Capítulo VIII

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 Gaspar estava suado e seu rosto estava vermelho como um pimentão. Ele estava no ápice da raiva.

—Você nem ao menos pensa na sua neta que todos os dias faz trabalhos os quais deveriam ser feitos por você! – Ele continuava a cuspir na cara do pai, mas o bêbado não respondia.

 Pude ver o rosto do mais velho molhado, o que significava que ele estava chorando há um tempo.

—Para! – Finalmente crio uma reação. – Para Gaspar! Ele não está no estado normal, não adianta brigar!

—Alguém precisa falar algo para esse velho se dar conta da situação. – Ele continua falando alto, mas percebo que agora suas veias não estão mais parecendo que tinham vida própria.

—Por favor, deixo-o descansar e depois, quando ele estiver bem, vocês podem conversar. – Solto as mãos grandes de Gaspar do braço do meu avô. – Benedita, leve-o até o quarto e o coloque na cama.

 Minha amiga faz o que eu peço. Olho preocupada para o homem a minha frente. Um pouco enraivecida. Saio de casa e digo para o celeiro, percebendo Gaspar em meu encalço.

—Celine. – Ele tenta puxar o meu braço e eu me desvencilho.

—Sabe que agiu como um covarde, não sabe? – Viro-me e o olho de tão perto que sinto a respiração dele no meu rosto. – Parece que se aproveitou de sua momentânea vulnerabilidade para esmurra-lo.

—Não fiz isso. – É tudo o que ele diz, me seguindo quando volto a andar.

—Não estou passando a mão na cabeça dele. – Acaricio o rosto do cavalo de Gaspar enquanto ele tira a sela do bicho. – Acho que realmente ele precisa ser alertado do que está fazendo com sua própria vida. Mas não tenho certeza se vai adiantar algo.

 Não sei de onde tiro a coragem de falar com Gaspar daquela maneira, mas agora que meus nervos estavam se acalmando, fico um pouco envergonhada.

—Tem razão, foi tolice não ter esperado para conversar mais tarde.

 Ele diz e nesse momento, Madalena, Maria e Laura passam pela porteira e acenam para nós. Laura corre até mim e dá gritinhos histéricos. Parece que ela já havia esquecido de que eu sou tudo o que ela desaprova.

 Será que conto que beijei o seu irmão para ela me deixar em paz?

—Preciso te contar sobre como foi essa manhã. – A menina rechonchuda diz.

 Ela entrelaça seu braço no meu e nós saímos do celeiro. Dou uma última olhada para Gaspar e escuto a garota.

—A parte da visita foi um tanto quanto monótona, então pularei essa parte. – Ela ri. – Conheci um garoto muito charmoso e educado, o nome dele é Augusto. Você o conhece?

 Lembro-me do dia em que eu e ele brincamos de "papai e mamãe" há alguns meses e me esforço para não rir.

—Conheço, a família dele é amiga da nossa. – Disse me controlando.

—Eu não me lembrava dele. É de se esperar, já que faz anos que não venho aqui. – Laura pareceu pensativa. – Enfim, ele é um menino charmoso. Espero me casar com ele um dia. Ele é bonito, carinhoso, comportado...

 Ah, claro! Concordo com o bonito, mas carinhoso e comportado... eu que o diga.

 Nicholas estava debaixo de uma árvore cortando lenha, quando olha para mim e solta um sorriso encantador para mim. Minhas bochechas coraram.

 Não posso negar que o acho atraente.

—... espero vê-lo em breve. – Laura finaliza.

 Nós duas entramos na casa e vemos Madalena com o convite de Justino na mão. Maria estava fazendo chá e provavelmente Benedita estava limpando a casa, com o cabelo levemente bagunçado.

 Gaspar e Nicholas entram pela porta da cozinha e se juntam a nós.

—Todos irão amanhã para a confraternização do Seu Justino. – Madalena diz. – E não adianta inventar desculpas, Celine.

 Sai que nada que eu fale vai fazê-la mudar de ideia. Gaspar fica confuso, mas minha avó o entrega o convite e ele revira os olhos de forma bruta e máscula depois de ler o conteúdo.

—Baboseira. – Ele diz. – Aposto que há algum interesse por trás desse convite.

 Gaspar olha para mim rapidamente e eu fico intimidada.

—Não seja ingrato, filho. – Madalena o repreende, levantando da cadeira. – Vou ver como está o Sebastião.

 Ela diz num tom cansado e eu e Gaspar nos entreolhamos.

 Depois do almoço, Maria chama Laura para limpar rapidamente a casa deles e perguntam se quero me juntar a elas.

 Que saco.

—Não posso. Tenho que molhar algumas plantas agora. – Penso em qualquer coisa e sorrio falsamente.

 Elas parecem ter caído na minha desculpa esfarrapada.

 Pego um balde para molhar algumas árvores frutíferas e flores na frente da casa e faço o que havia falado.

 Desde que eu comecei a ter consciência das coisas ao meu redor e ter percebido que as pessoas – principalmente os homens – associam mulher à fragilidade, não gosto de executar tarefas as quais as mulheres normalmente fazem. Mesmo que o que a sociedade fala não diga quem eu sou, odeio que achem que sou fraca por ser mulher.

 Eu nunca concordei com o que os homens falam sobre nós, principalmente depois que conheci Dandara e ela me mostrou que posso sim ser forte. Todas podem.

 Mas algo em mim não me deixa participar das atividades que as mulheres – submissas aos homens – fazem, mesmo sabendo que eu não me torno como elas por isso.

 Quando estava andando entre as árvores, sou surpreendida por uma mulher de pele escura, ela me agarra por traz e me dá um mata-leão. Dandara.

—Que susto, Danda. – Coloco a mão no peito, sentindo os seios da garota em minhas costas.

—Fica esperta. – Ela ri e me solta. – Tudo bem?

—Não sei. – Respondo e ela me olha curiosa. – Estou sentindo algo estranho na minha família, como se todos estivessem guardando segredos.

—Por que acha isso?

—Porque parece que todos medem toda hora as suas palavras, como se não pudessem falar demais. Como por exemplo, a conversa dos meus avós que escutei atrás da porta. Sobre nós estarmos falindo e endividados. – Falo sem me preocupar nas consequências de dizer aquilo em voz alta. – E eles não me contaram. Ainda tem essa história do Justino.

—Justino? O homem mais rico da Malhada dos Bois? Ele está interessado em você? – Dandara pergunta e eu confirmo com a cabeça.

—Não sei se ele está interessado em mim, mas com certeza não estou interessada nele. – Cruzo os braços.

—Não se trata do seu querer. Parece óbvio. – Ela chega mais perto. – Justino quer a sua mão e acho que seus avós estão dispostos a concedê-la.

 Não pode ser. Meu avô me ama muito e me respeita, ele não faria isso comigo. Faria?

—Está errada, Dandara.

 Eu digo, mas escuto alguns passos e uma voz grave me chamando. Não podem me ver com a Dandara. Iriam matar a nós duas por sermos amigas.


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A Dama FerozOnde histórias criam vida. Descubra agora