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Vários momentos de nossas vidas estão naquele espaço. Somos capazes de pular alto, como se a gravidade fosse mais fraca ali. Marcos dá um pulo alto e me mostra um certo momento no tempo: alguns minutos antes do momento em que Marcos achou meus papéis com meus estudos.

     Esse era o nosso passado, e estamos nele novamente.

     O local era o mesmo, tudo estava no seu devido lugar, mas ao mesmo tempo tudo estava meio nebuloso. É como se as três dimensões em que estávamos acostumados não fossem ideais, ou suficientes. Meus pensamentos foram interrompidos com a voz de Marcos:

     — Meu Deus, o que é isso? — diz ele com uma voz de curiosidade e preocupação ao mesmo tempo.

     — O que foi? — digo me virando rapidamente na direção do meu amigo.

     Marcos acenava para o espelho que ficava na garagem do trabalho, mas o que aparecia do outro lado não era seu reflexo. Era ele, mas não naturalmente. Fisicamente. Era algo que parecia uma ondulação na paisagem, uma distorção. Ele estava normal para mim, mas para o mundo tridimensional, não.

     Empurro ele levemente e também me olho no espelho. A mesma coisa aconteceu. Olho para minhas mãos. No meu campo de visão, elas estavam normais, mas quando olho para o espelho, sou apenas invisível, mas distorcendo a paisagem.

     Me aproximei e tentei tocar o espelho. Ele não era uma barreira física para mim, apenas se distorcia, como se o espaço-tempo fosse um lençol ou uma superfície aquática, que causava ondulações no ponto de contato. Tentei tocar a parede, e o mesmo aconteceu. Então finalmente, compreendi.

     — Ah, entendi. — digo, olhando para minhas mãos.

     — O que está acontecendo? — pergunta Marcos.

     — Estamos causando distorções no espaço-tempo. Para os tridimensionais, somos incompreensíveis. — sorrio empolgada.

Marcos ri de uma forma ansiosa, e corre para tentar abrir seu armário, mas sua mão o atravessa, apenas causando ondulações.

— Não podemos tocar em nada, estamos em uma representação de quatro dimensões do espaço-tempo. — diz ele, olhando confuso para o armário.

Balanço a cabeça em sentido afirmativo. Mas logo me lembrei de algo. A ligação do meu eu do futuro, através de anomalia gravitacional.

— Isso tudo é uma representação física da quarta dimensão, então a única força física que podemos atuar aqui, é a gravidade. Ela é a única que transcende e viaja entre dimensões. — digo tocando a parede — Isso é incrível!

    — E como vamos fazer isso? — diz ele.

    — Vamos ter que aprender. Como uma criança aprende a exercer uma força física sobre um brinquedo, ou quando aprende a andar.

     Corro para fora do local onde guardamos nossas motos. Olho para os lados para ver se não há ninguém por perto. Chego perto de minha moto, onde havia uma bússola. Então percebi que o ponteiro me acompanhava de acordo com que eu me movia. Marcos se aproxima.

— Venha ver isso. — digo apontando para a bússola. — Estamos causando uma anomalia gravitacional.

Marcos põe a mão na boca para não gritar. Ele estava tão impressionado quanto eu. Olhei para a chave do meu armário, mas eu não poderia tocar nela diretamente. Entrei novamente na garagem.

     Então percebi que o que víamos não estava nebuloso, mas sim representado de uma forma que poderíamos mover os objetos através da gravidade. Percebi que havia uma distorção vertical, como uma sobra radial acima e abaixo dela.

     Marcos também percebeu o que eu vi, e tomou a frente e tocou naquela sombra, e a chave se moveu. Ele recuou bruscamente, com o susto. Eu rio, toco a sombra também e chave se move. Nos entreolhamos. Giro a sombra lentamente com um empurrãozinho, e abro o armário. O estalo dele se abrindo assusta nós dois.

     — Isso é incrível! — diz Marcos enfiando a mão no meu armário.

     — Ei! — digo dando um leve tapa em sua mão.

     — Calma, Raquel. — diz ele, antes de puxar os papéis dos meus estudos do armário.

     Quando Marcos ia abrir a boca para falar algo, somos interrompidos com o abrir da porta. Puxei Marcos instintivamente pelo braço para trás dos armários. Quando observamos cuidadosamente quem estava entrando, nos surpreendemos com o que vemos, por mais previsível que poderia ser.

     — Caraca, sou eu! — sussurra Marcos empolgado.

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