O porto

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                                              8 anos atrás

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                      8 anos atrás

                      Namibe, 2009

Depois de ter sido praticamente expulsa da sala pelo fedor à catinga, Fui para o quarto me arrastando. Gostaria de ficar por mais tempo, enrolada no cobertor com a minha mãe, admirando a sua beleza, sentindo o seu abraço quente. — Abraço de mãe devia ser patrimônio sagrado.

Andei pelo extenso corredor, até chegar ao quarto. Empurrei a porta de madeira, e antes de fechá-la, levantei os braços e aproximei meu nariz às axilas, para ter a certeza se cheirava tão mal, quanto minha mãe dizia. Afastei o rosto em fracção de segundos ao mesmo tempo que fazia uma cara de quem chupou limão azedo — eu fedia! — rolei os olhos pelo quarto à procura de uma toalha — o quarto estava muito desarrumado mas só do meu lado claro! porque o da Niara, sempre estava impecavelmente arrumado.

Tínhamos um beliche rectangular de dois andares, eu dormia na cama de baixo e a Niara na de cima.
O quarto era pequeno, além do beliche, tinha um cesto de roupas sujas num canto, uma mesa de madeira perto da porta, onde minha irmã colocava seus " produtos de beleza ". Desde vernizes, batons, e acessórios.

Encontrei uma toalha por trás da porta pendurada sobre um prego. tirei-a e enrolei-me nela, saí do quarto, e fiz o mesmo trajecto mas antes, dei uma parada na cozinha, que ficava logo ao virar o corredor.
Niara cozinhava calmamente, mexendo na panela a sua frente. — ela as vezes é total calmaria, e outras vezes uma grande tempestade, herdou isso do meu pai, e eu só herdei a tempestade mesmo.

— Falta muito para o jantar? Estou faminta! — gritei para provocá-la.

Pensei que ela se assustaria com o meu grito repentino, mas apenas deu uma olhada rápida para mim, e disse:

— Dá nisso, passar o dia todo fora de casa!

Ignorei sua afirmação

— O que estás a cozinhar?

— Sopa! A mãe precisa de líquidos no corpo — ela virou na minha direcção e sorriu.

— A mamã está tão mal assim? —  senti meus olhos marejarem.

— Não… — Niara riu — Ela só está com paludismo, nada que remédios e uma boa alimentação não resolvam!

Eu gostaria de acreditar nas palavras da minha irmã, mas na minha cabeça teimosa, minha mãe estava à beira da morte e incapaz de viajar, e com ela nesse estado, só o meu pai poderia impedir que eu e Niara fôssemos suspensas da escola.

— Está tudo bem…? — ela se aproximou e pôs uma das mãos sobre meu ombro esquerdo.

Deve ter estranhado o facto de eu ter ficado calada a olhar para o nada com os olhos alagados.

— Está sim! E-eu vou tomar um banho — disfarcei um sorriso.

Saí da cozinha com a minha cabeça a mil, pensava nas melhores formas de encontrar meu pai.

Ao passar pela sala, meus pensamentos cessam, ao ver minha mãe, que estava na mesma posição que a encontrei mais cedo, mas dessa vez cochilava, não prestando atenção ao telejornal que passava na TV.

Fiquei a olhar para ela, endireitei o lençol, cobrindo-a melhor. — Eu amava a dona Rita, ela era a mulher mais forte que eu alguma conheci, e a mais linda também:
A sua pele era acastanhada, semelhante a uma barra de chocolate, tinha olhos negros como a noite, o nariz arrebitado a boca pequena, mas perfeitamente desenhada e apesar dos seus quarenta e poucos anos, parecia uma jovem moça!
Era a única que tinha a capacidade de acalmar a tempestade dentro de mim, apenas com um olhar, olhar esse que transmitia calmaria e paz.

Ela abriu os olhos devagar, já reclamando de eu estar a tapar a sua visão do que se passava na tv — não deixei de rir.
saí de perto dela, e fui para o quintal, onde se encontrava o banheiro colado à casa principal.
nele não tinha iluminação alguma, além da que a lua proporcionada através do espaço na parte superior da pequena porta de chapa.

Entrei no pequeno espaço que chamamos de banheiro, e no meio da pouca iluminação dentro dele, consegui avistar uma banheira encostada à parede. Enchia-a com água, despi-me das roupas que usava que não era mais do que um calção jeans, coberto de areia na parte detrás — por ter sentado na areia da praia — e uma blusa vermelha de alça. Coloquei a roupa pelo espaço livre que tinha na porta.

