Capítulo 8

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Gabriel

Eu já tinha levado alguns foras na minha vida — afinal, quem nunca? Mas acho que nada antes tinha sido como aquele. Meus amigos diziam que eu devia desistir desde a madrugada que ela desligou de forma tão repentina e sumiu. Ainda assim, eu insisti. Eu me recusava a aceitar que as coisas fossem ser desse jeito.

Acho que estava louco quando pensei que havia algo mais na forma como ela me olhava e conversava comigo. Era possível, mesmo, que eu fosse o único sentindo tanta coisa? Eu estava alucinando as conversas durante a madrugada? As trocas de mensagens pela janela?

Ainda assim, se Heloísa não gosta de mim, o mínimo que ela precisava fazer é falar na minha cara. Depois, pensaríamos em um jeito de continuar amigos, não precisava ser um problema tão grande. Eu poderia fingir que estava tudo bem, sou um bom ator. Eventualmente, a atuação se tornaria realidade e as coisas seriam naturais de novo.

Tinha tentado de tudo nas semanas seguintes — presentes, cartas, botões arremessados na janela. Estava quase saindo e indo até o prédio ao lado apenas para sentar no corredor e esperar por ela. Provavelmente estava me humilhando além do necessário, mas estar preso em casa era muito mais entediante sem Heloísa como companhia. Depois que você se acostuma com algo tão bom, é muito difícil voltar ao que era antes.

Sem dúvidas, eu não era mais o mesmo do começo daquela pandemia. Heloísa me fez enxergar muito sobre outras perspectivas. Seus relatos sobre o racismo, gordofobia e bifobia que sofreu ao longo da vida, por mais que breves e raros — porque ela não gostava de falar tanto sobre — mexeram comigo e me fizeram perceber coisas ao meu redor que antes eu não tinha nem noção.

Além de que, acordar sabendo que eu tinha uma nova amiga, novas conversas e novas aventuras, me deixava mais bem disposto. Tinha afastado aquela sensação pesada no peito, que não me dava vontade nem sequer de sair da cama. A angústia que eu sentia, tão pesada e presente antes, tinha quase sumido.

Por isso, quando vi a janela do quarto da frente se abrindo, um arrepio percorreu minha coluna e eu levantei da cama em um salto. Precisava fazer algo antes que ela se fechasse novamente.

Sabia que Heloísa estava me evitando e estava cansado disso. Tinha parado de enviar presentes, mensagens e de tentar chamar sua atenção. Mas aquela era a minha última oportunidade. E a última vez que eu tentaria acertar as coisas.

Como sempre, peguei  o primeiro objeto que vi na minha frente — o caderno de rabiscos abandonado em cima da escrivaninha. Tomei a decisão mais racional e lógica de todas e uma que ela entenderia logo de cara, afinal, era quase uma piada interna á essa altura do campeonato.

Arranquei várias folhas e fiz bolinhas de papel. O que poderia dar errado?

Avistei um vulto andando pelo quarto, mas na parte mais distante, onde era difícil de enxergar — ela estava mesmo empenhada em fugir de mim. Infelizmente, Heloísa, depois que você assinou o contrato de amizade com Gabriel, não é tão simples escapar.

Sem pensar muito sobre isso, arremessei algumas bolinhas. Não conseguia ver onde estavam caindo e nem se a vizinha tinha sido acertada. Esperava que ela entendesse dessa vez. Me debrucei no parapeito, mordendo o lábio antes de arremessar a última — seja o que Deus quiser.

Nada é capaz de descrever o tamanho do susto que levei quando a pessoa se aproximou da janela.

— O que você pensa que está fazendo?

Um homem, com a pele negra retinta e músculos assustadores, me encarou, os braços cruzados e os olhos castanhos brilhando em chamas. Quase podia ver a fumaça saindo por suas orelhas, igual nos desenhos animados. E eu, com certeza, sou o magricelo fraco que é esmagado por ele de trezentas formas diferentes.

Amor ao LadoOnde histórias criam vida. Descubra agora