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Eu costumava gostar do meu aniversário, sentia como se o ano só começasse depois dele, dia 30 de janeiro. Além de que, em poucos dias após ele, sempre se inicia as aulas, algo que me deixava extremamente empolgado e ansioso. Hoje, completo meus 17 anos, mas sinto como se fosse como outro dia qualquer, sem nada de especial. Na verdade é exatamente isso, é só mais um dia qualquer. Nada de empolgação e ansiedade para a volta às aulas esse ano, muito pelo contrário, poderia continuar nessas férias monótonas pelo resto do ano. O barulho da porta do meu quarto se abrindo interrompe meus pensamentos, fechei meus olhos para fingir que estava dormindo. De uns anos pra cá, Sara vem me acordar em todos os meus aniversários.
-Tiago? - falou baixinho, se aproximando aos poucos.
Não respondi, apenas me revirei na cama e puxei o cobertor tampando meu rosto da claridade que veio com a porta aberta.
-Acorda, maninho! - correu e deu um enorme pulo na cama.
Previsível.
-Ha! Peguei você! - joguei o cobertor pro lado e a segurei.
Comecei a fazer cócegas em Sara, suas gargalhadas contagiantes me fazem rir. Solto ela e então nos sentamos na cama.
-Feliz aniversário! - deu um sorriso alegre e pulou para um abraço me fazendo deitar de novo.
-Valeu, irmãzinha. Agora deixa eu levantar.
Sara se levanta e caminha até a porta do quarto.
-Eu fiz o café da manhã pra você!
- bom, já vou lá. - falo me espreguiçando.
Esfrego os olhos e bocejo antes de me levantar, pego meu celular em minha escrivaninha para olhar as horas. 9:28. Combinei de estar no Jason às 10 em ponto, preciso me apressar. Abro a cortina da janela, clareando todo o ambiente, observo os prédios e casas que fazem a "bela" vista do meu quarto. É, eu realmente sinto falta da vista praiana do meu quarto, na casa dos meus avós. Abro uma das gavetas do meu guarda-roupa, encaro as roupas emboladas por um segundo e em seguida, pego minha camisa de malha preta, que já se tornou meu uniforme. Arranco a camisa bege surrada do meu corpo e visto a camisa preta. Eu poderia sair com esse short de pijama cinza xadrez, pela rua tranquilamente, mas tenho que manter as formalidades de um ser humano decente, então vou optar pela minha bermuda jeans azul marinho, que deixei jogada na cadeira da minha escrivaninha. Vejo meu par de All Star jogados no outro canto do quarto que irei calçar e depois olho as duas pulseiras de elástico pretas no meu pulso. As uso tanto, que esqueço de tirá-las pra dormir e até mesmo para tomar banho.
Depois de me arrastar do quarto para o banheiro, me arrastei até a cozinha, para tomar o café que Sara preparou. Torradas, pão francês, ovos mexidos, bolo(da padaria), café e biscoitos, sobre a mesa.
-Caramba... Quanta coisa. - puxei uma cadeira e me sentei. Sorri, Sara sorriu também.
Não costumo comer muito pela manhã, mas vou fazer um esforço para comer o máximo que puder, sei o quanto Sara se empenhou para fazer isso tudo para mim.
-Gostou? - perguntou se sentando a mesa.
-Claro! - peguei uma xícara de café. -O pai te deu dinheiro?
Não é de costume ter tanto, além de café e pão com manteiga no café da manhã.
Sara balançou a cabeça positivamente. Respirei fundo e bebi um gole do café, que está um pouco doce demais.
-Falando nisso, cadê ele, hein?
-Não sei. - deu de ombros.
Espero que esteja fazendo compras.
-Aonde você vai? - disse me analisando de cima a baixo.
-Vou no Jason.
-Posso ir com você? - perguntou, saltitante.
-Pode, mas anda rápido, que tô ficando atrasado.
Sara levantou sorridente, levando sua xícara com resto de café até a pia.
-Ele vai me dar um presente. Adivinha o que é. - termino de preencher meu pão, com ovos mexidos e a observo.
-O quê? Não sei. - respondeu, enquanto se aproxima de volta a mesa.
Dei uma pequena risada e mordi um pedaço do pão.
-Fala! - exclamou.
-O Jason trabalha fazendo o quê?
Levou as mãos na boca surpresa.
-Você vai fazer uma tatuagem?! - se divertiu.
-Isso aí. - sorri de canto.
Sara terminou de comer seu pedaço de bolo que estava na mesa.
-Mas e o papai? Ele não vai achar ruim?
-Ele nem vai perceber. - desdenhei.