A água estava gelava — em momentos assim, me questiono se tomar banho é realmente necessário — tomei coragem e arremessei uma grande quantidade de água no rosto, o que foi como se aleijasse minha pele do tanto que estava fria.
Depois de um tempo, me acostumei ao gélido da água.



Entrei para casa,enrrolada na toalha, com as roupas que despira em mãos e tremendo de frio. Deixava por onde passava pegadas cobertas de água e da cozinha Niara gritava que eu teria que limpar o chão depois.

Assim que entrei no quarto, joguei as roupas que tinha nas mãos em algum canto do quarto, e procurei por uma roupa decente. optei por um casaco grande de cor cinza, e uma calça de moletom da mesma cor — o que realçava ainda mais o meu corpo magro.

Eu era a única criança da minha idade que ainda não era " uma moça" como as pessoas daqui costumavam dizer.
A maioria das meninas eram bem desenvolvidas, altas e de peitos volumosos,  já tinham até um namoradinho. Eu não ligava para isso, até ver que minha amiga começou a fazer parte do grupo das " moças" só faltava ter um namorado

Balancei a cabeça em negação, até me dar conta que meus pensamentos tinham a mania de me pregar peças, ao ponto de invejar ter os peitos fartos da Valquíria!

Com o banho tomado, e roupas limpas, me juntei à mesa com a minha mãe e a Niara.
A mesa estava muito bem posta, com pratos para cada uma, e a grande panela de sopa no meio.
Oramos, e comemos da sopa de feijão deliciosa que minha irmã fez.                       



Acordei cedo, por volta das 6horas, e ao invés de me levantar da cama, fiquei deitada nela, pensando no que faria para encontrar o meu pai.
tinha dois planos em mente que eram:
Falar com as vendedoras do mercado 5 de Abril, para me fornecerem os nomes dos seus contactos, ou… ir para a fonte: o porto do Namibe, onde as probabilidades de encontrá-lo eram maiores.

Me levantei decidida a optar pela segunda opção, mas eu não partiria nessa aventura pelo porto sem os meus amigos!
Apressei-me em tomar um banho e vesti a mesma roupa que usei ontem.— fazer uma sucula* as vezes não faz mal a ninguém!

Andei sorrateiramente pela casa em bicos de pés, tomando todo o cuidado do mundo para não fazer barulho algum. Fechei a porta, e esperei uns minutos, para ter a certeza que ninguém tinha ouvido a porta de entrada fechar. Quando me certifiquei disso respirei aliviada — primeira parte concluída, só precisava atravessar o quintal!
pedi mentalmente para Deus, que calasse o focinho de Fabiana, porque os latidos dela me denunciariam! E ele ouviu as minhas preces.— Fabiana dormia pesadamente.

Assim que alcancei o portão, corri o mais rápido que pude até à casa do Bruno, que era no Bairro do Muinho a uma distância considerável de Sacomar, que era onde eu morava.
Depois de tanto correr decidi andar calmamente, apreciando a rua e as poucas pessoas que passavam àquela hora.

Quando cheguei onde Bruno morava, avistei de longe, o Bráulio, seu irmão mais velho.
Ele lavava o carro do pai, que era nada mais nada menos do que um Toyota  Rav4 velho, que o Bráulio adorava exibir como se fosse dele!
Me aproximei devagar de onde ele estava.

— Bom dia! Bráulio — cumprimentei-o, para chamar sua atenção — O Bruno está?

— Dara… — ele colocou o pano que limpava o carro a volta do pescoço — Estás boa?

— Eu estou bem… O Bruno está? — voltei a perguntar.

Ele pareceu ignorar minhas perguntas e disse:

— Não estás a crescer nada! Esses peitos já deviam ser do tamanho de uma laranja ao menos!

Eram esses comentários que eu ouvia frequentemente, principalmente vindos do Bráulio, toda vez que viemos brincar em casa deles!

Bráulio era um tanto infantil para a idade que tinha. Ele tinha 18 anos, mas o seu comportamento deixava a desejar.
Ao contrário de Bruno ele era bem alto e tinha o corpo atlético, era extremamente bonito, tinha olhos castanhos claríssimos e os lábios rosados e carnudos, seus cabelos eram cacheados iguais aos fios de arame farpado, que se vêm nos quintais de gente rica.

Quando ele percebeu a minha falta de humor, pigarreou desconfortável, dizendo um " o Bruno ainda está a dormir ".

Logo que ouvi isso, falei:

— Quando ele acordar, diz para ir ter comigo à paróquia nossa senhora do Rosário e para levar a Valquíria com ele. — falei apressadamente.

