Capítulo XI

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- Ela não está respondendo aos desfibriladores Senhora Brown. – lamentou a psicóloga Cecil fechando a porta do quarto que Alice estava e encostando na parede do corredor do hospital.

- Tudo bem. – a mãe respondeu ríspida.

- A médica disse que podemos tentar aplicar a adrenalina para aumentar a frequência cardíaca.

- Tanto faz.

A médica colocou metade do corpo do lado de fora da sala 2, esperando que a mãe de Alice tivesse uma resposta sobre o que fazer.

- Senhora Brown, podemos injetar a adrenalina? Estamos ficando sem tempo. – a médica sussurrou batendo a caneta na prancheta de forma impaciente.

- Pode... – respondeu a psicóloga com um sorriso amarelo e empurrando a médica para dentro da sala.

- PRECISO DE UMA INJEÇÃO DE ADRENALINA AGORA! – gritou a médica pela sala.

Os enfermeiros corriam de um lado para o outro com pressa, abrindo novos pacotes de algodão e fazendo anotações para a médica na prancheta. A psicóloga puxou o jaleco da médica Eveline e deu dois passos para trás no canto da sala.

- O que houve? – Eveline sussurrou.

- A mãe da Alice não está nem aí se a filha está morrendo ou não. Não acho que ter ligado para ela foi uma boa ideia.

- Pouco me importa se ela gosta da filha ou não, olha o tanto que essa menina sofreu. Ela estava caída no chão do quarto no antigo hospital psiquiátrico, cheia de sangue entre as pernas.

- Eu não vou esquecer disso, Eveline. Foi eu quem ligou para você me ajudar a tirá-la daquele lugar, em pensar que trabalhei com aquela mulher horrível.

- Um monstro, eu diria.

- Não acreditei quando me contou que abusavam dela, ela só tem treze anos! – disse a médica num tom de raiva.

- Infelizmente quando acontecia a porta do quarto estava sempre trancada, e só a diretora tinha as chaves ou sabia a senha que destravava.

- Acha que conseguiremos salvá-la? – Cecil se mostrou preocupada.

- Estamos fazendo de tudo, mas ela está muito mal.

Um dos enfermeiros entrou com a seringa na mão e entregou para Eveline, que não hesitou em aplicar diretamente na veia de Alice. O líquido esverdeado foi sendo liberado na veia até acabar, por alguns segundos os batimentos cardíacos de Alice estava voltando mas ainda eram fracos até que parou completamente.

A médica olhou para os enfermeiros que estavam em volta da cama de Alice, fez que não com a cabeça e foi até o corredor onde a Senhora Brown estava.

- Alice está morta. – disse Eveline tirando os óculos retangulares do rosto e abaixando a cabeça.

- Posso ir embora agora? – perguntou Senhora Brown mastigando um chiclete rosa de boca aberta.

A médica respirou fundo, cerrou os punhos e apenas concordou com a cabeça.

Ela que havia conhecido Alice apenas em seu estado mais grave, sentia pena da menina ter uma mãe que não se importava com ela, sentia pena do que tinha acontecido com ela no hospital psiquiátrico. A psicóloga abraçou a médica calorosamente e agradeceu todo o esforço feito na tentativa de salvar Alice, mesmo que ela não tivesse resistido aos medicamentos e a hemorragia.

A psicóloga chegou em casa naquele mesmo dia, triste e desmotivada, mas não só porque tinha perdido uma paciente e sim porque Alice sempre ia nas suas sessões conversar para "abrir a mente", como a menina dizia. Em seu site, no qual compartilhava as experiências para que outros pacientes pudessem se inspirar, escreveu sobre Alice.

" Data: 4 de Maio de 1863.

Horário de postagem: 22h01

Boa noite à todos os pacientes da Clínica Cecil Rain.

