capítulo 5

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A mesa de centro estava quase transparente de tanto que Alice a polia. Se móveis pudessem falar, esse com certeza estaria pedindo por socorro e não era a única parte de sua casa nesta situação.

Não era nem mesmo o dia de faxina, contudo Alice mantinha-se motivada a limpar todos os pequenos cantos de sua casa checando uma ou duas vezes se estava mesmo limpo. Caso ela quisesse, tinha confiança de que podia comer diretamente do chão. Mas isso é apenas um jeito de dizer que estava realmente limpo, ela nunca faria tal coisa.

Sua noite de sono não foi das melhores que já teve. Para começar, não podia chamar de noite de sono pois custou a pregar os olhos e esses momentos foram apenas para breves cochilos antes de acordar novamente e ver que ainda faltavam muitas horas para ter que sair de casa. Ela rolou de um lado para o outro da cama dando incontáveis bocejos mas nunca realmente dormindo, e somando o tanto de limpeza que fez pelo dia, seu corpo não poderia estar mais dolorido.

Finalmente chegou o dia de sua graduação e era um pouco óbvio que não estava lidando muito bem com isso. Sua necessidade súbita de se sentir ocupada assumiu seu corpo e não podia mais ficar parada. Na noite anterior, logo após voltar do hospital, ela correu por todo o bairro em tentativa de desestressar sua cabeça com todos os eventos de sua vida. Isso não parecia tão saudável.

Suas mãos estavam vermelhas e doloridas, provavelmente ficariam assim pelo resto do dia, mas não estava ligando. Era pelo menos alguma coisa para sentir.

— Que saco! — disse a garota ao olhar mais uma vez para o relógio e ver que ele insistia em rodar mais devagar do que o normal.

Ela se jogou mesmo suada no sofá, encarando o teto branco e sem graça de sua sala de estar. Ela pensou que fosse querer chorar de frustração, mas nenhuma lágrima escorria em seu rosto. Sua raiva também a fazia querer jogar todos os móveis para cima, mas suas pernas se recusaram a levantar para fazer tal coisa. Os sentimentos que ela queria que passassem por seu corpo estavam longes de serem encontrados. Ela não estava alegre, não sentia satisfação por ter chegado onde chegou. Apenas vontade de chorar e raiva de si mesma por justamente não estar feliz, mas nem isso conseguia fazer.

Alice lembrava-se do ensino fundamental, em uma vez que ganhou uma competição de música que seu colégio promoveu. Aquilo não valia de nada além de inflação para o ego de seus pais, mas na época ela não sabia disso. Se sentia frustrada ao perceber com o olhar de adulta o quanto aquilo não valeu de nada para sua vida. Ela nem mesmo tocava o piano hoje em dia, se quer era envolvida com música. Foram anos de aulas após o colégio e semanas de dedicação antes da competição. Quando os aplausos acabaram, ela se sentiu aliviada por não ter mais que passar por aquilo, mas era só isso. O troféu, é claro, estava guardado na casa de seus pais e, para ela, continuava a não valer nada. Alice sentia-se exatamente do mesmo jeito que se sentia quando criança.

Não gostava de admitir nem para si mesma, contudo, lá no fundo ela sabia que talvez não estivesse fazendo o que queria estar fazendo.

Seu celular tocou mais uma vez sob a mesa de madeira na frente do sofá. Ela nem precisava olhar para saber o que se passava. Yuko e Hijon competiam para ver quem mandava mais mensagens de parabenização por seu dia e seus colegas de trabalho tentavam confirmar sua presença hoje na cerimônia. "Muito obrigada" e "Vou estar lá no horário"  foram suas respostas antes de jogar o celular de volta na mesa.

O aparelho tocou mais uma vez, entretanto, nenhuma mensagem estava sendo enviada. O contato de George piscava em sua tela na tentativa de comunicar-se. As mensagens entre os dois permaneciam um pouco vagas, mas era melhor do que absolutamente nada.

Sua posição jogada sobre o sofá mudou para algo bem mais desconfortável com seu corpo deitado e cotovelos mantendo o tronco esticado. Seus olhos fixaram na tela até que ela voltasse a apagar e a ligação fosse perdida. Seu coração acelerava um pouco com a ideia do que isso poderia se tratar para que ele estivesse ligando tão cedo. Quer dizer, só dele estar ligando já era uma preocupação. Essa era a segunda ligação desde que se encontraram e isso parecia um sinal dos Deuses Shinto para algo que ela ainda não tinha certeza.

COISAS EGOÍSTAS › jojiOnde histórias criam vida. Descubra agora