Capítulo 2. Púrpura como os portais

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LUNOS

Eu e Cael, meu avô, vivíamos a migrar juntos das fadas que iam para onde queriam, mas nunca para muito longe e atualmente nós estávamos vivendo em uma região sem nome, próxima à cidade dos elfos. Vivíamos ali justamente porque Cael tinha medo de que voltassem a nos perseguir. Sobre estes perseguidores, falo de uma horda de orcs brancos, que marchavam pelas matas e que segundo Cael, procuravam por mim.

Antes de tudo, gostaria de dizer-lhe que pretendo descrever o que se passara da forma mais bem detalhada possível, quero que saiba como nós éramos, quero que saiba quem éramos. A começar por mim. Meus olhos são pretos, meu cabelo é preto, liso e curto, minha pele é morena e naquele tempo, me lembro de sempre estar vestido com uma camisa verde clara e uma calça marrom, a camisa era longa velha e cheia de pequenos bordados de pequenas folhas secas, era uma tradição na minha família os homens utilizarem estas camisas, as quais foram feitas e refeitas pelas nossas antigas artesãs.

Minha família sempre teve uma grande ligação com as fadas, não é para menos, já que sempre estávamos embreados na vegetação, sempre mais próximos dos seres mágicos, e mais distantes dos seres humanos.

Cael era bem idoso e embora não aparentasse muito, ele já tinha uns oitenta e três anos e tinha características físicas parecidas com as minhas, segurava sempre um bastão em que um ramo de flores azuis se agarrava firmemente, sua barba era espessa e branca, motivo pelo qual eu por uma parte da minha infância pensara que era apenas um grande amontoado de algodão.

Este era o dia em que meu avô retornaria com minha relíquia, nós também a chamávamos de símbolo de poder.


O sol entrou pela minha janela tocando minha testa, a claridade me alegrava por um lado, trazendo a euforia de um novo dia, mas por outro lado me incomodava com o calor e a luz que espantavam o meu sono. Levantei-me rápido para seguir o cheiro do rardu, que vinha de fora do meu quarto, invadindo minhas narinas; o rardu não passava de uma cabaça cheia de água fresca com ervas.

Eu esperava encontrar Cael e o rardu, juntos como sempre, os dois em uma cadeira de balanço, os dois a se extinguirem vagamente sobre a sombra das folhas de bananeira, que compunham a maior parte do nosso telhado, o resto era apenas argila e argila...

Lembrei-me em instantes do que me esperava naquela manhã, a euforia foi engolida pelo meu nervosismo, mastigada e cuspida. Eu não veria Cael em uma cadeira de balanço naquela tarde, também não veria o rardu em seus braços, o que eu veria era algo completamente diferente, algo pelo qual eu esperei durante toda a minha vida.

Não tinha nenhuma surpresa, pois já havia visto esta cena milhares de vezes em minha mente, isto era: Cael segurando nas mãos a minha relíquia empacotada do jeito mais singelo possível, embrulhada em folhas, amarradas por uma fina corda; tudo bem, eu vou ser sincero, eu nunca imaginei a corda, esse seria um detalhe complicado de se imaginar.

Ele me olhou com os olhos semicerrados e nos encaramos por um instante, mas ele acabou piscando como sempre.

— Você piscou, eu vi. Você só perde mesmo, não tem jeito.

— Garoto, eu tenho que ser um bom avô e te dar a chance de vencer às vezes.

— Para de enrolar — eu disse.

Ele não pôde evitar e começou a rir, eu também, mas ri mais pela risada dele ser muito engraçada. Eu já devia ter me acostumado àquelas gargalhadas que mais pareciam o som de um sapo coaxando, só que em uma tonalidade mais aguda. Bem... Eu ainda rio quando me lembro do sorriso dele, me lembro até dos dentes que faltavam.

As chaves de Alanis - Flor da AuroraOnde histórias criam vida. Descubra agora