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Me sento na cadeira de frente para a mesa do diretor Orlando. Ele pega seus óculos em cima da mesa, coloca em seu rosto e folheia uma agenda, com uma caneta em sua outra mão.
-Então... Pode me dizer o que foi que aconteceu? - me olhou, largando a caneta.
-Eles me provocaram, eu perdi a paciência e bati neles. - não o olhei nos olhos enquanto falava.
Orlando endireitou os óculos no rosto e franziu a testa.
-E a garota? - olhou para a agenda. -Diana?
Passei a mão em meu cabelo e observei o outro canto da sala por um instante.
-Ela não é culpada de nada... Só quis me ajudar e acabou sobrando pra ela.
-Foi só isso?
Balancei a cabeça positivamente e a abaixei em seguida. Ele se manteve em silêncio por um tempo, escrevia algo na agenda e depois parecia analisar a situação.
-Sabe, eu preciso ouvir todos os lados, detalhadamente. Esse garoto, que saiu agora, Nicolas, disse que eles estavam andando e você estava por perto, ficou irritado, achando que os dois estavam te perseguindo e daí começou uma discussão, você bateu nele e depois no outro garoto. Tem alguma coisa nessa história que não bate. Ele não me disse nada sobre a Diana. Quando perguntei, ele disse que ela chegou depois da confusão e está querendo te defender, somente.
-Não foi bem assim.
-Então, como foi? Você pode me dizer, por favor?
-Do que adianta eu dizer? Todos nós vamos receber advertências e pronto. Na real, não importa o verdadeiro motivo da briga. - disparei emburrado.
O diretor cruzou os braços, me olhando surpreso, ao ouvir minha resposta. O único propósito de eu estar aqui, é para receber a maldita advertência, então para quê tanta enrolação?
-O Nicolas, não saiu machucado da briga de vocês, diferente do Kevin. Você quebrou o nariz do garoto. - deu uma pausa, para observar minha reação. -Uma coisa grave dessas, não pode passar batido aqui dentro da escola. Esse tipo de comportamento não é aceitável. Quando o César veio até mim, ele me disse que você é um bom garoto e que não entende como você acabou se metendo numa situação como essa. Eu também não entendo. Como um bom garoto, acaba no meio dessa situação, você pode me explicar, por favor?
Esfreguei meu rosto e afastei meu cabelo, mantendo a mão sobre ele por um instante. Estou surpreso por saber que usei força o suficiente para quebrar o nariz de Kevin, agora está claro porque ele não estava na sala de espera como todos. Com certeza algum professor cuidava dele, já que essa escola não tem enfermaria, enquanto ligavam para seus pais. Também me sinto surpreso, por saber que César falou bem de mim, mesmo diante de toda essa confusão.
-Eles me seguiram, desde o banheiro, por eu ter rebatido uma coisa que o  Nicolas falou. Me incomodei com a perseguição deles, o Nicolas me segurou, os dois ficaram me provocando, o Kevin ameaçou me bater e foi aí que a Diana apareceu. Ela quis me defender, por eles serem dois. O Kevin empurrou ela, que caiu no chão. Eu perdi a cabeça e bati neles.
Orlando escrevia em sua agenda e assentia com a cabeça.
-Só não culpe ela, por favor. Eu sei que eu não devia ter brigado, mas ela não fez nada de mais.
-Calma Tiago, eu preciso ouvir o que ela tem a dizer também. Quanto a você e os meninos... a mesma coisa, uma advertência e um dos responsáveis aqui, amanhã.
Dei um sorriso irônico e balancei a perna, inquieto.
-Algum problema? - me repreendia com o olhar.
-Pode ser um dos meus avós?
-Você mora com eles?
Balancei a cabeça negativamente.
-Seus pais?
-Minha mãe morreu e meu pai... - desviei os olhos para longe, por um segundo. -Meus avós sempre resolvem essas coisas de escola pra mim, meu pai não tem tempo.
-Tenho certeza que dessa vez, ele vai arrumar um tempo. Quero ele aqui, amanhã, no primeiro horário. Ele também precisa assinar. - disse me entregando a advertência.
Peguei a advertência de sua mão e a encarei.
-Posso ir?
-Pode. - se levantou para me acompanhar até a porta.

Antes de ir embora, parei para conversar com Diana. Caminhando em sua companhia e de Laila e Joel, até a saída.
-Como foi com o Orlando? - perguntei.
-Eu falei tudo o que aconteceu e ele disse que minha mãe vai ter que vir aqui amanhã.
-Só? Não levou advertência?
Sorriu e fez que não, balançando a cabeça.
-Sinto muito que você tenha levado advertência. Eu te defendi, disse que os dois vivem no seu pé e que também mexem com outros alunos. - parou de andar, faltando pouco para sairmos da escola.
Laila e Joel passaram pelo portão.
-Relaxa, tudo bem. Eu fiz por merecer. - sorri de canto. -Você realmente não se machucou, né?
Sorriu, mexendo em suas tranças.
- ótima! - deu uma voltinha.
Sorri, ao observar seu corpo esguio girar e o balançar de suas longas tranças, sua beleza impecável me deixa encantado. Desvio meus olhos de Diana, por um instante, balanço levemente meu cabelo e a olho novamente.
-Bom... Eles estão me esperando lá fora. A gente se vê amanhã. Tchau. -  acenou e sorriu.
-Até amanhã. - também acenei.
Mesmo que eu também tenha que passar pelo portão, fiquei parado, observando ela passar por ele, até que suma de minha vista.
-E aí, mano. Bora? - Felipe aparece ao meu lado, juntamente a Erick.
Felipe e eu, moramos perto, então costumo ir embora com ele, o clima ficou meio estranho, por conta de Ana não falar mais comigo. Ela vai na frente com algumas colegas, não espera mais a gente.
-Bora.
-Mano, me desculpa, mas eu não acredito que perdi você quebrando a cara do Kevin. - disse Felipe.
-Do Nicolas também. - completou Erick. -Eu vi de longe a muvuca, vi que a Diana tava no meio...
Suspirei e olhei para longe, enquanto passamos pelo portão.
-Eu acho que agora, eles não vão mais se meter com você. - Felipe pôs a mão em meu ombro.
-Não tenho tanta certeza disso. Talvez piore.
-Não é possível, Tiago! Será?
-Vindo desses dois, não duvido nada! - falou Erick.
-Pois é, Erick. - olhei para ele, balançando a cabeça.