Ele anuiu inseguro — espero que ele tenha entendido o recado!

saí correndo daí, deixando Bráulio para trás, e a cada vez que me afastava ele se transformava em um pequeno ponto claro no final da rua — era até meio engraçado de se ver!

Meu próximo destino era o município do Tômbua. A paróquia e o porto ficavam lá, e era ali também onde Lueji morava.

Para chegar até o Município, precisava passar pela estrada 100, que ligava Moçâmedes ao Tômbua, e a algumas outras províncias.
O caminho começava por uma estrada asfaltada, e depois de tanto andar, se transformava em uma estrada de terra abatida.

Tômbua se tornou minha terra prometido, porque meu futuro e o de Niara dependia de encontrar o meu pai, e só ele impediria minha mãe de viajar no estado em que estava — que Niara preferia acreditar que ela estava bem, e eu… teimosa como sou, acreditava no contrário.

Se tudo desse certo, encontraria meu Pai, na Baía de porto Alexandre, que é um porto importante para a produção de petróleo e na área da pesca.
A baía tem esse nome, como referência ao explorador britânico James qualquer coisa Alexander, que aportou nela, em uma de suas viagens para Angola!

Quando dei por mim, estava de frente à casa de Lueji, batendo o portão como uma maluca.
De dentro da casa saiu a sua mãe, com uma cara sonolenta, e amarrando um pano sobre a cintura.

— A essa hora é para bater na casa dos outros? — ela gritou parada na porta de casa.

— D-desculpa Tia Rosa, mas preciso falar com o Lueji, é urgente!

A tia Rosa é uma mulher grande e intimidante, tem sempre viradas finas trançadas na cabeça, seu nariz é largo, ela possui pequenos pelos no queixo o que dão um ar ainda mais medonho!

Ela deu um muxoxo* alto e depois gritou pelo nome do rapaz, que saiu de dentro de casa todo atrapalhado — as vezes ele parecia ter medo da Tia Rosa! E eu não o julgava por isso, quem não teria medo dela?

— A Tua amiga está a chamar-te, mas nem ouse em chegar tarde, senão já sabes! — era a forma dela de dizer que lhe surraria se chegasse tarde.

Ele anuiu rapidamente, sem olhar nos olhos da mãe. E eu via tudo por cima do portão, que foi aberto quando Lueji atravessou-o.

— Está tudo bem? — perguntei.

— Está sim — ele deu uma olhadela rápida na mãe que estava parada na porta, nos olhando a conversar — Precisa da minha ajuda com o que? — ele sorriu.

Era isso que amava no Lueji, ele alinhava nos meus planos, sem nem pensar duas vezes!

                             ***

O Município do Tômbua, é conhecido por abrigar 60% da população do Namibe, e na sua maioria pescadora ou seja, se o meu pai escolhesse um lugar para morar, seria aqui.

Lueji e eu ficamos em frente a paróquia, onde seria o ponto de encontro, a espera da Valquíria e do Bruno.
Estávamos a espera deles a quase 3 horas, e o sol já estava no meio do céu, o que indicava que não tarda nada seriam 12 horas.

— Acha mesmo que eles vêm? — ele colocou uma mão sobre a testa para se cobrir do sol.
O sol forte torrava nossa pele escura.

— Bráulio as vezes é burro, mas eu passei bem o recado. Eles virão!— falei com firmeza — Vamos nos sentar à porta da igreja! — sugeri

Nos sentamos perto da enorme porta de cor creme da igreja, que parecia a metade de uma oval, e a sombra dela nos cobria do sol que fazia.

Fitei Lueji por um instante, e pude notar uma ferida perto das sobrancelhas.

— O que é isso — tentei aproximar minha mão na área onde tinha o ferimento, mas ele afastou–se abruptamente.

— Não é nada! — ele se ajeitou a uma distância considerável de mim.

— Ela te bateu de novo nê?

— Você sabe que ela não faz isso… manda aquele bêbado sujo, fazer o trabalho por ela — conseguia sentir a raiva nas suas palavras.

Lueji se referia ao seu padrasto, o Tio António, como bêbado sujo, porque raras eram as vezes em que o Sr. ficava sóbrio. Tempo em uma barraca qualquer bebendo caporroto*. Segundo ele, bebia para esquecer a vida de cunanga* que tinha. Ele sempre voltava para casa  no final do dia, e no processo batia no Lueji pelas queixas que a Tia Rosa fazia.

— Precisa fazer alguma coisa quanto a isso!