Infelizmente esta noite não trago-lhes uma notícia alegre e muito menos inspiradora, talvez seja inspiradora para aqueles que enxergam a vida como uma coisa passageira ou monótona, esta noite perdemos a paciente Alice Brown que estava internada no Hospital Psiquiátrico Bethlem Royal em Beckenham UK, onde tratavam de sua Esquizofrenia Paranóide, e que ela acreditava estar sempre sendo perseguida pelos amigos e família. Ela também sofria ataques de ansiedade, acreditava que algo iria acontecer de ruim a todo instante, levando então ao que teria sido sua internação no hospital.

Seus pais a abandonaram em um orfanato chamado The Children's Society quando completou 5 anos porque acreditavam que Alice estava possuída e seu comportamento não era o de uma criança normal. A menina se tornou muito amiga de minha prima Ivy M. Rain que trabalha como estagiária no local, ela contava que Alice adorava brincar com os seus cabelos loiros e disse que um dia queria ser igual a ela, até um dia ela brincando de desenhar com um lápis rasgou o lado esquerdo da boca de Ivy que rapidamente foi socorrida pelos bombeiros e levada ao médico.

A coordenadora do orfanato achou melhor afastar um pouco Alice das outras crianças e chegaram a ligar para a Senhora Brown algumas vezes, mas esta não se importou com a atitude da menina e disse que ela tinha mais o que fazer e que deveriam levá-la numa igreja ou chamar um Padre para exorcizá-la. No 8° aniversário de Alice, a diretora do orfanato conseguiu transferir a menina para o Hospital Bethlem Royal no qual ficou até o presente momento antes de ser internada na Clínica Cecil Rain.

Durante algumas de nossas sessões que duravam 1h, Alice me contou que sentia muita falta dos pais e que se sentia a maior parte do tempo sozinha. Ela contou que os tratamentos lá eram abusivos, que as médicas a xingavam o tempo todo mandando ela engolir o remédio logo e que os enfermeiros tentavam se aproveitar dela sempre que ela estava dopada por causa dos medicamentos.

Alice era uma menina fechada e tímida, dividia o quarto dela no Hospital com uma menina que tratava da depressão e disse que diversas vezes a menina se cortava com uma tesoura que guardava debaixo do travesseiro. Ela me perguntava como era vida fora do Hospital, se eu tinha amigos e o que gostava de ler.

Alice também disse que adorava desenhar e que como forma de passatempo, ela desenhava todos que conhecia no Hospital em forma de coisas que para ela eram engraçadas. Os desenhos ficavam em um caderno que ela guardava debaixo do travesseiro, e que ela costumava desenhar antes de tomar os remédios.

Ela disse que imaginava a janela do quarto como uma passagem, então mostrou o desenho de uma árvore com um buraco embaixo. Quando questionei qual árvore era, ela disse "Aquele salgueiro do lado de fora da janela".

Me contou que o desenho que fez de um homem baixinho, era o Chapeleiro e que era a menina que compartilhava o quarto, "Ela é muito doida, mas é minha amiga".

"Essa é a Dama de Copas, o vestido dela é como se fosse uma carta de baralho, que nem a diretora joga... ela é um pouco má.", disse ela quando a diretora do Hospital estava esperando sua sessão encerrar.

As cartas ou guardas como ela disse, eram os enfermeiros.

E por último, como ela disse... o coelho, que andava com um relógio. "Espero um dia sair daqui", me disse inúmeras vezes afirmando querer viver em um mundo paralelo ao que vivia.

Alice disse que queria ser como Ivy, por isso sempre se desenhava de cabelos loiros e vestido azul. Ela afirmava em todas as sessões que tinha o mesmo sonho todas as noites e achava que já estava vivendo neles, "Sonhei outra vez que um coelho me matava, Senhora Cecil. O que será que significa isso?", ela me perguntava e eu respondia "Está matando o tempo ou tempo está te matando, Alice?" e caíamos nos risos.

Essa é a história que queria compartilhar com vocês e dizer para não desistirem de viver, alguns tem a chance de viver e outros querem viver. Alice queria viver, mas infelizmente não possível e seu maior sonho que era terminar o tratamento e ver o mundo não foi realizado.

Um beijo para todos e boa noite.

- Doutora Cecil Rain."


ALICE ESTÁ MORTAOnde histórias criam vida. Descubra agora