Não quis entrar em casa. Passei direto, e agora estou na pista de skate(sem o meu skate), sentado no chão e olhando pro nada. Mandei uma mensagem para Sara, dizendo que ia passar no Jason e que o almoço está pronto, só precisa esquentar. Se Jason soubesse que estou aqui, ele me mataria. Ele já me disse um milhão de vezes que aqui é um lugar perigoso. Prometi para ele que não viria mais aqui a noite, então, tecnicamente, não quebrei a promessa. A Ana me mandou mensagem, disse que ficou sabendo da briga e perguntou se estava tudo bem comigo. Eu a respondi e tentei puxar um assunto, mas ela cortou a onda. Acho que o melhor que eu posso fazer é deixá-la em paz.
-Olha o sumido. - Ryan se aproxima e se senta ao meu lado.
Ryan é um cara que parece que mora aqui na pista. Todas as vezes que venho, ele está aqui. Ele estende a palma de sua mão, olho para os dois baseados sobre ela, pego um. Ryan tira um isqueiro do bolso de sua bermuda, acende o seu baseado e em seguida o meu. Dou um primeiro trago.
-Por onde você anda, carinha?
-Escola... - respondi vago.
A gente nunca tem muito o que falar. A maioria das vezes, fumamos juntos ou andamos de skate. Ele parece saber que não estou afim de conversa, ficando ao meu lado sem falar uma palavra sequer. Nesse momento, eu sinto uma saudade absurda da minha mãe. Tudo o que eu mais queria agora, era o abraço dela, contar todas as minhas frustrações para ela e finalmente chorar, em seus braços, escutando ela dizer que tudo vai ficar bem.

Fiquei umas duas horas na pista, resolvi passar no Jason, para tomar coragem de voltar para casa. Parado em frente a seu estúdio, veio em minha mente o dia em que o conheci.

À sete meses atrás:
Eu estava sentado no meio fio, segurando meu skate, observando a rua deserta, quando alguém se aproxima e para em minha frente. Percebo que é um homem. No meu campo de visão, eu vejo suas pernas, calças jeans preta, meio desbotada, com rasgos nos dois joelhos, abaixo um pouco os olhos e observo seus tênis brancos encardidos. Sinto cheiro de cigarro, quero me levantar e ir embora, mas fico ali paralisado encarando seus tênis encardidos.
-Não está meio tarde para uma criança feito você, estar na rua? - disse o homem com a voz pacífica.
Levanto a cabeça e olho para seu rosto, o vejo dar um trago no cigarro.
-Eu não sou criança. - respondo impaciente, abaixando a cabeça novamente.
"Quem é esse cara e o que será que ele quer comigo?" Pensei.
Ele se sentou ao meu lado.
-Você é o Tiago, né?
-Como sabe meu nome? - franzi a testa, intrigado e o encarei.
-Eu costumava ser amigo de seu pai. - explicou-se, me olhando com uma expressão amigável. -Beto.
O homem misterioso sorriu brevemente e deu um trago no cigarro.
-Eu sou o Jason, dono daquele estúdio ali. - apontou para o outro lado da rua.
Li o letreiro neon, em vermelho: "Jason's Studio - Tatuagens e Piercings."
Estranho eu não ter notado aquele letreiro do outro lado da rua .
-Eu te vi pela janela, lá de cima, tem um bom tempo que você aqui. - escutei Jason, enquanto ainda encarava o letreiro.
-Você costuma atender até essa hora? - perguntei, direcionando o olhar a ele.
-Não, hoje atendi um pedido especial e acabei esquecendo de desligar o letreiro.
Arqueei as sobrancelhas e balancei a cabeça positivamente. Jason me ofereceu o seu cigarro, olhei por uns segundos e então aceitei.
-Vá pra casa, seu pai e sua irmã devem estar preocupados. - disse enquanto se levantava.
Assenti enquanto inalava a fumaça.
-Toma. - estendeu sua mão, me entregando um cartão. -Tem meu número aí, caso precise de alguma coisa.
Me levantei e peguei o cartão.

Agora:
Naquele dia, Sara tinha ido dormir na casa de uma amiga, eu acabei me desentendendo com meu pai, por algum motivo que eu nem lembro mais. Não queria ficar perto dele e mesmo indo para meu quarto, ele não me deixou em paz, então peguei meu skate e saí por aí, sem rumo, até que decidi me sentar naquela rua, por um acaso, de frente para o estúdio de Jason. Meu pai trabalhava na mercearia ao lado de seu estúdio, antes de trabalhar na mecânica de meu tio. Assim eles se conheceram e ficaram amigos, mas claro, nada dura muito tempo com meu pai.

EfeitosOnde histórias criam vida. Descubra agora