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A melhor forma de ser acordado pela manhã é aos sons de miados vindos do lado de fora da janela. Afinal de contas, pra quê despertador? Luto contra minha preguiça, ainda deitado, estico meu braço e tateio minha escrivaninha em busca de meu celular. A luz da tela arde meus olhos, fecho eles de imediato e os esfrego antes de olhar para a tela novamente. 5:55. Eu teria apenas mais 5 minutos de sono, me arrasto um pouco para frente, em direção a janela. Já de pé, puxo a cortina e vejo o gato que adora me fazer companhia. Olho pro lado e observo o pôster(um tanto exagerado no tamanho) da arte do álbum 'Ten' da minha banda preferida, Pearl Jam. Abro a janela e dou um enorme bocejo.
-Não larga mesmo do meu pé. - passei minha mão para fora da grade e acariciei seu pelo macio.
Esse gato fica rondando em meio ao pequeno aglomerado de prédios de seis andares onde eu moro. Ele parece bem tratado, mesmo não tendo dono. Gatos são animais realmente habilidosos, não faço a mínima ideia de como ele chega até a minha janela, no quarto andar. O alarme do despertador do meu celular toca.
-Tenho que ir pra escola, gatinho. Tchau. - passo minha mão em seu pelo por uma última vez.
Desligo o alarme e sigo até o guarda-roupa, abro uma das portas e olho pro uniforme cinza claro pendurado no cabide.
Depois do banho tomado e estar devidamente uniformizado, é a hora de tomar uma xícara de café. Indispensável. Do pequeno corredor, observo meu pai se locomover da cozinha para a sala, caminho até a cozinha e pego uma xícara de café. Vejo meu pai tomando seu café sentado no sofá da sala, assistindo o noticiário na TV. Bebo um gole do café, ainda em pé, percebo que meu pai irá me olhar, então olho pro chão. Ele se levanta e caminha até a cozinha e preenche sua xícara com  leite.
-Eu posso ter um gato? - olho diretamente pra ele.
Desde a primeira vez que aquele gato apareceu em minha janela, eu pensei em adotá-lo. Meu pai me olhou confuso.
-Um gato? - desdenhou com uma risadinha.
Continuei o encarando, esperando uma resposta concreta. Ele pôs sua xícara em cima da bancada da pia, cruzou os braços e franziu a testa.
Meu pai nunca foi muito fã de animais domésticos.
-Eu vou cuidar dele, você não precisa fazer nada.
Ele riu, com deboche. Me segurei para não revirar os olhos, respirei fundo e bebi todo o café que restava na xícara de uma vez.
-Você só precisaria comprar um pacote de ração por mês. E, bom... Um caixote de areia. - olhei para ele, parecendo analisar a possibilidade. -Só até eu conseguir um serviço. Eu juro que daí pra frente eu vou comprar tudo. - já estava quase implorando.
-Por que você não espera pra arrumar o gato quando já estiver trabalhando?
-Porque eu já arrumei.
-QUE? - se aproximou meio brusco.
-É um gato que fica andando por aqui. Eu queria que fosse agora, porque alguém pode pegar ele antes de mim. - dei um passo para trás.
-Ah... Aquele gato preto. - disse caminhando de volta para o sofá.
Impressionante ele reparar em alguma coisa além dele mesmo.
Comi dois biscoitos que estavam na mesa e segui até meu quarto para pegar minha mochila. Pego a mochila jogada na cama e a coloco nas costas, rumo a sala novamente. Opto por não usar minha quase inseparável, jaqueta de couro preta. Fevereiro é um mês quente por aqui na cidade, contribuição para o meu desânimo total. Destranco a porta da sala, mas meu pai me chama antes de eu abri-lá.
-Pode ficar com o gato. - disse sem tirar os olhos da TV.
-Valeu... - raspei a garganta após minha voz falhar um pouco. -Valeu, pai.
Passo pela porta, a fecho e sigo destino a escola.

Procuro por um rosto conhecido, em meio ao tumulto na quadra, o primeiro dia de aula é sempre o pior de todos.
-Quanto tempo, irmão! - Felipe surge como fumaça em minha frente, dando um tapa nada sutil em meu braço.
