Capítulo VI

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 No outro dia, finjo que está tudo bem comigo, que não fiquei a noite toda acordada pensando em como seria se perdesse a fazenda. Isso jamais poderia acontecer.

 Tomo o café da manhã em silêncio e revirando a comida. Não é birra, eu realmente não estou com fome. Os outros parecem se divertir e rir á mesa – menos Madalena, que parece apreensiva–, coisa que não estava nem um pouco a fim.

—Cel, não quer ir nos ajudar hoje, filha? – Me alegro quando eu escuto essa frase sair da boca do meu avô.

—Claro! Ajudar onde? – Abro um sorriso sincero.

 Vejo Laura lançar um olhar de desaprovação para mim por estar cumprindo atividades masculinas e escravas. Não me importo.

—Plantar milho e um viveiro para as galinhas do Gaspar. Ontem ele comprou um escravo, mas ainda não é o suficiente para fazer todo o trabalho rápido e...

 Seu Sebastião continua falando, mas eu não o escuto mais. Meus olhos estavam vidrados nos de Gaspar. Ele havia comprado um escravo? Então isso que ele foi fazer depois que passeei com o Nicholas? Por que ele havia me ajudado a respeito do episódio com Benedita se ele é tão beneficiado e acomodado com esse sistema escravocrata?

 Não consigo disfarçar o ódio que estou sentindo naquele momento. Seguro com tanta força na asa da xícara que os nós dos meus dedos ficam brancos.

—Algum problema, querida? – Maria, a esposa de Gaspar, me pergunta com um sorriso no rosto.

—Estou ótima, talvez um pouco de calor. – Respondo entre suspiros.

 Eu não era uma pessoa que gosto de fazer favores, só quando minha vó me obrigava e quando me era conveniente. Eu só iria ajudá-los hoje porque faz meses, até anos, que meu avô não me chama com tanto carisma para fazer algo com ele.

 Olho rapidamente para Benedita e o seu olhar diz que sabia que algo está me incomodando. E ela está certa. Dou um sorriso maléfico para ela e termino o café.

 Depois de comer, passamos para o outro terreno, na casa dos meus familiares, e nos reunimos próximos a uma área limpa e aberta.

—Enquanto eu e o criado capinamos a terra para o plantio do milho. – Gaspar fala para todos. – Nicholas, Sebastião e Celine começam a construir o viveiro.

—Certo. – Nicholas diz, sem precisar que eu confirme também.

 Nicholas lança um sorriso despretensioso para mim e eu apenas aceno, seguindo meu avô.

 Ficamos a manhã toda nesse serviço e já havíamos cavado todos os buracos para colocar os troncos de suporte para a tela do viveiro. Confesso que fiquei cansada, mas nada que um bom descanso não resolva.

 Depois do almoço, eles me chamaram de novo para ajudá-los. Não poderia dessa vez, pois ainda tinha os afazeres da minha casa e não iria deixar minha avó e a Benedita fazerem tudo.

 Quando chegou o fim da tarde, pude ver por uma das janelas que Gaspar fazia algo em frente ao celeiro. Era hora de confrontá-lo.

 Passo pela porta da frente e me dirijo para onde meu tio se encontra. Ele me vê chegando e cruza os fortes braços.

—Olá Celine.

—Sabe o que eu não entendo? – Digo com o rosto ficando levemente avermelhado. – Ontem você defendeu a mim e a Benedita e no mesmo dia você compra uma pessoa para você fazê-la de escrava?

—Hum, sim. – Ele fala depois de pensar um pouco. – Celine, entenda. Eu preciso me sustentar e preciso de mão de obra. Qual a maneira mais fácil de fazer isso?

—Esse pensamento é nojento. Não pode simplesmente escravizar alguém, mesmo que seja a "maneira mais fácil" de conseguir uma mão de obra.

—O que vossa mercê quer que eu faça? – Ele tenciona os músculos do braço.

—Acho que está óbvio. Pode simplesm...

 Começo a falar, mas Gaspar me puxa inesperadamente e me pressiona contra a parede do celeiro, colocando a mão na minha boca a fim de me calar.

 Ele é rápido, não é?

 Gaspar leva o dedo indicador à boca e acena para fora do celeiro. Coloco meu rosto para observar o que acontecia e vejo meu avô saindo de casa e indo para a estrada, numa direção oposta ao do que ele costumava ir – a estrada que dava ao bar.

—Onde ele está indo? – Pergunto, sentindo a respiração quente do meu tio no meu rosto e sentindo o cheiro de suor masculino.

—Não sei, mas ele sempre parece nervoso quando está indo para aquela direção. – Ele começa a me soltar e se afastar.

 Depois de alguns segundos de trocas de olhares estranhas e de ele coçar a nuca, ele diz.

—Teremos que continuar a conversa em outro momento.

 Gaspar sai do celeiro e me deixa sem respostas. Mesmo sentindo algo diferente, eu não sei o que é.

 Volto para dentro de casa e faço o de costume. Chá para a minha avó, ajudo rapidamente a Benedita com o jantar e nós comemos. Sebastião voltou nesse momento, mas Madalena não perguntou onde ele estava.

 Noto que ele está levemente embriagado, como sempre. O que ele estava tramando?

 Quando chega a hora de ir dormir, Benedita pisca para mim com um olho, me lembrando de que hoje é sexta, dia de treinamento.


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A Dama FerozOnde histórias criam vida. Descubra agora