Capítulo 16 - Assombração

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Nicolas nunca foi de ter medos bobos. Ele sempre adorou todos os tipos de filmes de terror, desde os clássicos aos mais contemporâneos. Sendo assim, ele achava estar preparado para qualquer situação aterrorizante. E mesmo fora dos filmes, ele já adotara atitudes de coragem, ou pelo menos, sabia se controlar diante de coisas difíceis. Mesmo agora, enquanto a noite chega e um ar frio toma conta da casa. Rapidamente escureceu, o que não é nada comum, as horas entre o entardecer e o anoitecer normalmente são longas.

Seus pais ainda não estão em casa, talvez demorem um pouco, já que é dia de compras, e os mercados geralmente ficam cheios, é, no entanto, o dia que eles se encontram mais disponíveis.

É estranho quando ele ouve passos vindos da cozinha. Pelo menos ele acha ter ouvido. Deve ser só coisa da sua cabeça. Decide ligar as luzes da casa, afinal, o dia já foi embora. Levanta do sofá e vai de interruptor em interruptor. No último, ele sente como se alguém o seguisse. Olha para trás, não acha nada. Se dirigindo para a sala, percebe que a TV está chuviscando, e ele tinha colocado o filme para pausar. Não achava o controle em lugar algum. Olhou em volta, só achando quando se voltou para o balcão da cozinha, ele tropeça no caminho num livro, que parece ter saído sozinho da estante. Nesse momento ele já sente um calafrio pela espinha.

Ao pegar o controle, as luzes começam a piscar. As cadeiras da mesa de jantar se balançam freneticamente. O coração de Nicolas acelera e ele engole em seco. Corre para o outro lado do cômodo, os outros livros da estante são arremessados violentamente em sua direção. Ele ouve louças serem quebradas e mexidas. Vai para a escada, já com as mãos trêmulas, com a intenção de se esconder em seu quarto, sobe dois degraus e se espanta mais ainda ao ver um homem pálido, de vestes pretas e com os olhos brilhando de maldade se materializar em sua frente. As palavras que saem de sua boca ficam marcadas pela voz grave e apavorante.

- Nunca mais mexa com a Julie. Nunca mais, entendeu? Se eu souber de qualquer coisa a seu respeito, você vai ver a fúria que um fantasma como eu pode ter! Não esqueça desse nome: DANIEL.

O que? Nicolas só conhecia uma "pessoa" com esse nome.

- Isso mesmo, sou eu. – Diz com um sorriso maléfico. Em seguida some.

"Como poderia? Então quer dizer que o guitarrista da banda da Julie é um fantasma?". Essas perguntas rondavam a mente do garoto. "É por isso que ele usa aquela fantasia. O que quer dizer que os outros também são fantasmas. É bizarro demais. Será que a Julie sabe do perigo que corre andando com alguém tão amedrontador? Talvez não, mas ela não enxerga isso porque se apegou a eles". Porém, mesmo com essas observações, ele sabia que não poderia se aproximar dela. O que ele acabou fazendo não era nada insignificante. Ficaria longe dela, por medo sim, afinal de contas, ele era só um garoto. Sem poder algum, não teria o que fazer.

...

O fantasma cacheado aproveitou a folga dos ensaios e saiu. Só soube da chegada do irmão da garota quando chegou tarde da noite. Passou o dia pensando, andando pelas ruas, indo na loja de instrumentos, relembrando momentos significativos. A questão é que há um certo tempo um sentimento crescia em seu peito. Ele sabia que começava a gostar da garota, mas não sabia o que fazer. Nunca tinha experimentado isso antes. Não era fácil admitir, muito menos nas condições de sua existência. Arde e fere. Não parava de pensar nela, ainda que tentasse a todo custo mudar as frequências dos seus pensamentos. Daniel se via preso numa armadilha da qual sempre caçoara.

Agora, enquanto dedilha as cordas da sua guitarra, seu olhar é um tanto vazio.

"Nós vimos o jeito que você ficou esses dias. Sabe que relacionamentos entre vivos e mortos não são possíveis" Lembra do que Félix disse no dia anterior.

"É e a Julie não merece isso" Martim complementou. Isso não melhorou o humor de Daniel, na verdade ele ficou mais triste. Por essa razão os dois fantasmas tentaram fazê-lo se distrair, o levando em vários lugares. Mostraram as travessuras que aprontavam nos parques com os pobres senhores e seus chapéus. No final das contas nada resolveu. E eles ficaram sem saber como agir.

Sozinho, agora, Daniel sente que precisa colocar tudo para fora. Sabia que era o certo. "A letra é a alma da música". Quem sabe se ele escrevesse, um pouco da dor pudesse deixar de correr por seu ser. Ou amenizar. O papel o chamava, e pouco a pouco, palavra por palavra, Daniel derramava gotas de sua própria alma. Uma música nascia.

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