Ele franziu o cenho e olhou para um ponto qualquer a sua frente.

— Eles já não vêm, acho melhor irmos para o porto! — se levantou.

Era evidente que não queria falar sobre o assunto!

— Você ouviu o que eu disse?

— Você vem ou não? — gritou enquanto andava a passos largos.

Me levantei, e corri atrás dele.
Decidi deixar esse assunto de lado, por enquanto…

                               ***

Andamos o caminho todo até ao porto em um silêncio absoluto, mas que não era incômodo. Entendi que esse era o jeito dele de evitar falar sobre o assunto de mais cedo.

Avistamos de longe o porto. nos entreolhamos e saímos correndo até lá.
Vagueamos pelo local, repleto de barcos atracados, a beira mar. pescadores tiravam suas redes e outros transportavam as mercadorias.
Procurava dentre eles um rosto familiar…

— Dara? — Lueji me chamou — Olha! — ele apontou para um barco que chegava do mar.

O homem dentro dele chamava algumas pessoas,
que se apressaram em correr para ir pegar a mercadoria.
Ele suava muito, tinha os botões da sua camisa desabotoados, o que evidenciava o peito magro e flácido, ele era moreno, da cor de uma casca de ovo e tinha alguns cabelos brancos na cabeça, era o meu pai.

Corremos até onde ele estava, não pronunciei palavra alguma, estava a espera que ele me notasse, e isso aconteceu minutos depois.
olhou para mim por um tempo e franziu o cenho, e pelo seu semblante fechado, não parecia muito feliz com a minha presença!

Ele desceu do barco e se aproximou de onde estávamos.

— Dara… o que estás a fazer aqui? E com o filho do António? — limpou o suor que ameaçava cair.

— Eu preciso falar com o pai…

— A tua mãe sabe disso? — cruzou os braços sobre o peito magro.

Me encolhi com aquela pergunta, o que o levou a deduzir que minha mãe não sabia!

— Vou terminar de descarregar a mercadoria — ele apontou para o barco a sua trás — Espera por mim aqui! — continuou.

Ele disse aquilo e saiu do meu campo de visão
Nas horas seguintes, eu e o Lueji assistíamos o trabalho dos pescadores enquanto fazíamos o que mais gostamos: apreciar o mar.

Quando meu pai terminou, nos conduziu até o seu carro — uma lata velha, Mas que ele sentia orgulho em dizer que conseguiu comprar com o pouco dinheiro que ganhava.

Nos sentamos do banco de trás do veículo, que tinha cheiro de peixe, areia e mar — para qualquer pessoa seria incômodo, mas para mim e o Lueji, era a combinação perfeita.

— Vou vos levar a comer o melhor peixe do Namibe! — ele olhou para nós pelo retrovisor!

O velho Raimundo parecia feliz, um pouco velho, mas feliz.

Eu e o Lueji rimos divertidos e ansiosos com a ideia de vir a comer um bom peixe grelhado!

Não demorou muito e o carro estacionou em um lugar que parecia uma barraca, dava para ver o fumo saindo de lá.

— Chegamos! — meu pai anunciou

Descemos do carro e ele nos segurou pela mão adentrando na barraca onde se fazia todo tipo de grelhados, deste o tão famoso Cabrité, ao frango e ao peixe que meu pai disse ser o melhor do Namibe.

Ele nos guiou até um lugar vazio — parecia que conhecia o local… demasiado até! — Nos sentamos em umas cadeiras azuis de plástico, apoiei meu braço na mesa, que era da mesma cor que as cadeiras. olhei meu pai trocar meias palavras com a mulher que fazia os grelhados, eles pareciam íntimos — tive a ligeira impressão que já a tinha visto!

— Fiz os nossos pedidos — ele se sentou na cadeira a minha frente, me impedindo de continuar fitando a jovem moça nos grelhados.
Ele percebeu que eu não tirava os olhos dela e disse:

— Aquela é a Weza… minha mulher — eu sabia que a conhecia! — O que queria falar filha? — perguntou.

— Estamos a precisar de dinheiro! — fui direito ao ponto.

Ele riu alto!

— Eu e a Niara seremos suspensas da escola! E a mamã não consegue viajar, porque está doente!

Dessa vez ele fechou a cara, como se tivesse percebido a gravidade da situação.

— A Rita está doente?

Se a " Weza" não entrasse na tua vida com certeza saberias

— Isso não vem ao caso, o pai vai dar ou não?

Ele olhou para mulher atrás de nós parecendo buscar a aprovação dela.

— V-vou… claro que vou, amanhã vocês não precisarão faltar à escola, eu vou pagar a propina!

