onze

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     — O que? — pergunto confusa antes de me virar para a cena e entender: estávamos revivendo o momento em que Marcos pega os papéis dos meus estudos e os lê em voz alta para mim. — Onde estão meus papéis?

     — Os joguei em cima do armário. Caramba! — diz Marcos.

     Marcos tapa a boca, apavorado. Eu temia que ele começasse a sofrer algum efeito físico devido ao paradoxo temporal. Mas não, nada aconteceu. Marcos observava a cena atentamente como se fosse um filme de aventura.

     Observávamos o Marcos "tridimensional" (o do passado) conversando comigo (também do passado) sobre os estudos, e como eu na época estava sem esperança e desacreditada em continuar o projeto que era meu sonho desde a infância.

     — Não queria jogar na cara, mas... — sussurra Marcos — Só estamos aqui porque eu retirei esses papéis do armário e meu eu do passado incentivou você.

     E era verdade. Só estávamos em uma representação de quatro dimensões do espaço-tempo e em um loop temporal porque o Marcos de agora retirou os papéis do armário para o Marcos do "passado" os ler para mim.

     — Ah, tudo bem! — digo revirando os olhos — Mas mantenha distância, não conheço a gravidade que os efeitos paradoxais podem causar em você.

     — E em você. — diz ele. — Temos a sua representação do passado ali também.

Dei de ombros, e antes que pudesse dizer qualquer outra coisa, fomos jogados em um impulso para fora daquele ponto específico no tempo, e estávamos novamente no hipercubo, observando infinitos momentos em nossas vidas.

Flutuamos por alguns segundos, e antes que pudéssemos ter qualquer reação, começamos a nos aproximar rapidamente de um "local" no tempo, e caímos no chão em um baque seco. Desmaiei.

Eu fiquei apagada por alguns segundos, mas acordei com um gemido de dor de Marcos. Sentia muita dor na perna, coloquei a mão na coxa, e senti que minha calça havia rasgado da metade da
coxa até o joelho. Por mais que tentasse, não conseguia abrir os olhos.

— Marcos? — pergunto, mas não obtive resposta. — Marcos?! — pergunto mais alto.

Ouvi ele responder entre gemidos de dor. Abri os olhos lentamente, e percebi que estávamos no galpão onde a máquina foi construída, porém observei que essa cena não era nova, quando vi eu mesma do passado olhando curiosamente a anomalia gravitacional que aconteceu à volta do meu celular. Tentei responder Marcos, mas senti minhas forças irem embora.

• • •

Sinto minha cabeça pesar. Silêncio. O que aconteceu? Incialmente perdi a orientação espacial, mas quando percebi que estava recostada em algo, abro lentamente os olhos.

— Raquel? Você está bem?! — a voz se torna mais nítida a cada segundo. — Raquel?

Era Marcos me segurando em seus braços e me chamando. Levanto a mão para sinalizar que estou bem. Sacudo a cabeça.

— Estamos no tesserato ainda? — pergunto confusa.

— Estamos em quarenta minutos atrás. — ele tira meu cabelo do meu rosto — Estudando a anomalia gravitacional.

Me recompus surpreendentemente rápido, e já não sentia mais minha perna doer. A proximidade que eu estava de Marcos naquele momento fez minhas bochechas queimarem. Me levantei rapidamente. Observei que não havia nenhum ferimento debaixo do corte diagonal da calça.

     — Eu também achei que tinha me machucado, mas não havia marca alguma. — disse ele ao perceber que eu estranhava a ausência de lesões em minha perna — Você está bem?

     Balanço a cabeça em sentido afirmativo, enquanto observava curiosamente minha perna. Apesar de ter estudado muito sobre viagem dimensional, me sentia despreparada para conduzir a mim e meu amigo em algo tão arriscado. Volto meu olhar para Marcos.

     — E você, está bem? — digo.

     — Estou. Obrigado.

     Marcos ia falar algo, mas o interrompi ao bater em seu ombro para chamar sua atenção para a cena que estávamos presenciado: eu e Marcos do passado observando curiosamente o que havia acontecido com meu celular.

     — Hey! — gritou Marcos.

     Dei um pequeno pulo de susto.

     — Você é doente?! — digo irritada com o susto.

     — Por que eles não os ouvem? — pergunta Marcos apontando para nós do passado.

     — Nós somos como fantasmas para eles. — digo revirando os olhos. — Nossa audição tridimensional não está apta para receber o comprimento de onda da dimensão que estamos agora. Só podemos atuar fisicamente no passado através da única força que pode viajar entre dimensões...

     — A gravidade. — complementa Marcos.

     Ele põe a mão no bolso e retira um papel dobrado. Ele desdobra-o, e me aproximo para ler.

     — "Me chuta"? — questiono a mensagem escrita em letras grandes na folha de papel.

     — Somos como fantasmas para eles. — Marcos diz em voz baixa. — Sempre quis fazer isso.

     Antes que eu pudesse perguntar qualquer coisa, ele corre para nossas representações do passado e se aproxima de mim (do passado). Quando começou a ser criada uma sombra radial à volta do papel, Marcos cola-o em minhas costas. Ele solta uma gargalhada infantil.

     — Isso não tem graça. — digo ao cruzar os braços.

     Ele volta para meu lado e solta outra gargalhada enquanto olha para mim.

     — O que foi? — digo indignada enquanto ele apontava para mim e para meu eu do passado entre gargalhadas.

     Foi aí que eu percebi que o papel que estava colado no meu eu do passado estava nas minhas costas também. Obviamente. Ele fez uma pequena alteração no passado, criando uma nova realidade, no caso, em minhas costas. Retirei-o irritadamente de mim antes de olhar para cima e perceber que a imagem daquele momento estava se dissipando, e que o hipercubo estava se fechando.

     — Não fui eu. — disse Marcos ao perceber a alteração no ambiente.

     — Precisamos sair daqui, agora! — berro.

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