Capítulo III

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 Benedita me olha sorridente e parece refletir sobre o que eu estava pensando. Respirei e suspirei fundo e fui para a varanda da casa.

 Vovó está na escada com as mãos juntas na altura do busto, vovô estava um pouco mais atrás, com as mãos no bolso. Percebi que Benedita não me acompanhou, deve ter ido para a cozinha. Encostei-me a Sebastião e lancei um sorriso afetado para o mais baixo.

 O grupo de pessoas que esperávamos, já estava adentrando a fazenda. Estava tarde, não demoraríamos muito para dormir. Mas como hoje era uma ocasião especial, só Deus sabe que horas iríamos para a cama.

 Poucos segundos depois, Madalena já havia se apressado em abraçar o filho. Eu e meu avô avançamos um pouco, mas não tanto quanto a outra. Tínhamos a postura recatada igual, resolvemos esperar aqui.

—Gaspar. – Madalena fala entre choro. – Senti tanto a sua falta.

 Ele falara alguma coisa, mas tão baixo que não pude entender. Depois de a Madalena ficar minutos abraçando e beijando o filho, ela fala com os outros. Maria, a esposa de Gaspar; e os netos Nicholas e Laura. Nomes diferentes o dos meus primos.

 Sebastião cumprimentou Gaspar e deu um sorriso seco. Depois Gaspar se virou para mim.

—Deves ser Celine. – Ele fala educadamente.

 Gaspar é mais alto que eu, o corpo robusto, a barba rala revelava que ele a havia feito antes da viagem, os olhos verdes sorriam e a boca carnuda estava séria. Convenhamos, Gaspar era um belo homem, apesar de sua idade.

 Meu tio segura a mão que eu levanto e beija docilmente. Esse momento em que ficamos nos encaramos foi interrompido por uma voz.

—Cel, filha. – Madalena me chama. – Veja, olhe como seus primos cresceram.

 Desvio o olhar do homem próximo a mim e meus olhos alternam entre um garoto alto e com cabelo castanho e uma menina baixa e gordinha.

—Celine, quanto tempo. – Laura me abraça fortemente.

 Quanta intimidade. Mas ignorei e retribui o gesto.

—Como vai? – Nicholas leva minha mão à boca, como o pai.

 Devo notar que ele também era um rapaz que facilmente prenderia a atenção de qualquer moça. Vejo-o lançar um olhar penetrante em mim.

 Depois eu cumprimentei formalmente a Maria e fomos para a sala de jantar.

—Vamos fazer uma pequena oração para agradecer pela vida e pela comida. – Madalena fala, eu reviro o olho, mas ninguém vê.

 A mais velha fica alguns minutos falando palavras em voz alta até um coral dizer "Amém" – eu só movo os lábios para fingir ter falado.

 Todos se sentam a mesa e enquanto conversam, comiam. Minha avó reprovava tais atitudes, mas sabia que depois de longos anos de espera, não seria isso que a faria perder a doçura. Acho que ela se preocuparia com bons modos amanhã.

 Fico calada e pensativa, principalmente depois de ver Benedita no canto do cômodo e ela soltar um sorriso amarelo para mim. Ela deveria estar aqui, sentada à mesa conosco. Esse era um dos poucos motivos que ainda me faziam querer chorar. A injustiça. Para com as mulheres e principalmente, com os escravos.

 Meus pensamentos foram interrompidos por uma voz que soa perto de mim e acaricia meu rosto.

—Então, Celine, – Eu encaro os olhos castanhos de Nicholas. – na verdade é vossa mercê que faz os trabalhos braçais da fazenda?

 Engulo o seco, olho subitamente para Madalena. Ela me lança um olhar repreendedor. Sebastião olha com a pálpebra cansada.

—Não seja tolo, Nick. – Laura adverte o irmão. – Celine tem seus princípios.

—Decerto, eu tenho. – Olho para a menina rechonchuda. – Todavia, eu realizo alguns afazeres braçais.

 Laura me olha em choque e olha para a mãe, que não expressou nenhuma emoção anormal, continuava com um sorriso no rosto. Nicholas riu abafado e sorriu de lado, na minha direção.

—Mas aqui não tem algum escravo? – Ela sugeriu. – Essa fazenda é enorme.

—Laura, minha querida, como bem sabe, – Madalena assentiu com desdém. – As coisas por aqui não estão as melhores possíveis. A criada não dá conta de tudo sozinha, infelizmente.

 As bochechas da menina mais baixa ficaram vermelhas e ela decidiu não tocar mais no assunto.

 Talvez ela tenha ficado tão acanhada por causa do olhar censurado que o pai havia lhe lançado. Gaspar continuou a comer, mas ele me fitava com o semblante enigmático. Hora ou outra, ele me encarava e eu também encarava ele.

 Gaspar tinha algo que me intrigava, ele parecia não ser o filho perfeito que minha avó falava. Eu estava disposta a descobrir as imperfeições dele.

 Depois do jantar, todos nos despedimos e houve o cumprimento "Até amanhã", já que eles moravam numa casa próxima. Próxima até demais.

 A casa havia sido limpa um dia antes a chegada deles, não era muito grande, era média e modesta. Madalena implorou para eles ficarem aqui, debaixo do teto dela. Felizmente, Gaspar negou, ele precisava do espaço com a família. Agradeci imensamente por não precisar dividir a casa com mais quatro pessoas.

 A parte da família foi-se embora. Era possível escutar a reclamação da minha avó quanto à bebida do meu avô. Ela tinha razão em querer que ele parasse de beber. Mas todos sabiam, que àquela altura do campeonato, vovô não iria mais parar.

 Deitei na minha cama depois de trocar minha roupa. Olhei para o armário e encontrei o porta-retrato que meus olhos procuravam. Era ela, minha mãe. Eu me achava parecida com ela, os olhos, o rosto, o sorriso. Mas a minha mãe era branca e tinha o cabelo liso. Minha pele mais escura e meu cabelo ondulado semelhavam mais ao meu pai, que era um escravo.

 Uma lágrima ameaçou cair quando pensei nos sonhos que eles tinham e o quanto poderiam ser felizes comigo.

 Meus pensamentos saíram de foco quando escuto uma pedra soar na madeira da janela. Corro até a trava e abro-a. Olho para baixo e vejo a sombra de uma pessoa me esperando.


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A Dama FerozOnde histórias criam vida. Descubra agora