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INFERNO.
Muitos temem a morte por ter medo de ir para o inferno, o lago de fogo eterno. Pessoas que passam a vida na boêmia atulhados de luxuria e concupiscência só se preocupam com a vida eterna quando o anjo da morte bate em sua porta. Em vão eles tentam enganar a morte utilizando enfeites, adornos ou até corrupção. Esquecendo-se do castigo de Sísifo.
A morte é um dos poucos fatos que iguala os homens. O julgamento de Minos não faz acepção e não é abrandado por títulos de nobrezas ou posses. Quantos reis, rainhas, imperadores e homens poderosos não estão sofrendo em um dos ciclos do inferno? Quantos homens que enquanto na Terra eram considerados santos estão hoje padecendo no Hades?
Não temo a morte, simpatizo com ela, não importa para onde eu vá duvido que qualquer lugar possa ser pior que esse mundo.
Abro os olhos e sou imediatamente nocauteado por um feixe de luz como da primeira vez. Respirei fundo e senti como se dezenas de agulhas perfurassem meus pulmões. Estava novamente na enfermaria sobre a vigia de Clara que ao me ver acordar não ofertou-me um sorriso condescendente como daquela vez, mas um sincero enquanto apertava minhas mãos:
— Você esta bem?
— Tirando o fato que parece que alguém dançou tango no meu peito, estou bem!
— O que aconteceu com você?
Não respondi:
— Daniel te perguntei algo, por que você se jogou do navio?
Continuei sem responder:
— Tudo bem, o Capitão deseja falar com você. — observei suas mãos se separarem das minhas e seu corpo levantar da cadeira.
Poucos minutos após Clara sair da enfermaria escutei a porta abrir novamente, e então aquela figura alta e esguia apareceu no meu campo de visão. Seu olhar e seu sorriso emanavam condescendência:
— Você esta bem Daniel?
— Já tive dias melhores. — o vi sorrir, então ficamos em silencio. — Lamento tê-lo desapontado.
— Quando você me desapontou Daniel?
— Você confiou a mim a tarefa de inocentar seu homem de confiança e tudo que eu fiz foi quase morrer.
— Não, você não só provou que Rurik era inocente como também nos entregou o verdadeiro culpado! — percebendo o meu baixo nível de compreendimento o Capitão colocou a mão no bolso e retirou um terço banhado em prata. – Você caiu do mesmo lugar onde o corpo de Jeremy estava pendurado, e quando resgatamos você isso estava enrolado em sua mão.
— Um terço?
— Sim, apresentamos a Dom Carlos e ele disse que pertencia ao irmão Fritz, então fomos ter com ele, que imediatamente confirmou que o objeto sacro realmente lhe pertencia. Ao indagarmos se sabia aonde o objeto havia sido encontrado ele disse que não, e que o havia perdido há alguns dias. Pedimos então permissão para realizar uma revisão em seu quarto e quando a fizemos, encontramos debaixo de sua cama uma Parteiadler.
Senti meu corpo vibrar, minha mente foi encoberta por uma neblina e meus ouvidos se encheram de sons de gritos e explosões. O ar me faltava:
— Daniel você esta bem? — era nítida a preocupação em sua voz.
— Sim, estou bem. — respondi quando emergi daquele tupor. — Aonde ele esta? O irmão Fritz.
— No quarto dele sobre vigilância constante.
— E o que vai acontecer com ele?
— Será julgado pelo Colégio Eclesiástico.
— Quando?
— Tudo depende de você.
— De mim?
— Sim, eles estavam esperando você acordar...
— Espera, quanto tempo eu estou aqui?
— Dois dias Daniel! — senti meus traços faceias se contorcerem em uma careta de espanto.
Silêncio:
— Diga para Dom Carlos dar seguimento no ato, não faço questão de participar!
— Mas...
— Por favor.
— Tudo bem eu entendo. Agradeço por seus serviços e espero que melhore logo! — então ele se foi.
Fiquei ali sozinho, sitiado por aquele ar doentio e melancólico até que o pequeno Jorge e seu sempre bem humorado estado de espirito veio agraciar-me com sua companhia:
— Imagino que esteja com fome nadador.
— Você nem imagina! — Jorge me entregou uma vasilha abastecida com uma substancia esverdeada na qual nadavam inúmeros e variados legumes.
— Clara disse que você deveria comer coisas leves por enquanto. — concordei com a cabeça.
— E onde ela esta?
— Parece que alguém se machucou nos Campos de Plantação então...
— Já entendi.
Ficamos em silêncio enquanto eu ingeria aquele caldo:
— Por que esta me olhando assim?
— Clara me pediu para ficar de olho em você.
Fiquei em silêncio:
— Eu ouvi que o julgamento do irmão Fritz será amanhã às 09:00, você ira participar?
— Não!
— Por quê?
Suspirei:
— Jorge eu estou cansado gostaria de dormir um pouco.
— Certo. Vou te deixar descansar.
— Obrigado pela comida.
— Agradeça a Clara, foi ela que fez!
Mesmo após ter uma experiência de quase morte não tive direito a uma noite de sono tranquilo, pois fui envolto em mais uma das fantasias de Morfeu.
Em meu sonho, estou caminhando por um dos corredores do navio, tudo parece normal. Até que sou surpreendido por gritos. Eram altos e alcançavam alturas variadas como se saíssem de homens, mulheres e crianças. Segui aquele aglomerado de sons até uma porta de metal, senti meus tímpanos vibrarem com aquele ruído que agora parecia bem mais alto. Era como se aquela porta fosse à entrada para o inferno.
Tomado por algo entre curiosidade e preocupação iniciei a tarefa de abrir a porta. Girei incessantemente a fechadura fixa no centro da estrutura até a porta ceder e apresentar um cômodo mergulhado em trevas. Era como se Nix reinasse absoluta ali.
Ainda encarava toda aquela escuridão quando uma corrente de ar putrefato emanou daquele cômodo. Os gritos foram aos poucos se transformando em sons de água como se um grande rio corresse lá dentro. Antes que eu pudesse exercer qualquer movimento um gigantesco turbilhão de água invadiu o corredor e me arrastou para o interior daquele cômodo escuro.
Então acordei.
Senti meu coração bater desesperadamente...
Senti meu corpo tremer...
Senti o ar faltar em meus pulmões...
Paulatinamenterecuperei o ar e consegui acalmar meu coração, minhas roupas estavamencharcadas de suor. Com certa dificuldade me sentei na cama e observei o leitodo lado. Sobre ele repousava uma tolha e algumas roupas, não sei quem astrouxe, mas por um algum motivo desejei que tivesse sido Clara.
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A CIDADE DOS ESQUECIDOS
Mystery / ThrillerApós acordar em um lugar desconhecido, Daniel descobre uma civilização autônoma liderada por uma misteriosa figura a quem todos chamam de Capitão. Alguns meses depois de sua chegada fatos estranhos começa a acontecer e cabe a Daniel e seus novos ami...