Percorri a distância da minha casa até o estúdio de Jason com o meu skate, enquanto Sara veio andando. Não pude correr muito, para não deixá-la pra trás. Ela veio falando de lá até aqui, o que geralmente me incomoda nos outros, mas ela está dentro de algumas(pouquíssimas) exceções que eu gosto de ouvir.
Entramos no compacto estúdio de Jason, o vejo em pé e de braços cruzados. Jason é um cara bem afeiçoado, negro, tem mais ou menos 1,80 de altura, deve ter uns 30 anos, anda sempre muito bem vestido e esbanja muitas tatuagens em seus braços e uma no pescoço. Já me senti intimidado por ele algumas vezes, não que ele tenha feito algo ruim, é mais uma questão de o ver como uma pessoa que impõe respeito e limites sobre mim em certas ocasiões.
-Você atrasado. - olhou para mim com as sobrancelhas arqueadas.
-Foi mal. A Sara me atrasou. - olhei de canto para ela.
-Ei! - me deu um tapa leve no braço. -Mentiroso, você já tava atrasado quando levantou!
Jason e eu rimos de sua reação.
-Parabéns, meu amigo, 17 anos... - Jason se aproxima e aperta minha mão.
-Obrigado, mano.
Ele dá um puxão em minha mão e me abraça, dando uns tapinhas em minhas costas antes de me soltar.
-E você? Achei que nunca mais ia vir aqui me ver. - disse se curvando ligeiramente para falar com Sara.
Sara sorriu e o abraçou.
-Senti saudade! Meu irmão sempre sai depressa e esquece de me chamar. - cruzou os braços.
-Vê se não esquece mais da sua irmã.
-Pode deixar. - pisquei para Sara que sorriu.
-Então... Vamos ao trabalho, Tiago? - fez um sinal com o braço para eu segui-lo.
Passei meu skate para Sara, que o segurou e sentou-se em um dos banquinhos acolchoados do estúdio. Caminhei até a maca, tirei minha camisa e me deitei, penso se vou sentir muita dor, enquanto Jason prepara seus equipamentos.

Não demorou muito para acabar, por ser uma tatuagem pequena. Também não doeu tanto quanto eu imaginava. Me levantei para olhar no espelho, vejo no reflexo, os traços finos em meu peito esquerdo.
-Sara! Vem ver! - a chamei ainda olhando para o espelho.
Ela não quis olhar em momento algum, enquanto Jason estava desenhando em minha pele. Bem provável que ela jamais irá fazer uma tatuagem.
Sara se aproximou, então me virei para ela que em primeiro momento, olhou confusa, porém logo sorriu.
-É o aniversário da mamãe. - disse encantada. -Em números romanos!
10/05/80
XVLXXX. Marcado em minha pele.
-Ficou linda, Jason! - disse Sara se virando a ele.
-Ficou mesmo. - sorriu. -Agora, foto, Tiago, vem cá. Relaxa que sua cara feia não vai aparecer.
-Ah, claro. Uma pena eu não ser bonitão assim, que nem você! - talvez tenha um pouco de verdade nessa fala minha.
Todos nós rimos juntos.
Jason tirou as fotos rapidamente, pegou minha camisa na maca e me entregou.
-Você sabe que eu não poderia ter feito isso, né. Abri essa exceção somente pra você. Então, se comporta esse ano, não vá tomar bomba de novo... - suspirou e colocou uma de suas mãos em meu ombro. -Cuida bem da sua irmã e não arruma problema com seu pai.
O Jason realmente tem esse papel em minha vida, desde o meio do ano passado. Digamos que meu pai não é a melhor figura paterna, e minha mãe, bem... infelizmente, não está mais aqui.
-Eu repeti de ano à quatro anos atrás.
-Ótimo. Só mais esse e o ano que vem. Pronto, adeus Ensino Médio.
-Finalmente... - balancei a cabeça sutilmente.