Sempre me pega de surpresa, aparecendo do nada.
-É, quanto tempo. - respondi aliviado por encontrar alguém finalmente.
-O que você andou aprontando? Não te vi em um dia sequer das férias.
Sorri um pouco desajeitado.
Difícil dizer que eu estava o evitando, apenas para não me encontrar com sua irmã.
-Passei a maior parte na casa dos meus avós e a outra parte, fiquei em casa atoa. - não é totalmente mentira.
-Ah, eu vi umas fotos que você postou da praia, nos seus stories. - disse sorridente. -O Erick ali. Bora lá!
Felipe apontou para o outro lado da quadra, se dirigindo até lá. Eu o segui. O Felipe está sempre animado, ele é do tipo de pessoa que parece não ter um problema sequer, as vezes é até um pouco estranho.
-Eu tava aqui com o Erick, daí eu te vi perdidão do outro lado. Apostei com o Erick que ia chegar perto e nem ia perceber. - deu uma risada alternando olhares entre mim e Erick.
Todos nós rimos.
-É inevitável, o Tiago sempre viajando. - Erick se aproxima e estende sua mão.
-Dessa vez eu nem tava de fone. - sorri e apertei sua mão.
Acabei evitando o Erick também, durante as férias, mas cheguei a vê-lo umas duas vezes. O Erick é um cara muito gente boa, ele e o Felipe combinam muito no quesito animação.
-Será que a gente vai ser da mesma sala? - perguntou Erick, colocando uma de suas mãos em meu ombro e a outra no ombro de Felipe.
-Espero que sim... - respondeu Felipe.
Balancei a cabeça positivamente. Faço uma busca com os olhos por esse lado da quadra. Avisto Kevin e Nicolas sentados na arquibancada, nos observando, rindo e falando alguma coisa entre eles. Semicerrei os olhos e franzi a testa. Não demorou muito para Felipe perceber e cutucar Erick, os dois olharam para a mesma direção que eu. Felipe bufou, ao perceber para quem eu estava olhando. Erick cruzou os braços, retoma o olhar para mim e bate nas costas de Felipe para que ele não os dê mais atenção.
-Não acredito que eles vão continuar pegando no seu pé. - disse Erick.
-Já estava esperando por isso.
-Afinal de contas, por que esses babacas não te deixam em paz? - questionou Felipe, dando uma última olhada para eles. Discrição não é seu ponto forte.
-Cara, eu não sei. - afastei o cabelo do meu rosto. -Eu sei que, quem começou foi o Kevin, e aí o Nicolas entrou na onda. 
Tanto Felipe, quanto Erick, balançaram a cabeça negativamente. Felipe encarou o chão por uns instantes.
-A Ana veio? - mudei de assunto para espantar a tensão.
-Veio. Ela ali. - Felipe apontou para um grupo de meninas, não muito distante de nós.
Lá estava Ana Liz, com seu cabelo liso, preto azulado, acima dos ombros, agora mais curto do que antes das férias, rodeada de outras cinco meninas. Três ao seu lado esquerdo e as outras ao lado direito. Penso se deveria ir até lá falar com ela. Evitei vê-la por toda as férias, mas agora não tem mais jeito, vamos nos ver a semana toda na escola.
-Vou falar com ela. - caminho em direção a Ana, ficando de costas para os meninos.
-"OU"! - escuto Felipe e Erick em coro.
Me viro de imediato e esbarro com toda a força em uma garota. Ela segura suas duas mãos em meus braços por um segundo, depois os solta de uma vez.
"Desculpa." Falamos ao mesmo tempo, olhando nos olhos um do outro. Ela sorri sem graça e segue seu caminho. Me viro sutilmente para olhá-la mais uma vez, ela foi tão rápida que já estava distante, mas pude ver ela jogando suas longas tranças pretas para trás, antes de sumir em meio a multidão de alunos.
-Ti-a-go... - Erick cantarola meu nome.
Retomo minha atenção a eles.
Os dois estão rindo.
-A Diana é distraída igual o Tiago! Nem viu a gente aqui. - disse Felipe cutucando Erick com o cotovelo.
Sabia que conhecia seu rosto. Diana, amiga de Laila, que é amiga de Erick. Não troquei mais do que duas palavras com ela, mas já a vi diversas vezes.
