Quatro.

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              When she was just a girl
              She expected the world
              But it flew away from her reach so
              She ran away from her sleep 

              Paradise - Coldplay

        ✝

        Cada vez que Cara abre a porta pensa o quão má é a fechadura. Pediu ao encarregado do edifício que a mudasse e ele só coçou a cabeça. Disse-lhe que sim, que a mudaria um dia. Mas ainda não o fez. Por enquanto, felizmente, ainda não lhe aconteceu nada.

        Ela decide neste momento que será ela própria a encarregar-se amanhã, sem mais demoras. Terá o dia livre. Infelizmente, já é muito tarde para chamar um chaveiro, sobretudo porque, sem prever, tem tempo livre. Por enquanto, colocará uma cadeira sob a maçaneta para se sentir mais segura.

        Há meia hora, o senhor Levine recebeu um telefonema. A sua irmã está doente e ele tem de ir a New Jersey. Cara ofereceu-se para ficar na loja, mas ele negou. Agradeceu mas pensou que ela está há pouco tempo no negócio e que ainda não conhece bem o seu sistema de alarme.

        Ela sorri com tristeza enquanto tranca a fechadura da porta por dentro.

        Sabe o suficiente para saber que o homem não possiu nenhum sistema de segurança. Claro que não lho disse. Foi bom e amável com ela, contratando-a apesar de ela ter reconhecido que nunca vendeu nada na vida.

        Até neste momento, preocupado com a sua irmã, levou o tempo necessário para lhe garantir que não lhe desconta aquelas horas do salário.

        - A culpa não é sua que não tenha trabalhado uma tarde inteira, menina Smith - disse-lhe o homem. - Não se preocupe com nada.

        Esteve prester a meter a pata a poça quando o homem a chamou assim. Ainda não se habituou a ser Carol Smith. Com o cabelo preso e sem maquilhagem, é uma rapariga, sozinha na Big Apple.

        A verdade é que nunca conheceu ninguém chamado Smith. Dá-lhe a sensação de que o senhor Levine suspeita disso. Pediu-lhe o seu cartão da segurança social, que ele prometeu levar mas que nunca o fez, e ele nunca mais voltou a mencionar o assunto.

        - Tenho uma filha mais ou menos da tua idade. - disse-lhe quando a contratou - Vive em Inglaterra e eu gosto de pensar que as pessoas de lá cuidarão dela.

        Noutras palavras, é um velho que tem suadades da filha, e ela está a aproveitar-se disso.

        Mas ela não vai pensar nisso, vai fazer o que tem de fazer para sobreviver.

        Eric Foster quer que volte a viver com ele. O FBI quer que entre no programa de proteção de testemunhas. E a única coisa que ela deseja é que a sua vida volte a ser normal.

        Isso signifca não voltar a ver Foster na sua vida, além de não testemunhar contra ele. Independentemente do que ele é, não lhe fez mal nenhum. Pelo menos, não intencionalmente.

        E, como disse aos agentes que a interrogaram depois de saír da sua mansão, ela não sabe nada.

        «Sim sabe», disseram-lhe. «Só que não é consciente do que sabe. Por isso queremos pô-la no programa de proteção de testemunhas. Podemos dar-lhe segurança enquanto a ajudamos a recordar.»

        Quando se recusou a cooperar, zangaram-se com ela. Disseram-lhe que Foster nunca deixaria de a procurar e ameaçaram manda-la para a prisão.

        Foi então que decidiu desaparecer do motel de Long Island onde passou as ultimas noites. E há melhor maneira de desaparecer do que mudando-se para Manhattn, onde toda a gente pode perder-se?

        Cara tira a gabardina, o boné e os óculos de sol. Depois a camisola e a saia. Então descalça-se e caminha até à outra ponta do apartamento, parando um momento à frente do roupeiro antes de recordar que tem o robe pendurado atrás da porta da casa de banho.

        A casa de banho é pequena e mal iluminada. Felizmente, a água do duche sai com pressão e muito quente.

        Ela acende a luz, tira o gancho do cabelo, abre a porta do duche e a torneira da água quente. Algo está a mexer-se. Ouve-o. É um ruído muito leve. O FBI tinha razão? Foster enviaria os seus homens atrás dela?

        Um ratinho cinzento sai debaixo do lavatório e desaparece por debaixo da porta.

        Cara solta um riso fraco. Um rato! Estava a deixar-se dominar pelo medo.

        Mas isso vai acabar.

        No entanto... sente um frio que lhe encolhe o coração. Por um instantante, tem a certeza que não está sozinha no apartamento, de que há alguém a observa-la, à espera...

        Que tolice!

        Cara entra no duche e fehca a porta. Em seguida levanta a cara e deixa-se levar pelo jato de água quente. A água e o vapor exercem o seu efeito mágico para dissipar o medo que cresce no seu interior.

        Não chegou tão longe para desabar agora. A sobrevivência é a única coisa que importa.

        Firme, tira um frasco de champô da prateleira, deita um pouco na palma da mão e começa a lavar o cabelo.

✝ Mission ✝ | H.SOnde histórias criam vida. Descubra agora