6 - parte 3

2.8K 767 181
                                    

DISPONÍVEIS APENAS 6 CAPÍTULOS PARA DEGUSTAÇÃO.---------------------

São quase dez da manhã e nem sinal do Leandro. Já liguei algumas vezes para seu celular, mas ele não me atende. Não sei porque ele tem um celular se nunca o atende. Apenas por curiosidade, ligo para Lorenzo, para saber como está sendo o primeiro dia da Anna, mas ele diz que ela não apareceu. Consigo o número dela em seu currículo, mas ele sequer chama quando tento. Será que aconteceu alguma coisa?

Repassando a noite passada na cabeça começo a me dar conta que, mais uma vez, fui um babaca com ela. Primeiro, a convidei a entrar, conversamos por horas, bebemos juntos e então a coloquei para fora com uma chuva iminente sem ao menos pensar duas vezes. Será que ajudaria contar a ela que nem transei na noite passada porque fui atrás dela reparar meu erro? Bem, espero que sim, porque da próxima vez em que a vir, depois da bronca que darei nela por não ter aparecido para a entrevista, vou me desculpar por tê-la enxotado daquele jeito. E claro, por ter rido como um maluco no abrigo. Ela provavelmente pensa que ri dela, do lugar, não da situação.

As horas vão passando, nem Leandro, nem Anna me atendem. Ele não vem trabalhar e é a primeira vez em anos que não vem. Não consigo comer nada durante o almoço. Sinto um zumbido em meus ouvidos, como o presságio de uma mudança, algo ruim se insinua no ruído do vento.


Leandro chega ao final da tarde. Estou há horas nesta sala preso em lembranças, em sentimentos, esperando a mudança. Não é nada que eu não posso controlar, sou o dono do meu mundo, eu controlo tudo. Leandro se senta à minha frente e pergunto se está tudo bem, ele diz que sim, que estava com Anna, se despedindo dela.

— Para onde ela foi? — pergunto e volto a mexer no celular, como se não me importasse.

— Ela saiu da cidade. Foi tentar a vida em outro lugar. Ela não tinha nada aqui mesmo.

— Ela tinha um ótimo emprego que consegui para ela, talvez não fosse tão bom assim aos olhos dela, já que preferiu dispensá-lo, não é mesmo?

— Ela não queria nenhum favor seu. Como você a coloca para fora de sua casa, Lucca? E depois vai atrás dela e a humilha? Você riu do lugar onde ela estava, a chamou de moradora de rua. O que você tinha na cabeça?

Alívio. Alívio por saber que você e ela não estavam dormindo juntos, mas não vou dizer isso. Não vou dizer nada. Dou de ombros, como se não fosse nada demais.

— Quer saber? Eu achei pesado quando li, mas acho que você merece. Cada linha aqui, você merece. Ela deixou isso para você.

Ele coloca um papel sobre a mesa e deixa a sala. Demoro um pouco a pegar o tal papel porque sei que esta é a mudança. Se vem de Anna não é algo que possa me afetar, ainda assim temo tocar o papel e descobrir seu conteúdo. Espero mais alguns minutos, recuso ligações, desligo o celular e observo o papel. O pego finalmente, olho pela janela os carros abaixo de mim. O dia está perto de se despedir, e Anna também, esta deve ser uma carta de despedida. Bem, melhor assim, não é? Eu não a queria por perto.

Abro o papel finalmente e leio de pé, o céu acima da minha cabeça através do vidro enorme da janela, a cidade abaixo dos meus pés, meu lugar seguro. O lugar a que pertenço.


Quanto vale uma pessoa? Se a importância de alguém for um número, um valor real que você possa pagar por ela, quanto acha que você valeria? Mais do que eu por ser homem? Por ser rico? Branco? Bem sucedido? Por suas escolhas e descendência? Quanto vale uma pessoa qualquer em sua cozinha à noite, esperando que uma tempestade caia, segura porque sabe que não estará sozinha quando ela chegar. Para você, menos do que um sobrenome em sua sala disposta a tirar a roupa. Para você, pessoas podem ser definidas por seus erros, por suas casas, pelo lugar onde dormem, pelo cargo que ocupam. Como se um uniforme roxo de faxineira diminuísse o valor de alguém que antes usava uma roupinha social de recepcionista.

Acaso ou destino - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora