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Passar o dia na casa dos meus avós é sempre agradável. As horas passaram depressa e quando me toquei, já era noite. Vovó parecia desconsolada ao se despedir de mim e de Sara ao fim do dia. Vovô parecia um pouco mais firme, mas seus olhos o entregam. Eles nos trouxeram de carro até em casa, vovó saiu do carro para nos abraçar, um de cada vez, me apertou mais que o necessário e beijou meu rosto carinhosamente. Vovô acenou e sorriu. Acenamos de volta e seguimos para casa.
Ao entrar, avisto meu pai dormindo no sofá, roncando alto como um porco. Sara me olha e ri, levando a mão a boca. Forcei um sorriso e caminhei até o quarto. Tiro os tênis de meus pés e me jogo na cama. Sirius se aproxima devagar, se deitando em minha barriga.
-Oi amigo... sentiu minha falta?
Acaricio seu pelo e fixo os olhos no teto. Não passa das 20:00 horas, mas sinto muito sono, o que é um pouco estranho, não fiz nada demais na casa de meus avós para me sentir tão cansado. Meus olhos vão ficando mais pesados a cada vez que pisco.

Desperto do sono, com o som de notificação de mensagem de meu celular apitando repetidamente. Agora estava deitado de bruços e Sirius estava próximo aos meus pés. Esfrego os olhos com os dedos e pego meu celular em seguida, me sentando a cama.
22:15 marcam as horas. Seis novas mensagens de Felipe e duas de Erick. Clico nas de Felipe primeiro.

Casa do Erick
Amanhã
13 hrs
Ou antes
Sei lá
Vc n pode dizer n

Ri ao ler as mensagens. Digitei: "Ok", enviei. Em seguida mandei "Te vejo amanhã." Abro a conversa com Erick.

Hey
Chega aqui amanhã, já avisei ao Felipe

Respondi: "Ele foi mais convincente que vc".
Ele visualizou rapidamente, mandando vários "emojis" rindo.
Me levantei, me espriguiçando, bocejei e então, deixei o quarto rumo a cozinha. Minha barriga agora roncava de fome. Abro a geladeira, fazendo uma busca por todas as coisas dentro dela. Ovos e bacon. Encaro por um instante e logo estendo a mão para pegá-los. Corto um pedaço da peça de bacon e pico em vários pedacinhos. Os jogo na frigideira junto ao ovo. Espero um pouco para misturá-los com a espátula.
-Pensei que estivesse dormindo.
A voz de meu pai ecoa pelo ambiente. Parei por um segundo o que estava fazendo. Apertei com um pouco mais de firmeza a espátula em minha mão.
Ele acabara de se levantar do sofá e caminha até mim. Retomo a mexer na frigideira, ignorando-o. Ele contorna a bancada, invadindo meu espaço pessoal.
-Isso parece estar bom. - disse, olhando para a frigideira e depois para mim.
Agora posso sentir seu hálito forte. Cachaça. Dessa vez ele não se contentou com o usual fardo de cervejas. Soltei um suspiro longo.
-Não é para você.
Olho em seus olhos por um breve momento e me afasto, desligando o fogo e levando a frigideira para a outra parte da bancada. Pego uma fatia de pão de forma, o ponho sobre um pequeno prato, espalho o ovo mexido com bacon pelo pão, pego outra fatia e a coloco por cima. Me viro para voltar ao quarto. Meu pai se coloca sobre o meu caminho.
-Você anda muito mal educado.
Não respondi nada, baixei os olhos.
-Estou falando com você! Olha para mim! - berrou.
Levantei a cabeça e o encarei. Seus poucos centímetros a mais de altura e seu rosto carrancudo não me assustam. Seu lábio superior parecia tremer e se elevar, quase esboçando um bizarro sorriso.
Ele segurou meu braço esquerdo, o puxei de uma vez, cerrando meu punho e apertando com força minha outra mão, que segura o frágil prato. Percebi que Sara nos observava do corredor, segurando a porta de seu quarto, relaxei as mãos ao olha-lá. Meu pai se virou para acompanhar meu olhar.
-Pequena Sara... - ele caminhou até ela. -Boa noite, minha filha... minha pequena.
Ele a beijou na testa, que recuou rapidamente, entrando em seu quarto e fechando a porta. Meu pai ficou ali, parado, fitando a porta. Passei por ele, que não disse uma palavra. Entrei em meu quarto e tranquei a porta. De repente, não sentia mais tanta fome.

