Capítulo 4

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Heloísa

Não sei dizer em que momento Gabriel deixou de ser o garoto estranho do prédio ao lado para se tornar uma das minhas principais companhias diárias. Admito que, quando ele atirou um avião de papel em minha janela, eu estava me sentindo sozinha. Era um dos dias em que meu humor não estava bom, não sentia ânimo e tentava lutar contra a vontade de passar o tempo todo na cama. E, como se fosse coisa do destino, seu aviãozinho bobo encontrou seu caminho até mim e melhorou tudo. Lembro que, quando precisou se afastar porque sua mãe o chamava, eu já não me sentia tão vazia.

Nos dias que se passaram ainda tentei afastá-lo, sem saber como lidar com aquela nova realidade. Não sei dizer se ele estava se fazendo de sonso ou se não percebia, pois continuou mandando aviões, pregando papéis no vidro, fazendo perguntas e insistindo em se aproximar. Aos poucos acabei cedendo — com ele ali eu me sentia menos sozinha no apartamento. Acabava afastando todos os pensamentos negativos e os dias ruins se tornavam menos piores e frequentes. Mesmo assim, quando aconteciam, Gabriel me respeitava e entendia meu espaço, ajudando como podia.

As semanas se passaram rapidamente, a pandemia se alastrando cada vez mais. Nossa amizade também cresceu com o tempo. Gostava de ouvi-lo falar sobre a escola, sobre os pais divorciados ou apenas observá-lo tocando algum instrumento. Quando eu falava sobre meus desenhos, projetos e sonhos, ele não os desmereceria — pelo contrário — me incentivava e divulgava nas redes sociais tudo que eu fazia. Era sempre bom poder ouvir isso de alguém quando eu sentia que nunca alcançaria nada com a minha arte — sensação que era muito mais recorrente do que gostaria.

Com o final do inverno, o calor dominou Belo Horizonte de forma sufocante. E, junto dele, voltaram minhas dores de cabeça e insônia. Os pensamentos continuavam intensamente, por mais que eu tentasse calá-los para poder dormir. Devo ter cochilado por apenas poucas horas quando acordei. O dia seguiu de forma lenta e torturante, uma vez que tinha atividades avaliativas e não podia ignorar as aulas. Á tarde, meus pais foram levar minha avó no médico e me deixaram sozinha. Tentei chamar pelo vizinho, mas ele também não estava lá.

Me joguei na cama, tentando ler um livro. Não consegui evitar de me perguntar o que Gabriel estaria fazendo — talvez tivesse saído com a mãe ou ido visitar o pai. Ainda assim, desejei ter o seu número para poder enviar uma mensagem. Mesmo depois de tanto tempo, não tinha reunido coragem suficiente para pedir a ele, que também não havia dito nada.

Falávamos sobre quase tudo á essa altura, mas ainda me sentia intimidada com a ideia de pedir seu telefone. Essa simples ação tornaria aquilo real. As sensações confusas na boca do estômago ficariam mais intensas ao ponto de que não poderia mais ignorar — como vinha fazendo desde os últimas dias, quando começaram. Isso me assustava. Gostava do que tínhamos e não queria estragar tudo com minha cabeça bagunçada e o coração confuso. Já tinha cometido erros antes e não queria repeti-los com alguém que vinha me ajudando tanto.

Somos apenas amigos, certo? Não devia sentir medo de algo tão simples.

Balancei a cabeça, me forçando a focar nas palavras que pareciam se movimentar na minha frente — o sono fazia minhas pálpebras pesarem e tornava difícil me concentrar no que lia.

Acordei com água atingindo meu rosto.

Me sentei na cama, em um salto, sem me lembrar quando tinha adormecido. Olhei ao redor, me sentindo zonza, buscando entender onde estava e o que estava acontecendo. Fui forçada a despertar totalmente quando mais água atingiu minha pele, junto de intensas rajadas de vento.

— O quê é isso? —resmunguei ao me levantar e correr até a janela.

O mundo estava caindo do lado de fora. O céu estava dominado por nuvens enormes cinzas e a chuva caía tão forte que tinha molhado todo o chão e até minha cama que ficava na parede oposta. Fechei a janela com força, lutando contra o vento que jogava meus cabelos no rosto.

Amor ao LadoOnde histórias criam vida. Descubra agora