Gabriel
Como sempre, eu e ela mergulhamos em nosso mundo particular. Essa sensação provavelmente era ampliada pelo fato de estar sozinho em meu quarto, apenas com a luz da lua e a voz dela como companhia.
Só sei que era assim que me sentia; como se nada mais pudesse nos alcançar. Não havia pandemia, crise, incêndios ou qualquer outra notícia ruim enquanto falava com ela. E a conversa não tinha sentido nenhum, nem precisava ter. Os assuntos variavam dos mais bobos, como o dia em que eu fiquei preso em um banheiro feminino, até os mais sérios, quanto como quando minha avó morreu.
Não sei dizer como, acabamos falando sobre vida amorosa. O que me deixou um pouco tenso, já que minhas experiências foram poucas. Além disso, vinha pensando em Heloísa mais do que deveria nos últimos tempos. Meus amigos já estavam cansados de me ouvir falando sobre como ela é e de repetir em minha cabeça que estou apaixonado. No começo, tentei justificar o frio na barriga, os arrepios e os sorrisos bobos com fome, vento e ao fato de que sempre fui um cara sorridente.
Estava dando errado.
Já estava aceitando que eu via Heloísa mais do que como apenas uma amiga. Apenas não fazia ideia do que fazer com essa informação. Meu amigo podia até ter dito "ela está tão na sua", mas não tinha como ter certeza.
— Algum relacionamento sério? —ela me perguntou.
— Apenas uma vez. Durou apenas 2 meses, não foi muito bom.
— Relacionamentos podem ser uma merda.
Me perguntei se ela já tinha tido algum ruim, mas não tive coragem para perguntar.
— Sim. No meu caso, ela não entendia como eu podia não querer levar as coisas para outro nível. Até conversar sobre isso me deixava um pouco desconfortável.
Esperei ela dizer algo, mas ela ficou em silêncio, dando meu espaço e esperando que eu completasse mais alguma coisa. Suspirei antes de continuar.
— Hoje eu percebo que o namoro não fazia muito sentido. Eu gostava dela e até dizia que a amava, mas não sei explicar bem. Acho que eu estava carente e acabei sendo pressionado pelos nossos colegas para ficarmos juntos.
— Odeio essa pressão ridícula.
— Somos dois. —mordi o lábio— Pelo menos acabou me ajudando a me reconhecer como demissexual. Um ano e meio depois, mas você entendeu.
— Demi é que só sente atração sexual se tiver um laço afetivo, certo?
— Resumidamente, sim. Não preciso de um laço tão forte, de anos ou coisa parecida, como outras pessoas, mas ainda preciso de um para sentir atração sexual. E, no caso, o que eu tinha com a minha ex não era forte o suficiente.
— Que merda. Eu sinto muito. Mas que bom que você conseguiu se entender melhor depois disso.
— Foi complicado. Até hoje, por eu ser hétero, não sei se me sinto parte da comunidade LGBT. Me sinto estranho, como se ocupasse um lugar que não é meu. Ainda passei por toda a questão do: eu sou mesmo demi ou apenas estou inventando algo para fazer parte do grupo? Minhas experiências são um pouco diferentes das que via outros demissexuais compartilhando e isso sempre me deixava com um pé atrás. —ri de nervoso, mordendo o interior da bochecha— Mas acabei me aceitando e ignorando o que os outros diziam.
Engoli em seco, com as bochechas coradas. Tinha agradecido mentalmente por ela não ter me invalidado ou feito a pior piada do mundo; "Então você é fã da Demi Lovato?", apesar de saber que ela nunca faria nenhuma dessas duas coisas. Devo ter ficado quieto por muito tempo, pois ela completou:
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Amor ao Lado
RomanceUma artista cansada da pandemia decide começar a desenhar nas paredes de sua casa, sem saber que havia um garoto entediado na janela ao lado, com muita curiosidade e vontade de conversar. Juntos os dois irão descobrir, então, se pode existir amor na...