No dia seguinte, saí de casa logo após almoçar. O almoço que eu mesmo fiz, já que meu pai estava ocupado demais dormindo em seu quarto. Antes que eu saísse ele me entregou uma pequena lista de compras e uma nota de cinquenta reais. "Eu quero meu troco de volta." Deixou bem claro. Quase desisti de sair, não queria deixar Sara sozinha, mas ela também tinha seus planos. Disse que iria passar o dia com uma de suas amigas que mora em nosso prédio.
Cheguei rapidamente na casa de Erick, com o meu skate. Felipe já estava lá e não havia mais ninguém em casa.
-Cadê seus pais? - perguntei.
Erick se esparramou em sua cama, Felipe estava sentado, também na cama. Me sentei na cadeira giratória, da mesa de seu computador.
-Hoje é aniversário de casamento deles. Saíram para almoçar fora e me disseram que iam fazer alguma outra coisa depois.
-Alguma outra coisa depois... - girei de um lado para o outro na cadeira.
Felipe soltou uma gargalhada:
-Motel. - tossiu falsamente, disfarçando sua fala.
Ri, despretensioso.
-Me poupem dessa imagem. - Erick se sentou de forma brusca no colchão.
-Espera aí... - Felipe quase berrava. -Sua casa está totalmente vazia e você perdeu a oportunidade de chamar a Laila aqui?
Balançei a cabeça negativamente e ri.
-Eu não sou pervertido como você.
-Pervertido? Eu não sou pervertido!
-Você é sim. - enfatizei.
Erick riu alto.
-Qual o problema de vocês dois? Eu não falei nada demais. Você perdeu uma oportunidade e tanto! Aposto que o Tiago não perderia. Se tivesse uma chance com Diana... Não é Tiago?
Respirei fundo e soltei o ar sem sutileza.
-Ele não perderia... - Erick concordou.
Girei a cadeira, ficando de costas para os dois.
Pensei sobre uma hipótese, dessa situação, envolvendo eu e Diana. Acho que eu não perderia a chance. Mas não posso falar isso a eles, os conheço muito bem... Não me deixariam em paz. Não penso exatamente como os dois. Tentaria me explicar e só complicaria mais e mais.
-Mas, então, Tiago. Como foi na casa da Diana? - Erick perguntou.
Fiquei de frente para eles novamente.
-Foi... - suspirei, pensando em como continuar.
-De tirar o fôlego? - Felipe completou.
Erick riu.
-Rolou um beijo? Diz que sim.
-Não. - respondi seco.
-Sério? - Felipe soou decepcionado.
-Duvido.
Olhei para Erick, com as sobrancelhas arqueadas esboçando um sorriso.
Ele apontou para mim.
- vendo... rolou... alguma coisa rolou.
Felipe concordou acenando com a cabeça.

Jogamos a tarde toda no computador de Erick, revezando entre nós. Também comemos chips, guloseimas e bebemos refrigerante. Os pais de Erick haviam chegado e o céu já estava escuro. Felipe e eu resolvemos ir embora, peguei meu skate e me despedi. Antes de ir para casa, precisava ir ao mercado, irei aproveitar e passar no Jason, já que ele é vizinho da "Mercearia do Paulo".

Acabei passando pela pista de skate, parei e observei a monotonia do lugar. Vejo alguém na companhia de Ryan, um homem... um garoto. Muito familiar, sinto que o conheço. Pela distância e por estar escuro, não consigo ver seu rosto com nitidez. Olho para os dois lados, segurando meu skate em minhas mãos, e atravesso a rua em seguida. Os dois agora se beijam, espero um pouco para me aproximar. Foi então que percebi. Era Kevin. O garoto que beijava Ryan, era Kevin. Não pude conter meu olhar de surpresa.
Ryan deve ser, no mínimo, cinco anos mais velho do que Kevin. Ele é magro, alto, mas não mais que Kevin, que também me passa na altura, deve ter por volta de 1,85. Ryan é branco, pálido como papel, tem cabelos castanhos, meio avermelhados, liso, raspado nas laterais. Seu nariz, enorme, ganha destaque em seu rosto, não exatamente bonito, olhos fundos e sobrancelhas grossas.
Kevin é branco, alto e esguio, cabelos castanhos, com leves cachos, sem um corte definido, o meu cabelo, se tivessem cachos, teriam uma certa semelhança com os seus. Kevin é bem afeiçoado, o desenho de seu rosto tem traços finos.
-Tiago! - exclamou Ryan.
Hesitei por um segundo, me aproximando devagar. Kevin ficou imóvel ao me ver, com os olhos arregalados, como se estivesse em choque. Ele tem um curativo em seu nariz. Meus olhos passaram por ele e moveram até Ryan.
-E aí, cara. - Ryan fechou o punho para tocar o meu. Ele carrega um sorriso descontraído.
Encostei meu punho no seu.
-Só vim dizer oi. Tenho que ir no mercado. - olhei de canto para Kevin.
Ele não havia movido um músculo. Ryan percebeu que algo errado acontecia com Kevin. Ele franziu o cenho e riu sem jeito. Tirou um cigarro do bolso, junto a um isqueiro, acendeu e o entregou a Kevin. Ele pegou o cigarro de imediato e deu um longo trago.
-Preciso ir. - dirigiu as palavras a Ryan.
E foi embora, andando depressa, sem olhar para trás.
-Conhece ele?
-A gente estuda na mesma escola.
Preferir não dizer que o culpado pelo curativo em seu nariz, sou eu.
Olhei para a direção em que Kevin seguia. Estava longe de minha vista, apressado para sumir dali, quase correndo. Vê-lo aqui, era algo que nunca havia passado em por minha cabeça. Fumando e aos beijos com Ryan. Logo aquele que mais condenava e julgava todos que não se assemelham a sua "imagem". Kevin desconta suas frustações naqueles em que ele considera mais fracos que si próprio. Nada saudável, eu devo dizer.

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⏰ Última atualização: May 25, 2021 ⏰

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