Chegamos em casa e meu pai está na cozinha, fazendo o almoço, algo que muitas vezes sou eu mesmo que faço.
-Onde vocês estavam? - perguntou um pouco alto demais.
-No Jason.
-Hum... óbvio. Como sempre, você não larga mais do cara, né? E vai levando sua irmã também.
Sara e eu nos entreolhamos. Respirei fundo e forcei meu maxilar. Me viro a caminho de meu quarto.
-Espera aí, filho. - escuto seus passos, que passa por mim, ficando em frente a porta do quarto. -Feliz aniversário, eu não me esqueci.
Estendeu sua mão para mim. Engoli seco e encarei sua mão por uns segundos.
-Valeu, hum... Obrigado, pai. - apertei sua mão firmemente e o olhei nos olhos.
Seus olhos castanhos, parecem caídos, ele carrega uma aparência de alguém bem mais velho do que realmente é. Seu cabelo liso e castanho, com um corte meio indefinido, oleoso, com algumas mechas grudadas em sua testa. Esboçou um sorriso, deu umas batidas em meu braço e seguiu para a cozinha. O alcoolismo o transformou em outra pessoa, por dentro e por fora.

Tem dias que não é insuportável viver na presença do meu pai, como hoje. Ele pelo menos se manteve na linha no meu aniversário. O almoço foi bom, ele fez uma macarronada com queijo, comprou refrigerante e mesmo que eu não curta tanto, fiquei feliz por ele ter comprado um bolo de aniversário.
Meus avós ligaram pra desejar parabéns, Sara e eu passamos uma boa parte de nossas férias com eles. Fomos a praia quase todos os dias. Sempre me sinto como se estivesse próximo de minha mãe quando passo temporadas com meus avós, tanto na casa, quanto na praia.
Antes de terminar de me vestir, fito meu reflexo no espelho do banheiro, passo as mãos por meu cabelo molhado, o colocando pra trás. Faz muito tempo que não corto ele, já está abaixo das orelhas, até que estou curtindo ter o cabelo mais longo. As vezes acho que minha pele branca e pálida, me faz parecer doente, porém, em compensação, eu pareço ter adquirido um pouco de massa muscular. Algo estanho, pois não faço nada além de andar de skate e fumar. Observo a tatuagem em meu peito, imaginando possíveis futuras tatuagens que farei. Eu normalmente não me olho por tanto tempo em espelhos, meu reflexo não me agrada muito.

Quase sempre, antes de dormir, eu escuto música em meu celular com meus fones. Exatamente agora, escuto a música "Iris" da minha playlist de favoritas. Olho para a foto de mamãe no porta retrato em minha escrivaninha.
-Sinto tanto a sua falta... - esfrego meus olhos.
Apago a luz e me jogo na cama, acendo o abajur ao lado da cama e encaro o teto. A vibração de meu celular retoma minha atenção para sua tela.

Feliz aniversário, Tiago. Beijo.

A mensagem de Ana Liz me deixa surpreso, pensava que não iria receber uma mensagem dela tão cedo. Penso e digito rapidamente: Obrigado, Ana. Um beijo.
Envio a mensagem, que de imediato, Ana visualiza. Cogito em mandar, "A gente se vê na escola" ou "E aí, como vai?", mas não mando nada, tenho certeza de que ela não quer falar comigo. Aproveito que já me distraí, entro no Instagram para repostar a foto da tatuagem, que Jason tirou e postou. Não sou muito ativo nas redes, entretanto, essa foto merece ser postada.

EfeitosOnde histórias criam vida. Descubra agora