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Desde que Sara saiu para a escola, estou procurando o gato pelo condômino, daqui a pouco está na hora dela chegar e eu ainda não o encontrei. Ele sempre esteve aqui, só resolveram se apossar dele, agora. Merda! Ainda tenho uma última opção que estava me negando a aceitar. Falar com o velho mais fofoqueiro de todos os prédios(ou pelo menos, do bloco A), sabe da vida de todo mundo, não duvido que ele saiba do paradeiro do gato. Inclusive, foi ele que dedurou para o meu pai que "eu ando fumando maconha por todos os cantos do condômino". O que claramente é mentira. Não fumo pelos cantos do condômino, nem sei como esse velho descobriu.
Lá está ele, em uma das janelas do segundo andar. 
-Seu Romeu? - fui me aproximando aos poucos.
-Tudo bem, meu jovem?
-Claro... hum. - coçei a parte de trás da cabeça.
Abaixei um pouco a cabeça, pensando em como prosseguir. 
-Tiago?
-Desculpe. O senhor disse alguma coisa? - olhei para ele novamente.
Romeu riu disfarçadamente.
-Eu perguntei como vão seu pai e sua irmã.
-Ah! Bem, estão bem. - respondi rapidamente.
Romeu balançou a cabeça positivamente, olhando a rua sem movimento. Algo que não dura muito, esse bairro no geral é bem movimentado.
-Será que... - tossi sem necessidade. -Por acaso o senhor saberia me dizer se alguém pegou aquele gato preto, que fica por aqui?
-O filho do Antônio do terceiro andar do bloco B, tava com ele ali no pátio. Depois saiu com ele lá pra rua. - disse gesticulando, como se mostrasse cada passo da criança.
-Hum... Obrigado.
-Mas, cá pra nós. - fez um gesto para eu me aproximar. -O Antônio não gosta de bicho, não. Com certeza vai mandar o menino colocar o pobrezinho do gato pra fora.
Balancei a cabeça com as sobrancelhas arqueadas.
-Até mais, seu Romeu! - disse enquanto já estava a caminho da rua. Nem consegui escutar direito o que ele respondeu.

Encontrei o menino na rua de cima, mostrando o gato para outras crianças. Ele me disse que estava procurando um dono pro gatinho, já que o pai dele e a mãe, não o deixaram ficar com ele. Disse também que resolveu levar até os amigos que jogam bola com ele e que não moram em nenhum dos prédios, porque se alguém de lá quisesse, já o teria pegado. Me perguntou se eu iria cuidar direitinho dele, depois me entregou, quase chorando. Falei meio no impulso, que ele poderia ir um dia lá em casa visitá-lo. Ele parece ter uns 10 anos, um pouquinho mais novo que Sara, talvez eles possam ser amigos. Se ele resolver aparecer, espero que não seja em um dia que meu pai esteja caído de bêbado, pelos cantos do apartamento.
O gatinho parece ter se acostumado com o ambiente, ele se deitou em meu colo, enquanto estou sentado na cadeira da minha escrivaninha, lendo "O Pequeno Príncipe" pela milésima vez. Paro a leitura e lembro que tenho que dar um nome a ele. O observo em meu colo por uns instantes, pensando em algo, giro o pescoço, chegando um pouco para trás e olho minha pequena estante de livros. Pouso os olhos sobre minha coleção completa de Harry Potter. Olho para a janela e depois para o gato novamente.
-Sirius Black... - cochicho. -Sirius! Seu nome é Sirius. - me empolguei, como se ele pudesse me responder.