Não podia dar pulos de alegria na frente do meu pai, mas eu e o Lueji trocamos olhares cúmplices como se disséssemos um para o outro " conseguimos".

O peixe chegou para brindarmos àquele momento.
era um peixe sardinha enorme, com acebolado por cima — detesto admitir, mas até que a Weza cozinhava bem!— Tinha um aspecto maravilhoso, minha boca salivava!
Quando comi, quase me derreti na cadeira, estava divinal. Com certeza era o melhor peixe grelhado do Tômbua, o melhor do Namibe, só o da minha amada mãe.

                           ***

Deixamos Lueji em casa, antes do pôr do sol — ao menos hoje, ele não levaria uma surra — me despedi dele com um abraço, o que fez meu pai pigarrear alto!

Depois seguimos o caminho até casa. ele parou com o carro na estrada 100.
não queria chegar muito perto da nossa casa, porque não queria que minha mãe o visse.

Me despedi dele com um aceno, e segui saltitando o caminho todo, feliz por ter tido sucesso com o meu plano.

Quando fazia a curva para entrar na minha rua, dei de cara com Bruno e Valquíria de mãos dadas, eles se afastaram assim que notaram a minha presença.

— Dara… — se entreolharam — andamos o dia todo a tua procura! — ela me abraçou.

— Pois… estou a ver!…— analisei-os de cima à baixo.

— Bráulio esqueceu o nome do local que você deu! — Bruno acrescentou, coçando a cabeça envergonhado.

Não me admira nada!

— Não faz mal… Lueji me ajudou — olhei de forma acusadora para eles — O que fizeram o dia todo?

— "Fomos ao parque" " fomos á praia. — eles falaram em uníssono, se contradizendo.

Era evidente que mentiam…

— Bom… — balancei o corpo para frente e para trás, com as mãos enterradas dentro dos bolsos da minha calça de moletom — Eu estou cansada, vou para casa… nos vemos amanhã?

— Sim claro! — Valquíria respondeu.

Andei um pouco e olhei para trás. vi-os discutir, se cutucavam com o cotovelo — provavelmente colocavam a culpa um no outro por terem dado bandeira!

Cheguei à casa, e fazia um silêncio! Nem fabiana estava por aí deve ter ido passear — rafeira!

Entrei em casa e cumprimentei minha mãe, que parecia que me esperava, porque estava com os braços cruzados sobre o peito, e com a cara fechada. Sua boca era uma linha reta, e respirava pesadamente.

— Aconteceu alguma coisa? Estou com o cabelo desarrumado? — ajeitei o puff no topo da minha cabeça.

— O que passou nessa tua cabeça de vento, para ir falar com o teu pai?

Oh não…Como ela…?

— Mãe… eu posso explicar…

— Você tem noção da vergonha que passei ao receber uma ligação da Weza… dizendo que minha filha foi pedir ajuda para o velho Raimundo?

Só podia ter sido… aquela bruxa!

— Me desculpa mãe… eu só queria evitar que a Sra. Viajasse doente!

— Eu sou grandinha! Não preciso que minha filha de 13 anos me proteja de coisa alguma!— ela parecia nervosa — Eu não quero que volte a fazer algo pelas minhas costas, ainda que envolva o imprestável do seu pai… ficou claro?

Sussurrei um " sim "

— Eu não ouvi DARA!!!

— Eu disse sim… mãe!— controlava a vontade de chorar.

Ela me liberou, ao apontar o dedo para que eu fosse para o quarto…
detestava decepcionar minha mãe…

                          ***

Os dias passaram, e ela acabou por deixar meu pai pagar as propinas dizendo : " já estava mais do que na hora dele fazer o seu papel de pai" — e eu concordava com isso — fiquei a espera de um pedido de desculpas vindo dela, por ter ralhado comigo, uma vez que é graças a mim que o pai voltou a cumprir com as suas obrigações, mas isso não aconteceu !

Eles até voltaram a falar!
O velho Raimundo trazia frutas e flores para minha mãe, e saíam algumas vezes.

A Dona Rita melhorou com o passar dos dias. Tanto que tinha uma viagem marcada para Namíbia! E desta vez eu não a impediria de ir, porque ela estava saudável como um touro!

                      Glossário:

Sucula — usar a mesma roupa

Muxoxo — é um estalido com a língua e os lábios kkk, é usado para demonstrar desprezo ou desdém

Caporroto — cachaça

Cunanga — Alguém que não tem emprego

Dar bandeira — dar nas vistas

Por mais horas com vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora