Capítulo 2

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Heloísa

Nas últimas semanas, tinha comprado vários potes de tinta, de todas as cores. João, um dos meus pais, tentou conversar comigo para eu parar de desfazer meus trabalhos e gastar tanto, mas não dei muita atenção. Acho que, eventualmente, Marcelo o convenceu de que eu precisava daquilo para voltar a ter contato com a arte e, assim, voltar a me sentir mais como eu mesma.

Na primeira vez, repintei as paredes pois não tinha gostado do resultado — tinha me baseado em referências online, mas não parecia comigo ou com meu irmão. Acabei entendendo porque Rapunzel gostava tanto de colorir todos os cantos da torre, mas eu não tinha tanto espaço quanto ela e a cada nova ideia que me invadia eu precisava desfazer a anterior. Entre uma nova arte e outra, eu fazia algumas aquarelas e desenhos digitais.

Voltei a movimentar minhas redes sociais com fotos, vídeos e interações. Faziam tantos meses que eu não me sentia verdadeiramente motivada com algo que eu não conseguia abrir mão daquilo. Passava quase todo meu tempo no meu "estúdio", com exceção dos dias que tinha que fazer prova ou quando precisava dormir e comer. Devia me preocupar com o ENEM, mas tinha deixado essa ideia de lado, porque apenas me causava ansiedade e dor de cabeça. Haviam coisas melhores e mais importantes para mim naquele momento — a arte. Desde que eu mantivesse minha média, muitas vezes através de cola, meus pais não se incomodavam.

Naquela sexta-feira, já perto da hora do almoço, eu tinha desistido da aula de física. Troquei a aula sonolenta pela trilha sonora da nova versão de "Julie e Os Fantasmas". Eu fazia um novo rascunho na parede, de costas para a janela aberta, enquanto cantarolava. Tinha me afeiçoado pela série não só por me identificar com a Julie, mas, também, porque não sabia quem me atraía mais: sua melhor amiga Flynn ou o fantasma Reggie. Se pudesse beijar qualquer um dos dois eu estaria nas nuvens.

Sonhava acordada com a fanfic que tinha criado para mim mesma, praticamente alheia a tudo, apesar de ainda poder ouvir algum barulho externo provavelmente do prédio ao lado. Como estava acostumada, ignorei, mantendo meu foco no esboço que fazia.

Até que uma bola de papel atingiu a parte de trás da minha cabeça.

E outra bateu em minhas costas.

— O que está aconte... —me virei, confusa, notando que havia meia dúzia de papéis largados no chão.

E foi aí que um atingiu meu nariz.

— Aí!

— Desculpa! —uma voz masculina gritou de algum lugar.

Balancei a cabeça, chutando uma bola que estava em meus pés. O que estava acontecendo ali? Olhei ao redor, sem reconhecer de onde tinha vindo aquele som.

— Estou aqui! —gritou novamente, seguido de uma risada.

Me virei em sua direção e finalmente enxerguei um garoto na janela vizinha, com metade do corpo debruçado para o lado de fora, uma mão apoiada no batente e outra na frente dos olhos, para tentar evitar o sol. Seus cabelos castanhos e lisos brilhavam com a luz.

— O que você está fazendo? —respondi, me aproximando da minha janela.

— Tentando chamar sua atenção. —ele sorriu, me fazendo engolir em seco, receosa— Oi! Meu nome é...

— Meu apartamento não é lixeira! —o interrompi, pegando uma bola que havia caído perto de mim e jogando nele, que resmungou— O que te faz pensar que tem o direito de jogar seu lixo aqui?

Me agachei, reunindo tudo que havia sido jogado. Me virei novamente para ele, que abria a boca para continuar falando. A cada palavra que ele dissesse eu atiraria outra bola de volta nele. Quem ele pensava que era? Talvez mais um branquelo metido que pensava que arte era um desperdício de tempo — haviam muitos desses na minha turma.

Amor ao LadoOnde histórias criam vida. Descubra agora