— Como assim, você? — disse Marcos.
— Era minha voz... numa interferência.
— Uma gravação, ou algo do tipo? — perguntou assustado.
— Não, não! — digo balançando a cabeça tentando afastar essa confusão da minha cabeça. — Era eu. Senti que era eu. Mas eu nunca disse isso antes!
— Como assim? Não faz sentido pra mim.
— Ela... eu estava tentando me avisar sobre algo. — digo me soltando delicadamente dos braços de Marcos ao sentir mais firmeza em minhas pernas.
— O que houve? O que ela disse?
— Não conseguir ouvir direito. — minto. Ela disse para eu não me desesperar, e que Marcos está em perigo. Disse que ele não obedeceu uma regra que criamos, mas eu não ouvi mais do que isso ao instintivamente jogar o telefone para longe. — O som estava muito ruim.
Quando me levantei e me senti mais firme, Marcos se aproximou vagarosamente do telefone que estava jogado ao chão. Ele se agachou e tentou puxar uma ferramenta que agora estava fixa ao chão, como um imã, assim como o celular.
— Magnetismo? — diz ele, analisando.
— É a gravidade. — digo. — Não pode ser!
Marcos me olha assustado.
— Isso é uma anomalia gravitacional. — completo. Me abaixo e meu cachorro corre em minha direção.
Faço um cafuné em meu cachorro. Marcos observa a cena, confuso. Apesar da mensagem me preocupar, admito que fiquei muito curiosa com o que aconteceu, o que me faz querer seguir adiante com o propulsor.
— Como assim? — diz Marcos.
— A gravidade tem a capacidade de se mover entre dimensões. Não consigo pensar em outra hipótese.
— Isso é meio esquisito.
• • •
Então, chegou o grande dia. Estava tudo pronto para testarmos a viagem em nós mesmos. Eu estava extremamente nervosa, devido à grande responsabilidade e ao fato da interferência que recebi no meu celular há seis dias atrás.
— Quer mesmo que eu vá com você? — disse Marcos, depois de eu afirmar que quero que minha primeira viagem interdimensional seja junto com ele.
— Pra falar a verdade, é melhor que nem viajemos sozinhos. Em algum caso de emergência, temos um ao outro. — digo enquanto coloco meus óculos de proteção.
— E também em casos da gente querer fazer alguma besteira na linha do tempo. Temos um ai outro para monitorar. — diz Marcos, antes de fazer uma longa pausa. — Na verdade, acho que a gente deveria criar algumas regras para viagens temporais.
Gelei instantaneamente ao ouvir. Regras. Seriam essas regras, segundo eu mesma do futuro disse, que Marcos desrespeitou? Sinto um nó na garganta.
— Primeira regra: nunca viajar sozinho. Segunda regra: não matar bisavô das pessoas para apagar a mesma da existência. — continuou Marcos.
— Terceira regra: não impedir a morte de ninguém. — digo, ainda me sentindo estranha. — Isso pode causar um enorme paradoxo temporal, alterando totalmente a linha do tempo...
— De forma que apenas o viajante saiba as alterações. — complementa Marcos.
• • •
Após alguns minutos, está tudo preparado. Marcos liga a máquina, ajusta alguns controles e corre para meu lado, abaixo do propulsor. Coloca seus óculos de proteção. O som agudo se torna a cada segundo mais ensurdecedor. Espontaneamente, seguro a mão de Marcos.
E começa. Se forma um vórtex à nossa volta, juntamente com feixes azuis de luz. Inicialmente, sinto meu estômago se revirar, e sinto uma dor forte na cabeça, juntamente com uma sensação de movimento para cima. Depois, sinto como que se meus membros estivessem sendo rasgados. Fecho os olhos por alguns segundos, seguro forte a mão de Marcos, e quando as dores cessam, abro os olhos.
Escuridão. Marcos também abre os olhos e observa à sua volta. Silêncio.
— Onde estamos? — pergunta. Sua voz ecoa.
Abro a boca para falar algo, mas me calo ao ver algo se aproximando de nós. Ou melhor, a gente se aproxima dele, ao sentirmos que estamos "caindo". Algo em formato cúbico, que brilhava. Ao chegarmos mais perto, percebo que não se trata de um cubo, e sim de um tesserato. Entramos naquilo, e vemos vários momentos em nossas vidas, por todos os lados. Eu e meu irmão jantando. Eu e Marcos conversando no trabalho. Paramos, como se estivéssemos pousando. Sinto meus pés tocarem no chão, apesar de não ter nada debaixo deles.
— O que é isso? — diz Marcos perplexo.
— Nós não dobramos o espaço-tempo, apenas. — digo — Estamos em uma representação tridimensional do espaço-tempo. Das quatro dimensões.
Marcos me olha confuso e assustado ao mesmo tempo.
— Nós temos três dimensões físicas: largura, altura e profundidade. — explico — E a quarta dimensão é o tempo. A nossa percepção do tempo é de forma linear. Mas, e se tivermos a percepção temporal como pentadimensionais?
— Não entendi absolutamente nada. — diz Marcos enquanto admira tudo à sua volta. — Viramos seres pentadimensionais?
— Seres pentadimensionais não existem. Mas se existissem, o tempo pode ser apenas uma barreira física, como uma montanha, ou uma estrada, de forma que eles possam andar para frente ou para trás.
— Continuo não entendendo.
— Somos seres tridimensionais, certo? O tempo para nós é como uma estrada, e nós somos um carro andando nela, sempre para frente. Não sabemos o que tem cem metros à nossa frente. — explico — A quarta dimensão para nós, seria tão incompreensível quanto explicar a um cego de nascença o que é a cor azul.
— Ok, estou entendendo. — diz Marcos enquanto observa cada canto temporal do tesserato.
— Se pudéssemos manipular a nossa percepção dimensional, para uma perspectiva pentadimensional, nos tornaríamos uma pessoa no último andar de um edifício, que consegue ver a estrada como um todo: onde estamos, cem metros atrás e cem metros à frente. O tesserato é uma forma tridimensional de representar as quatro dimensões.
Marcos sorriu. Estava muito animado, admito que eu também estava. Quem não estaria? Estávamos vendo o tempo fisicamente, como um todo.
— Para onde vamos agora? — diz Marcos.
— Para onde, não. Para quando.
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dobra espacial
Science FictionQuando uma garota descobre como viajar entre dimensões temporais, através de uma máquina que pode dobrar o espaço-tempo, todo cuidado é pouco.