-Ficou impactada com o Tiago. - Erick me olhou com um risinho maldoso. 
-Por que vocês me chamaram? - ignorei a fala de Erick.
Felipe o cutuca com o cotovelo novamente e ri.
-Seu cadarço, bocó! - Erick apontou para meu tênis.
Olhei imediatamente para ele, vendo o cadarço com o nó totalmente desfeito.
-Valeu. - me abaixei para refazer o laço.
Sigo rumo a Ana, que estava deixando o grupo de meninas. Apressei meus passos.
-Ana! - exclamei, para não perdê-la de vista.
Ela se virou e esboçou um pequeno sorriso. Me aproximei e a encarei em silêncio por tempo demais.
-Como foi as férias? - me sinto ridículo por essa ter sido a única coisa que consegui pensar.
Arqueou as sobrancelhas, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha.
-Você saberia se não tivesse sumido. - respondeu seca.
Não posso culpá-la por me tratar com frieza. Levei uma de minhas mãos a testa e a esfreguei. Ana suspirou e balançou a cabeça levemente.
-Não fiz nada demais. - mexeu nas alças de sua mochila e desviou o olhar. -As suas, parecem ter sido boas. Vi algumas fotos no insta.
-Passei um tempo na casa dos meus avós. Fica perto da praia, foi bem legal... - sorri de canto.
Ana mordeu o lábio, escondendo parte de seu piercing. Além desse, tem uma argola no lado direto de seu nariz. Olhei para o grupo de meninas  que Ana estava acompanhada, tentei lembrar o nome de alguma delas, porém nenhum surgiu em minha mente. Ela é mais apegada aos amigos do irmão.
-Vou ali nos meninos... - fiz um sinal com o braço, mostrando onde eles estavam. -Você vem? 
Ela olhou brevemente para eles.
-Na verdade, eu tava indo ali trocar uma ideia com a Flora. - indicou para onde iria, apontando discretamente com sua cabeça.
Flora foi nossa professora de Português ano passado, espero que seja novamente esse ano. Nem tinha percebido que os professores já estavam presentes na quadra. Olhei mais acima, na arquibancada do outro lado e vi o diretor Orlando, em pé, ajustando um microfone.
-Ah, beleza. - disse ainda observando o diretor.
-A gente se vê.
-Seu cabelo ficou maneiro. - retomei o olhar a ela.
Ela reprimiu um sorriso, passando a mão por seu cabelo. Me virei em direção aos meninos.
-Ei! - tinha dado menos de quatro passos. Me aproximei novamente. -Sua tatuagem... Ficou maneira.

Nas orientações dadas na quadra, foi falado em qual corredor se localiza as salas do primeiro, segundo e terceiro ano. Ao lado das portas de cada uma das salas, estão coladas listas com os nomes dos alunos pertencentes a cada sala. Esse método causou tumultos, pois todo mundo quer olhar a lista primeiro e entrar logo na sala para sentar no lugar que julgue o mais adequado. Erick e Ana, caíram na mesma sala, Felipe em outra e eu, infelizmente, em nenhuma das duas. Entrei na sala, que está com quase todos os lugares tomados. Bato os olhos em Diana, sentada na segunda carteira da fileira do canto da porta, ela me olha timidamente, endireita seus óculos de armação leve e arredondada, em seu rosto e então se vira para Laila na carteira logo atrás dela. Pele negra, tranças longas, óculos delicados, que combinam perfeitamente com seu rosto. Caminho até o outro lado da sala, percebo que as poucas carteiras livres estão perto das carteiras ocupadas por Kevin e Nicolas. Claro, eu tinha que acabar na mesma sala que os dois. De novo. Os dois estão nas últimas carteiras da quarta e quinta fileira. Me sento na quarta carteira da quinta fileira. Eles estão comentando algo entre eles, mas não presto atenção, olho discretamente na direção de Diana, a vejo sorrindo alegremente conversando com seu amigo Joel(já o vi algumas vezes com os meninos), sentado na terceira carteira da segunda fileira. Laila também está sorrindo e por dentro da conversa. Por um segundo me imaginei próximo deles... Será que ficaria tão alegre, assim como eles?

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