SEGUNDO ATO - SCHIMATE

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Depois do almoço, passei o resto do dia ouvindo os vigias relatar o que viram a noite. Todos disseram a mesma coisa; a única pessoa que esteve no convés durante a madrugada foi o Imediato, por volta das duas e meia da manhã. Uma hora e meia mais tarde, durante a troca de turno, o corpo foi encontrado.

Quando eu era mais novo sonhava em entrar para a Scotland Yard, hoje vejo a falta de sabedoria de uma criança, mal terminou o primeiro dia e eu já estou cansado disto:

— Como anda a investigação? — perguntou Phillip antes dele e dos outros meninos sentarem-se à mesa onde eu estava.

— Como você sabe disso?

— O Capitão falou, não é segredo para ninguém! — Jim respondeu.

Levantei meus olhos e vi que tinham mais pessoas me olhando do que eu gostaria. E nem todos eram olhares amistosos:

— Descobriu algo? — perguntou Bem.

— Nada relevante!

— Gostaria de compartilhar conosco?

— Acredito que não seja adequado... Onde esta Clara?

— Vigiando o morto, como se ele fosse fugir! — zombou Phillip.

— Podemos te ajudar com algo? — perguntou Sam.

— Sim! — uma euforia crescente brilhou nos olhos dos garotos. — Descubram o máximo de informações sobre ele para mim.

— Pode deixar! - disseram em uníssono.

Terminamos o jantar e eu fui o primeiro a me deitar, mas custei a dormir. Sempre que fechava os olhos minha imaginação ilustrava a descrição do corpo feita por Clara. Passei a noite flertando com Hipnos e só consegui dormir pouco antes dos primeiros raios de sol. Um sono que não durou muito:

Senti meu corpo chacoalhar:

— Hey Daniel, acorde, temos a informação que você queria!

Ao abrir olhos, e a primeira imagem que vejo é o rosto sorridente de Phillip:

— Você não podia esperar até que eu acordasse? — falei me levantando da cama.

— Aí não teria graça!

— Okay, o que vocês descobriram?

— Jeremy tinha vinte e dois anos, três deles vivendo aqui. Ele dividia uma das acomodações da terceira classe com seu amigo Isaac.

— Qual o número do quarto?

— G60!

— Ótimo trabalho Phillip, agradeça aos outros por mim.

— Você não vai tomar café da manhã conosco?

— Não, preciso falar com uma pessoa primeiro! — entrei no banheiro.

A porta branca estendia-se inerte na minha frente. Respirei fundo e, com os nós dos dedos bati três vezes na folha de madeira. Ouvi passos se aproximando do outro lado da porta, e então ela se abriu. Ele olhou-me por um momento e em seguida fez sinal para que eu entrasse:

— Eu estava me perguntando quando teria a honra de receber uma visita sua! - disse o Imediato em um tom meio sarcástico antes de fazer sinal para eu me sentasse em uma poltrona.

— Você sabe por que estou aqui não sabe?

— Sei, e estaria mentindo se dissesse que estou surpreso. Desde que você chegou aqui ele não para de falar de você!

— O Capitão? - o Imediato concordou.

Por algum motivo saber disso fez meu estômago revirar-se:

— Sinta-se a vontade para começar o interrogatório Sherlock.

— De acordo com os vigias você foi visto andando pelo convés horas antes do corpo ser encontrado, você confirmar isso?

— Elementar meu caro Watson! – vi ele pegar uma garrafa que estava no criado mudo ao seu lado e dar um longo gole.

— O que você estava fazendo?

— Andando.

— Só isso?

— Fumando!

Silêncio. Seus olhos não baixavam, permaneciam fixos, firmes nós meus.

— Você costuma sair para fumar durante a madrugada?

— Não!

— Alguma razão especial para você ter saído noite passada? - vi seu corto ficar ereto e seus músculos enrijecer.

— Sim, era meu aniversário.

Senti o espanto dominar meu rosto, e percebi que desde ontem este tem sido o principal adereço de minha face:

— Deixe-me te contar uma história Daniel... Era uma vez um homem recém-casado que herdou do pai uma pequena porção de terra. Seus primeiros anos ali foram bons e produtivos, viviam daquilo que plantavam e assim eram felizes. Estavam cientes dos problemas do país, estavam cientes que o Czar tinha renunciado e que não demoraria muito para a mãe Rússia ver-se banhada no sangue de seus filhos. Mas eles não se importavam com isso, afinal estavam longe de Petrogrado. Porém, no ano em que a guerra civil acabou o casal encontravam-se endividado, o inverno tinha maltratado suas terras e destruído suas plantações. Mas isto não foi levando em consideração pelo credor, um judeu cevado, que enviou homens para cobrar sua dívida.

Sem receber o pagamento, os homens do credor surraram aquele pobre homem até a morte; possuíram sua esposa e atearam fogo a sua casa. Era o fim da felicidade daquele jovem casal, mas não o fim das dores. Nove meses depois a mulher deu a luz a um menino, fruto da barbárie cometida pelos homens do credor. Um menino inocente que mesmo sem ter culpa causava náuseas e ódio em sua mãe. Foi deixado para morrer na porta de uma igreja, porém antes que a morte o levasse, uma caravana de ciganos o encontrou, o alimentou e o acolheu.

O menino cresceu como nômade, sem casa fixa, sem amigos a não ser os filhos dos outros ciganos. Tinha doze anos quando atravessaram a Polônia e montaram acampamento na Alemanha, almejava chegar na França, em Paris, ver a torre Eiffel. Mas isso nunca aconteceu.

Quando o grupo de ciganos estavam próximos a fronteira com a França, foram atacados por mercenários. Ouviu Olga, a mulher que lhe criará gemer quando uma bala atravessou seu coração. Foi a última vez que a viu.

Sozinho ele atravessou a fronteira ecaminhou sem rumo pelo território francês. Quando estava presentes a morrer dedesidratação, foi encontrado por um menino de quinze anos que o levou para suaTerra do Nunca.

A CIDADE DOS ESQUECIDOSOnde histórias criam vida. Descubra agora