QUARTO ATO - CREPÚSCULO

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Estava na minha frente, real e sólida como o ferro que a forjava. Por várias noites sonhei com aquele corredor, com aquela porta, e agora realmente estava ali.

— Quando me ofereci para te ajudar eu não imaginava que teria que roubar do Capitão! – disse Phillip parando ao meu lado.

— Você encontrou?

— Sim! – Phillip me entregou o objeto prateado. Agora em minhas mãos pude observa-lo bem e confirmar que aquilo um dia foi um crucifixo.

Caminhei até a porta e segurei firmemente na fechadura fixa no centro da estrutura:

— O que você está fazendo? Daniel não faça isso, essa é a zona proibida não podemos entrar ai!

Ignorei os protestos de Phillip e girei a fechadura até a mesma ceder. A porta abriu com um gemido metálico, uma corrente de ar fétida e putrefata nos deu as boas-vindas a aquele ambiente sombrio como a noite:

— Daniel ainda temos tempo de ir embora, ninguém vai saber que estivemos aqui!

— Phillip, me passe a lanterna. – pedi estendendo-lhe a mão.

Temerário o garoto me entregou o objeto e em seguida caminhamos a passos lentos para o interior daquele lugar. A escuridão era tão intensa que a lanterna em minha mão só conseguia iluminar alguns passos a nossa dianteira. Quanto mais avançávamos mais frio aquele ambiente ficava e mais aquele cheiro desagradável aumentava. Phillip estava agarrado ao meu braço, podia sentir suas mãos tremendo enquanto me apertava:

— Daniel que cheiro horroroso é esse? — antes que eu pudesse responder o feixe de luz da lanterna iluminou algo que fez Phillip gritar e apertar ainda mais meu braço. Uma ossada humana.

— Cheiro de morte Phillip! – abandonei o garoto atônito e me aproximei do cadáver. Estava envolto em alguns retalhos, e tinha um rosário prateado enfeitando suas costelas. Enfiei a mão em meu bolso e retirei o crucifixo quebrado que Phillip pegará da mesa do Capitão. Meu estomago começava a dar voltas quando todo aquele ambiente foi inundado por uma intensa luz e por sons de palmas e risos.

— Parabéns Daniel, vejo que você encontrou o Irmão Fritz!

Meus olhos demoraram um pouco para se acostumarem com toda aquela luz, mas quando o fizeram pude ver o Capitão parado a poucos metros de mim com um sorriso animalesco estampado no rosto. A chamada Zona Proibida era a área do navio onde um dia funcionou a sala de maquinas. Um batalhão de antigas caldeiras locava-se ali com suas infernais bocas apagadas, muitas já em avançado estado de deterioração. Um emaranhado de plataformas circundava os gigantescos e poderosos pistões que um dia foram responsáveis por mover aquela embarcação pelos domínios de Poseidon.

Porém o que mais espantou Phillip e eu foi a quantidade de ossos espalhados por aquele lugar. Eram centenas de milhares, pinhas e mais pilhas de ossos humanos de todos os tamanhos. Era uma cena que parecia ter sido tirada de algum conto de Edgar Allan Poe. O pequeno Phillip se agarrou novamente ao meu braço e escondeu seu rosto em minhas roupas:

— Capitão o que é isso? – perguntei apontando para uma das pilhas de ossos.

— Ossos Daniel! – o homem respondeu ainda sorrindo.

— Como eles vieram parar aqui? – gritei.

— Eu os trouxe! – o Capitão se abaixou e pegou um crânio. Porém eles tinham bem mais carne naquela época.

A CIDADE DOS ESQUECIDOSOnde histórias criam vida. Descubra agora