Sinto que as horas pela manhã, passam mais rápido. Já estou sentado ao refeitório, no intervalo. Felipe distribuiu um sanduíche natural para mim e outro para Erick. Disse que sua mãe praticamente o obrigou a trazer. A comida daqui não é ruim, mas prefiro comer coisas mais leves nesse horário, então fico feliz pela mãe de Felipe tê-lo "obrigado" a trazer esses sanduíches.
-Minha mãe tinha me entregado só dois sanduíches, mas resolvi pegar mais um, para não dar briga entre vocês.
Nós rimos de seu comentário.
-Ainda bem, porque ia rolar briga mesmo. - disse Erick descontraído.
Enquanto eu estava engolindo o primeiro pedaço do sanduíche de pão de forma, recheado por frango desfiado, maionese, cenoura ralada e alface, Felipe já acabara de devorar o seu, por inteiro. Não o julgo, pois está realmente muito gostoso.
-Sabe o que eu acho uma tremenda PALHAÇADA?! - disse Felipe terminando de engolir. -Eu fiquei sozinho! O Erick e a Ana estão na mesma sala, o Tiago...
-Eu tô na mesma sala que o Kevin e o Nicolas. - interrompi.
-Que a Diana também... - Erick mordeu seu sanduíche, despistando.
Felipe segurava o riso com a mão na boca, olhando para Erick. Fechei os olhos por um segundo, respirando fundo, porém acabei rindo ao ver a cara que Felipe fazia. Ele gargalhou alto.
-Sabe quem também é da sala do Tiago, Erick? - Felipe me olhou fazendo sinal para que eu observasse a reação de Erick.
Erick enfiou o resto do sanduíche todo na boca, já sabendo a resposta.
-A Laila! - Felipe e eu falamos ao mesmo tempo, ele com a entonação mais alta.
Erick pega sua garrafa d'água em cima da mesa e a vira de uma vez na boca, após engasgar. Felipe ri, batendo a mão de leve na mesa. Erick se recompõe, dá um peteleco na orelha de Felipe, que ainda ri, e me chuta por debaixo da mesa do refeitório. Eu rio de toda a situação.
-Sério mesmo, não é justo... Vocês dois - Felipe aponta com o dedo indicador para nós. -tem a Diana e a Laila. Eu fico sobrando.
-Claro que não, tem o Joel pra você! - Erick deu um tapinha nas costas dele.
Felipe semicerrou os olhos, enquanto eu ria.
-Vá a merda. - deu um leve empurrão em Erick com o braço. -O Erick sabe conquistar as garotas. Já o Tiago... Ele é bonitão, não precisa fazer nada.
-Até parece... - dei de ombros, terminando de comer meu sanduíche.
-Ele é um cara modesto, Felipe.
Não sou modesto. Eu simplesmente não me acho isso tudo que eles insistem em comentar. Acredito que todas as(poucas) garotas que beijei em minha vida, foi por pura sorte, apenas. Já com os meninos, não é bem assim. O Erick é um cara bonito, pele negra, alto, consegue ser estiloso até mesmo com o uniforme sem graça da escola, um cabelo super maneiro, com cachos, e é super extrovertido, conversa com geral, sem fazer um mínimo esforço. O Felipe também não fica para trás, ele é mais ou menos da minha cor, um pouco mais baixo que eu, anda sempre com o corte de cabelo impecável, além da sua aparência agradável, ele tem uma personalidade agradável. É engraçado de uma forma natural, um cara alto astral. Os dois sempre usam o fato de eu ter cabelo liso, relativamente grande e olhos verdes, para me classificaram como "bonitão" e "mais desejável" para as garotas do que eles. Na real, eu acho um saco ter apenas a aparência física para oferecer a alguém.

Depois de comer, os meninos resolveram perambular pela escola, eu preferi me sentar na biblioteca e ouvir música. Fones de ouvido é o "material escolar" mais indispensável de todos. A biblioteca é meu lugar favorito dentro da escola, é um lugar silencioso, está quase sempre vazia, então sempre tem mesas disponíveis para sentar, e claro, é sempre bom estar em um lugar rodeado por livros. A sirene indica o encerramento do intervalo, suspirei antes de me levantar, tiro um dos fones do ouvido, caminhando até a saída. Rute, a bibliotecária, dá um sorriso simpático para mim, com o seu rosto apoiado em sua mão. Sorrio de volta e passo pela porta. Por eu passar tanto tempo aqui, já a ajudei  muitas vezes, organizando prateleiras, enquanto ela me contava casos de sua vida. Sigo até o corredor das salas, mas antes de subir as escadas, dou de cara com Kevin. Ignoro que o vi, abaixo a cabeça e ando até as escadas, acabo tropeçando antes de subir o primeiro degrau.
-Cuidado, mocinha. - exclamou Kevin.
Fiquei parado por uns segundos, pensando em revidar, mas resolvo seguir meu caminho, sem olhar para trás.
O professor de matemática, está sentado em sua mesa, após terminar de passar a matéria no quadro. Dando tempo para todos copiarem, para que ele possa explicá-la. Estou quase terminando de copiar, escuto Nicolas e Kevin conversando. Mesmo tentando evitar escutá-los, eles estão muito perto e não fazem a mínima questão de serem discretos.
-A mocinha quase caiu subindo a escada. - escuto Kevin.
-Da próxima, você podia derrubar ele. - responde Nicolas, rindo.
Termino de copiar a última frase. Me viro para eles, alternando os olhares entre os dois. Nicolas cutuca Kevin com o pé, e indica com a cabeça em minha direção. Os dois me olham, rindo com deboche. Mostro o dedo do meio para os dois e viro para frente.
-Shh! - o professor chama a atenção, para fazerem silêncio.
-O que?! - Kevin resmunga.
Olho disfarçadamente para ele, que está com os olhos no outro lado da sala. Olho para a mesma direção que ele. Vejo Diana de cara fechada e braços cruzados, olhando para o fundo da sala, Diana dirige o olhar a mim. Abaixo a cabeça imediatamente, encarando meu caderno.

Após uma longa explicação e muitas equações de segundo grau, finalmente a última aula do dia. Artes. Não sou muito fã, preferia mais um período de matemática ou física, mas, pelo menos é o último horário. Me levanto para jogar uma folha amassada e cascas de lápis no lixeira. Caminho até o outro lado da sala, olha para Diana e aceno discretamente para a ela com a cabeça, descarto as cascas e a folha. Diana sorri. Meu coração bate mais forte, sigo de volta para minha carteira e sinto que ela ainda me olha, mas não checo para ter certeza. Me sento novamente e olho em sua direção, a vejo conversar com Laila. Joel chama a atenção das duas, Laila fala algo com ele, mas Diana percebe que estou observando, então sorrio de lado e abaixo a cabeça antes de ver sua reação. Esfrego minhas mãos suadas em meu jeans. Coração disparado. Mãos suadas. Tem algo muito errado acontecendo comigo.

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