceu de olho roxo porque apanhou do pai apareceu? — ele olha para mim e nego com a cabeça. — Seu pai já deu um soco no seu rosto?
— Deus, não, claro que não.
— Não é algo que eu acho que os pais fazem com seus filhos, bater não é o melhor jeito de educar alguém e tenho certeza de que a última coisa que ele pensa enquanto está me batendo é em me ver um homem.
Ele suspira e abaixa a cabeça entre as pernas erguidas, estico minha mão e acaricio sua nuca sentindo-o enrijecer sob meu toque.
— Ayla não. — me repreende movendo o ombro para me afastar, mas continuo passando meus dedos de um lado para o outro até que Thales relaxa. Massageio sua pele quente tentando dar um pouco de conforto para meu amigo. Meus dedos sobem até seu cabelo sem corte e desarrumados e depois descem até a base da sua coluna, é gostoso sentir ele se arrepiar e repito, subindo, descendo, subindo, descendo. Algo desconhecido se agita dentro de mim, mas não paro, é bom tocá-lo e melhor ainda sentir ele se acalmar com meu toque.
Passamos algum tempo assim, sua respiração se acalmando enquanto dou a ele tudo o que posso nesse momento, minha forma de dizer que estou aqui para ele, que pode confiar em mim e que está tudo bem se sentir triste.
Eu estou triste também.
— Eu tô uma merda Ayla, cada dia que passa sinto que estou afundando mais e mais, não vou conseguir passar de ano e o Sandro vai transformar a minha vida em um inferno. — ele diz ainda com o rosto entre as pernas.
— É por isso que você brigou comigo? — pergunto e ele ergue o rosto desfazendo o nosso toque e se virando para ficar de frente para mim.
— Eu fui um idiota e estava com muita raiva, não queria ter falado daquele jeito com você, eu tentei pedir desculpas, vim aqui várias vezes, mas não consegui e depois fui orgulhoso e o tempo passou e eu não soube o que fazer. Eu só queria que soubesse que não foi sua culpa.
— Não faz mais isso, você me magoou. — digo baixinho sentindo-me envergonhada por admitir meus sentimentos para ele.
— Desculpe, não sei o que estou fazendo. — ele diz tão baixo quanto eu, tão perto que tenho certeza que ele é capaz de ouvir meu coração disparado e sentir minhas mãos tremendo.
— Eu fiz os gols para você. — ele diz e sorrio sentindo um quentinho no meu coração ao ouvir ele falar isso.
— Obrigada. — sussurro sentindo meu coração bater tão rápido como se eu tivesse acabado de correr.— Senti sua falta. — admito e noto quando seus lábios se movem em um breve sorriso.
— Eu também. — ele diz, o sorriso um pouco maior, se espalhando por seus lábios. Gosto do seu sorriso. Ele faz borboletinhas baterem asas em meu estomago
— Nunca mais me afaste de você, quando estiver chateado, me fale e eu te darei espaço, mas não me afaste, não me magoe, não finja que eu não existo porque isso dói.
— As coisas vão ficar ruins. — ele diz como se fosse uma certeza e sem pensar no que estou fazendo, me aproximo um pouco mais do meu amigo, ele se inclina e apoia sua testa na minha, envolvo seu pescoço com meus braços, enroscando meus dedos em seus cabelos e ele descansa suas mãos em meu colo, os dedos brincando com o tecido do meu vestido.
Não sei o que meu pai pensaria se nos visse nesse momento, não quero pensar muito além de que Thales está de volta e que não quero perde-lo nunca mais.
— Não tem problema. — digo sabendo que é verdade, eu não me importo com o quanto ele acha que pode piorar.
— E se eu não der conta de tudo isso?
— Eu estarei aqui.
— E se eu afundar, se me perder.
— Eu te ajudo a se achar.
— E se ele conseguir o que quer?
— Não vamos deixar ele chegar a esse ponto.
— Se quiser dar o fora, se ficar insuportável para você eu vou entender.
Coloco um dedo em sua boca, obrigando-o a se calar.
— Insuportável para mim é ficar longe de você. — admito e Thales respira fundo, como se estivesse se privando de respirar até ter certeza de que eu estarei ao seu lado.
— Prometo nunca mais fazer isso, nunca mais te afastar de mim, enquanto for seguro para você, eu estarei aqui. — Thales ergue os olhos e me encara enquanto me diz.
— Acho bom cumprir essa promessa.
Me aproximo novamente e o abraço com força apoiando meu rosto em seu ombro, fecho meus olhos desejando que ele possa sentir o quanto é importante para mim. Thales se aproxima, seu rosto enfiado em meus cabelos, inalando o cheiro do meu shampoo como ele sempre faz quando estou lendo. Coloco a mão no bolso do vestido e retiro a pedrinha que esteve comigo durante todo o dia. Algo que passei meses preparando para ele, mas que agora parece tão bobo, mais do que já é de verdade.
— Feliz aniversário. — digo em seu ouvido enquanto coloco a pedra em sua mão, ele a observa por um instante, girando-a de um lado para o outro, como sempre faz, todos os anos, quando lhe dou uma pedra nova.
— Ela é linda... — Thales fecha seus dedos em volta dela, como se fosse algo caro, precioso e não uma pedra esquisita encontrada na beira do riacho.
Sempre nos gabamos por fazer aniversário no mesmo dia, desde os seis anos comemoramos juntos, um lado da mesa azul e o outro rosa, dois bolos, um de coco para mim e um de chocolate para ele.
Todos os anos já sabemos que estaremos juntos, ele me faz uma promessa, eu lhe dou uma pedra, nosso ritual estranho e especial. Esse ano por um instante achei que ele não estaria comigo e chorei, agora, enquanto estou aqui, dentro do seu abraço, sinto um alivio por perceber que tudo está novamente em seu lugar, exatamente como deve ser.
— Feliz aniversário. — ele diz, a voz quase um sussurro abafado em meus cabelos antes de deixar um beijo neles e então eu percebo que estou enganada, não tem como ser igual, algo mudou desde o nosso último aniversário, algo que não notei até esse momento, mas que me faz perceber que o que sinto por esse menino não é mais a mesma coisa de antes. É algo novo, estranho, assustador e forte, tão forte que me faz querer abraça-lo para sempre.
Então eu o aperto bem junto de mim.********************************
Eu posso dizer que esse é um dos meus capítulos favoritos até agora, Thales e Ayla tem uma conexão tão pura e bonita, e ela é tão importante para o nosso garoto que ele mal suporta o peso da sua verdade diante dela e então ele desaba.
Ontem batemos uma das metas da LC de Um Novo Amanhecer que tá terminando e conforme prometido, teremos capítulo extra.
Então hoje teremos Thales e Ayla em dose dupla.
Conta aqui para mim o que você está achando da história, vou amar saber sua opinião.
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Um Milhão de Promessas - DEGUSTAÇÃO
Romance*** ATENÇÃO! POSTAGENS INICIADAS NO DIA 21/09/20 *** SINOPSE: As vezes, quando o caos ameaça me enlouquecer, quando minhas pernas ardem pelo esforço exigido por mim, quando a dor já não é mais capaz de silenciar o ódio que pulsa em minhas veias eu...